sexta-feira, 9 de outubro de 2020

SAYONARA, HONDA

Fornecedora de propulsores para a Red Bull e seu time satélite Alpha Tauri, a Honda está mais uma vez abandonando a F-1, ao fim de 2021, e deixando ambos os times, e até a própria categoria em uma potencial berlinda quanto à viabilidade das atuais unidades de potência híbridas em uso.

             E mais uma bomba surgiu na F-1 nos últimos dias. A Honda, fornecedora de motores para Red Bull e Alpha Tauri, declarou que desiste, mais uma vez, de sua participação na categoria máxima do automobilismo, ao fim da temporada de 2021. Os japoneses deixarão os dois times, que até o presente momento, não possuem então contrato de fornecimento para a temporada de 2022, quando entrará em vigor o novo regulamento técnico da categoria, mantidas apenas as mesmas regras das atuais unidades de potência, as quais devem ser mantidas até 2025.

            O anúncio faz com que a F-1, a partir de 2022, fique novamente restrita a apenas três fornecedores de propulsores para os times participantes, um número extremamente baixo para uma categoria TOP como a F-1. Os nipônicos, que haviam retornado à competição em 2015, novamente deixarão a disputa sem o gosto do sucesso que planejavam ter. Isso por que, sucesso, para ser franco, resume-se a ser novamente campeões do mundo, coisa que infelizmente não conseguirão, seja no campeonato de pilotos, ou de construtores, pelo menos até o fim de 2021.

            Ocorre que, por força da pandemia da Covid-19, para conter custos, a F-1 determinou que os times utilizarão no próximo ano os mesmos carros de 2020, com algumas evoluções pontuais. As unidades de potência, por outro lado, poderão ser trocadas por novas unidades, que já estão sendo desenvolvidas pelos fabricantes e participantes da competição. Mas, infelizmente para a Red Bull, o carro projetado este ano está longe de ter o desempenho esperado por eles, que previam estar bem mais próximos da campeoníssima Mercedes, que surpreendeu novamente a todos por apresentar outro carro extremamente competitivo, frustrando novamente aqueles que esperavam ver o time dos energéticos duelar roda a roda com os carros que vem sendo campeões ininterruptos desde 2014. Uma situação que deve se manter em 2021, já que os carros serão basicamente os mesmos, o que tira qualquer esperança do time austríaco voltar a ser campeão, a não ser que aconteça algo completamente anormal neste sentido. E vitórias pontuais da escuderia, como vem acontecendo nos últimos anos, não deixa de ser um sinal de sucesso, mas não é exatamente o sucesso suficiente para motivar os japoneses a continuar na disputa.

            Os motivos alegados pela Honda, sobre as mudanças no comportamento do consumidor, e da troca da tecnologia automotiva para os próximos anos, com o objetivo de neutralizar as emissões de carbono, podem parecer uma desculpa para inglês ver, mas tem suas justificativas. O cenário mundial, em relação à tecnologia automotiva, está passando por transformações em ritmo acelerado, e a complexa tecnologia híbrida adotada pela F-1 desde 2014, até então atrativa na época, e um sinal do futuro para a motorização dos veículos, acabou atropelada pelos carros elétricos, muito mais econômicos e menos poluentes. Pensando a longo prazo, a Honda quer tentar racionalizar seus recursos de pesquisa e desenvolvimento para algo mais tangível de ser aproveitado em seu dia-a-dia, e não há como negar que os altos investimentos para projetar e desenvolver as atuais unidades turbo híbridas poderia ser melhor empregado em outras áreas. Só que não há como negar que a Honda talvez tenha superestimado sua capacidade de desenvolvimento da tecnologia híbrida quando apostou em retornar em 2015.

Com Pierre Gasly e a Alpha Tauri, a Honda conseguiu uma vitória em Monza este ano.

            Os primeiros anos, em associação com a McLaren, foram completamente desastrosos, e embora o time inglês tenha tido boa parcela de culpa na concepção de um carro pouco competitivo, é verdade que os japoneses também entregaram uma unidade falha em muitos aspectos. Claro que ninguém esperava vencer de um momento para o outro, mas também não se esperavam resultados tão ruins como os obtidos. Os japoneses, ainda por cima, só foram colocar uma unidade na pista para testes ao fim de 2014, quando já deviam estar fazendo isso muito antes. Foi um tempo perdido que jamais recuperaram, apesar dos esforços feitos neste sentido. Em 2016, as coisas até deram um sinal de evolução, mas em 2017, com um retrocesso nos resultados, o que se esperava ser uma reedição da vitoriosa parceria entre os japoneses e o time inglês, vista de 1988 a 1992, foi rompida de forma abrupta. Um acordo foi costurado junto aos japoneses, a Renault, e a Red Bull.

            O time austríaco já vinha acusando a parceira Renault pelos maus resultados que vinha obtendo, e olhe que eles volta e meia venciam corridas e subiam ao pódio, mas aquilo era considerado pouco para os rubrotaurinos, que queriam um motor mais competitivo. Só que Mercedes e Ferrari, obviamente, não aceitaram fornecer seus propulsores para o time dos energéticos, não apenas por motivos de competição, mas também pelo ar agressivo de Christian Horner e Helmut Marko, que vinham espinafrando os franceses, e só não lhes metiam um pé na bunda porque ficariam sem motor. Mas então o acordo previa que a Renault passaria a equipar a McLaren em 2018, com a Honda passando a trabalhar com a Toro Rosso, que serviria de teste para a Red Bull analisar o potencial das unidades de potência nipônicas, que assim, permaneceriam na F-1, e se tudo desse certo, poderiam vir a equipar a própria Red Bull em 2019.

            Dito e feito. Com um ambiente muito menos carregado, e com muito mais cooperação fábrica-escuderia, a Honda acertou seu rumo, e sua unidade de potência, se não se tornou vitoriosa, ao menos evoluiu, e mostrou o potencial que Horner e Marko esperavam, o que lhes permitiu mandar a Renault às favas, e passarem a utilizar os propulsores japoneses a partir do ano passado. É verdade que os resultados estavam no mesmo nível do que a Red Bull obtia com as unidades da Renault, mas contando agora com a condição de time oficial de fábrica da Honda, enquanto eram apenas clientes dos franceses, a relação tinha tudo para evoluir gradativamente, como mostraram as vitórias obtidas por Max Verstappen. A esperança era de que carro e propulsor evoluíssem significativamente este ano, a ponto de permitir que o time dos energéticos enfim pudesse desafiar com mais consistência a toda-poderosa Mercedes. Mesmo que não fosse campeã, se ao menos pudesse brigar com eles com mais possibilidades, tudo estaria ainda dentro do script, para tentar vir com tudo em 2021. Mas, faltou combinar com os alemães...

No fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, a Honda viveu seu grande período de glórias na F-1, com títulos equipando Williams e a McLaren (acima). Em 2015, no último retorno da marca à categoria, a reedição da parceria McLaren/Honda (abaixo) não foi feliz, com resultados muito abaixo das expectativas.
 


           A Mercedes veio para a temporada 2020 com um carro ainda muito superior, tanto em chassi, quanto em sua unidade de potência, mais forte do que nunca. Por outro lado, o novo modelo da Red Bull para este ano não se revelou tão forte como eles esperavam, e a própria evolução do motor Honda, apesar de positiva, acabou atropelada literalmente pela evolução da unidade de potência alemã. A situação só não ficou mais complicada para a Red Bull porque a Ferrari precisou “normalizar” o seu propulsor, depois de alguns detalhes que estavam fora do regulamento no ano passado, perdendo muito em potência. Já a Renault, cuja unidade evoluiu bastante para este ano, só não obtém melhores resultados porque seu próprio time, e a McLaren, ainda possuem carros menos competitivos do que o modelo RB16, embora em alguns momentos tenham dado calor até mesmo em Max Verstappen, mas conseguindo superar com alguma frequência Alexander Albon. Para piorar, a pandemia da Covid-19 limitou os trabalhos de desenvolvimento dos carros pelas equipes, que ainda terão de utilizar os mesmos modelos em 2021 por economia de gastos, fazendo com que a Red Bull continue com seu modelo atual, incapaz de superar a Mercedes, pelo próximo ano.

            Pior, em alguns momentos este ano, as unidades de potência da Honda deram alguns problemas, o que já serviu para Max Verstappen soltar a língua no melhor estilo feito por Fernando Alonso durante os anos da parceria Honda-McLaren, o que deve ter causado frisson nos nipônicos. Como desgraça pouca é bobagem, a proibição de um modo otimizado na classificação, conhecido popularmente como “modo festa”, quando a Mercedes liberava mais potência para seus carros, parece ter sido um verdadeiro tiro pela culatra, com os alemães ainda com uma dianteira confortável, mas com as próprias unidades da Honda tendo sentido o golpe da proibição do mapeamento de motor alterado, reduzindo sua força bem mais do que nas unidades alemãs. Será que os japoneses iriam gostar de um Verstappen crítico como Fernando Alonso? Acho que não curtiriam repetir a experiência...

            A bem da verdade, já surgiam alguns sinais de que a Honda, apesar de reencontrar o caminho das vitórias com a Red Bull, poderia desistir da competição, pelos resultados teoricamente ainda insuficientes, uma vez que a hegemonia da Mercedes parecia muito difícil de ser superada. Muito provavelmente a dura realidade de 2020, quando esperavam estar mais fortes, e pareceu não terem feito progresso algum, muito pelo contrário, frente à posição dominante dos alemães, que estão deitando e rolando ainda mais do que nunca na atual temporada, tenha sido a pá de cal para os japoneses se convencerem de que, por mais que trabalhem duro, não conseguirão bater a Mercedes na F-1, mesmo com a entrada do teto de gastos em 2021, e das novas regras técnicas para os carros em 2022.

            Quem sai perdendo com a decisão da Honda, mais diretamente, é a Red Bull e a Alpha Tauri, que competem com a unidade de potência nipônica. A direção da Red Bull já considera todas as opções possíveis, a fim de tentar iniciar os procedimentos para garantir sua posição em 2022. Como Mercedes e Ferrari devem continuar se negando a fornecer seus equipamentos para os dois times, muito provavelmente só restará a eles retornar à Renault, que a partir do ano que vem, com a perda da McLaren para a Mercedes, ficará apenas com seu time oficial com suas unidades de potência. De seu lado, a Renault já declarou que aceitará fornecer novamente seus propulsores aos times dos energéticos, apesar de rompimento não-amigável feito em 2018, muito mais para cumprir uma regra do regulamento que obriga o time com menos clientes a fornecer seus equipamentos para times que vierem a ficar sem motores, do que propriamente por camaradagem. Para a Red Bull, seria irônico ver eles terem de reatar com os franceses, depois de terem mandado eles às favas em seus últimos anos de parceria, dadas as críticas ferinas, onde só faltou ocorrer mesmo uma briga física no paddock. Mas a direção da Red Bull, meio que já antevendo o que vem por aí, agora fala que a Renault vive um momento diferente, muito mais “encorajador”, e com uma direção muito mais entusiasmada, entre outros adjetivos muito corteses, e com um ar de civilidade bem diferente daquelas últimas conversas que eles tiveram entre si... Sei... Finjo que acredito nestas palavras, apesar da unidade de potência francesa ter realmente evoluído nos últimos dois anos, a ponto de muitos apontarem que hoje ela só perde mesmo para a da Mercedes...

            Brigas recentes à parte, seria positivo para a Renault contar com mais dois times, ainda mais sendo um deles de alta capacidade técnica, com os quais poderiam vencer corridas, e quem sabe, até disputar o título, ao menos com muito mais chances do que com o seu time oficial, além de reunirem muito mais dados técnicos em conjunto para evoluírem sua unidade de potência, do que se tiverem apenas a si próprios no grid para obterem referências de desempenho. Seria uma revigorada na posição da Renault na F-1, uma vez que ficará no próximo ano reduzida a si mesma, uma vez que perderá seu time cliente, a McLaren, para a Mercedes. Resta saber se a Red Bull, e a Alpha Tauri, realmente irão correr novamente para os braços da fabricante francesa.

            Especula-se sobre a possibilidade de a Red Bull produzir o seu próprio motor. Dinheiro para gastar nisso eles têm, mas e o know-how? Já se fala que a Honda poderia “vender” o seu projeto de unidade de potência para o time austríaco, com assistência técnica completa para poderem dar seguimento ao desenvolvimento do propulsor, que poderia ser feito de forma terceirizada, por exemplo, com uma Ilmor da vida assumindo o desenvolvimento de tudo, como seria lógico de se supor. Se por um lado isso daria à Red Bull maior controle e autonomia sobre sua motorização, por outro lado, a deixaria mais exposta caso o desenvolvimento do projeto acabasse falhando, e a performance do equipamento decaísse frente aos concorrentes, que normalmente continuarão com o desenvolvimento de seus propulsores. Um fracasso neste sentido poderia ser a pá de cal para Dietrich Mateschitz encerrar sua aventura na F-1, e fechar seus dois times, o que seria um baque para a F-1 perder duas escuderias de uma só vez, caso ninguém as comprasse, no melhor dos panoramas previstos. E olhe que, apesar de estar comprometida pelo novo Acordo de Concórdia a permanecer até 2025, ainda há o risco de a Red Bull pular fora, e levar a Alpha Tauri junto, se as possibilidades que estiverem sendo analisadas não se mostrarem suficientes para se levar a empreitada adiante em condições satisfatórias, o que pode se entender como manter a Red Bull disputando vitórias, no mínimo. “Comprar” o projeto da Honda ao menos lhes daria um ponto de partida muito melhor do que tentar seduzir a aventura de um novo fornecedor, que teria de partir do zero, caso alguém resolva tentar a sorte. E também pouparia a Red Bull do constrangimento de ter de ir pedir ajuda à Renault, depois de tantas espinafradas dirigidas à fábrica francesa... E o pessoal ainda vem se queixar de que Fernando Alonso era reclamão com a performance da Honda na McLaren? Tenha-se paciência... Até parece que as críticas do time dos energéticos aos franceses foram menos constrangedores do que o asturiano chamando seu propulsor de “motor de GP2”...

            Mas a Red Bull teria de ser pragmática, e aceitar que a saída da Honda a coloca em posição difícil. Aceitar voltar a usar os propulsores da Renault seria o menor dos males, uma vez que as outras opções que podem ser especuladas envolveriam gastos e riscos muito maiores, e os taurinos não podem se dar ao luxo de sofrer outro revés contundente, e saírem perdendo mais do que já estão perdendo, que é o investimento feito pela Honda, além do fornecimento dos propulsores aos times.

            Quem perde também é a F-1, que se vê reduzida novamente a três fabricantes de propulsores, e sem perspectivas concretas de mais um fornecedor se aventurar na categoria máxima do automobilismo. Fala-se em um interesse do Grupo Volkswagen, mas até agora, isso não se confirmou de fato, e mesmo que venha a ocorrer, talvez prefiram esperar para ver quais serão as novas regras para motores a partir de 2026, na esperança de que o regulamento seja simplificado, e possam produzir propulsores mais viáveis, tanto financeiramente quanto tecnologicamente. É um aspecto que a F-1 não pode mais ignorar. Por mais que continue apregoando ser a categoria máxima do automobilismo, os rumos da indústria automotiva mundial, que caminha a passos largos para a eletrificação dos veículos, não podem ser ignorados, e as atuais unidades de potência híbridas, demasiado complexas e caras, são neste momento um grande revés para se atrair novos competidores na F-1. Não é por acaso que a F-E, tão desdenhada por muitos, esteja hoje recheada de montadoras participantes como a F-1 nunca se viu: Audi, Porsche, Nissan, Jaguar, Citroen, Mercedes, BMW, só para citar os nomes mais conhecidos, aliados a outros como Mahindra, Penske, e Nio, todos envolvidos na fabricação e desenvolvimento de motorização elétrica para veículos.

            Um recado que a F-1 não pode ignorar, e que terá de dar a devida atenção o mais breve possível, se quiser impedir um horizonte ainda mais sombrio para a categoria em um prazo muito mais curto do que se pode imaginar... Veremos o que eles farão...

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