sexta-feira, 22 de maio de 2020

FERRARI: SONHO OU PESADELO?


Em 2015, Sebastian Vettel chegou à Ferrari e conquistou o time de imediato, sendo saudado como a nova esperança de levar a escuderia novamente ao título. O sonho, porém, não se concretizou, e o alemão deixará o time por baixo.
            Na semana passada, tivemos o anúncio de que Sebastian Vettel estará fora da Ferrari para a temporada de 2021, e possivelmente, até mesmo da própria Fórmula 1, no que depender da situação do piloto alemão, que agora parece ter como única opção fechar contrato com a Renault, que está com um carro livre, após Daniel Ricciardo acertar sua ida para a McLaren, no lugar de Carlos Sainz Jr., que por sua vez, foi escolhido para assumir o lugar de Vettel.
            Quando chegou à Ferrari, para a temporada de 2015, o piloto alemão, tetracampeão mundial pela Red Bull nas temporadas de 2010, 2011, 2012, e 2013, era visto como a grande salvação da escuderia para voltar a ser campeã, depois de não conseguir sê-lo com Fernando Alonso. Mas muitas coisas aconteceram, algumas por culpa de Vettel, e outras por culpa da escuderia. A Ferrari, para muitos, é o grande sonho de todo piloto. Guiar para a mais famosa e carismática escuderia de competição do mundo pode ser o ápice de qualquer carreira. Mas, pode ser também o maior pesadelo que possa existir.
            Pelo seu poderio financeiro e pela sua estrutura, a Ferrari em tese é um time de ponta, e quem for um de seus pilotos é candidato natural a vencer corridas e até disputar o título na F-1. Pelo menos, na teoria. É preciso combinar com a concorrência, e em alguns casos, a própria Ferrari é o maior problema para si mesma. O ambiente no time italiano costuma ser bem mais pesado do que em outros times da categoria máxima do automobilismo, e a organização da escuderia por muitas vezes fez fracassar várias tentativas de lutar pelo título, mesmo contando com nomes de alto quilate conduzindo seus bólidos.
            As cobranças, então, nem se fala. Não que não haja cobranças por resultados nos demais times de competição, mas na Ferrari, o buraco parece ser bem mais embaixo. Único time do mundo a ter uma verdadeira torcida, os chamados tiffosi, estes torcem ardentemente pelo time, e claro, aplaudem seus pilotos, mas apenas quando estes dão seu sangue pelo time. Caso contrário, caem de pau em cima dos pilotos, acusando-os de não honrarem o mito da escuderia rossa. E não importa se o piloto é um zé ninguém ou um campeão consagrado. Não é de hoje que o time de Maranello também ganhou a alcunha de “cova” das carreiras de vários pilotos, por ter “enterrado” ou encerrado prematuramente a permanência de alguns na F-1, ou feito o status de vários deles ganhar manchas em seus currículos. Não é difícil o sonho de ser piloto da Ferrari acabar se tornando na prática um verdadeiro pesadelo.
            Um exemplo é de como um piloto pode se tornar herói pelo time, e depois vilão. Que o diga Niki Lauda. O austríaco, grande nome da F-1 nos anos 1970, chegou ao time italiano com a missão de leva-lo novamente ao título da competição, o que conseguiu fazer em 1975. Em 1976, contudo, Lauda sofreu o violento acidente em Nurburgring, onde quase perdeu a vida. O austríaco conseguiu se recuperar, e voltou às pistas ainda em condição de lutar pelo título. Na última corrida da temporada, entretanto, a forte chuva que caia em Fuji, no Japão, fez Lauda desistir da corrida, priorizando sua segurança, uma vez que ainda sofria sequelas do acidente na Alemanha. Com isso, James Hunt acabou conquistando o título da temporada, e não demorou para a torcida ferrarista chamar o austríaco de “covarde”, entre outros adjetivos menos elogiosos, alegando que ele “entregou” o título para Hunt. Mesmo com Niki voltando à velha forma, e disputando novamente o título em 1977, a torcida não o perdoou, e a própria cúpula da Ferrari também não o via mais como um piloto “confiável”. O desgaste era nítido, e Lauda decidiu que não iria aturar aquilo. Na prova dos Estados Unidos, antepenúltima da temporada, ele conquistou o bicampeonato, e mandou literalmente uma banana para a Ferrari e seus torcedores, despedindo-se do time, e indo correr na Brabham a partir da temporada seguinte. Não importava o fato de Niki ter levado novamente a escuderia ao título da F-1.
Niki Lauda foi bicampeão pela Ferrari, mas mesmo assim acabou defenestrado pela torcida durante a temporada de 1977, e o austríaco simplesmente foi embora de Maranello sem dar satisfações ao time logo após a conquista do bi.
            Problemas na área técnica, além da desorganização administrativa, fizeram a escuderia viver períodos de mais baixos que altos por muitos anos. Em 1989, o time trouxe Alain Prost para tentar ser novamente campeã do mundo. Tricampeão mundial com a McLaren, o francês era considerado o nome perfeito para levar a rossa ao título. E Prost começou bem, apesar da Ferrari ser um pouco inferior no início da disputa em 1990. O francês levou a escuderia de fato à sua melhor temporada desde muitos anos, e acabou sendo vice-campeã, tanto em pilotos (com Prost) como em construtores, e colocando em xeque o poderio da McLaren, o time dominante da categoria. Mas, em 1991, a Ferrari não conseguiu manter o mesmo desempenho, perdendo novamente no confronto com a McLaren, e sendo superada pela Williams. O time acabou passando o ano sem uma vitória sequer, e no final da temporada, após abandonar a prova do Japão, o carro estava tão ruim que Prost classificou sua Ferrari de “caminhão”, o que lhe valeu uma demissão sumária da escuderia, que o substituiu já para a prova final do ano, na Austrália. O francês acabou ficando sem competir na F-1 em 1992, e voltaria apenas em 1993, para ser campeão agora pela então campeoníssima Williams.
            Seguiram-se novos anos de crises e percalços em Maranello, que só começaram a ser sanados após uma longa reestruturação promovida por Jean Todt, que pôs ordem na bagunça que o time vivia, e com a contratação de Michael Schumacher, e de um staff técnico que fez o alemão ser bicampeão com a Benetton. A combinação demorou um pouco para engrenar, mas quando o fez, a Ferrari viveu o maior período de glórias de sua história, sendo campeã invicta de pilotos e construtores de 2000 a 2004, com Schumacher a conquistar cinco títulos consecutivos, e se tornar o maior vencedor da história da F-1. Mas o alemão resolveu se aposentar, e para manter a sina vencedora do time, veio o finlandês Kimi Raikkonen, que aproveitando-se do duelo fraticida entre a dupla da McLaren em 2007, conquistou o título da temporada. Parecia que o time italiano seguiria sendo o grande sonho de seus torcedores. Em 2008, Felipe Massa fez sua melhor temporada na F-1, e não foi campeão por pouco, perdendo o título em Interlagos por apenas um ponto, para Lewis Hamilton. Mas o brasileiro ainda saiu com a moral em alta, pelo bom ano que teve na pista. A Ferrari ainda tinha todo o cartaz a seu favor.
Alain Prost foi outro grande campeão que chegou com tudo em Maranello e foi demitido sumariamente depois de chamar seu carro de "caminhão" após um ano fraco em 1991.
            A temporada de 2009, entretanto, mostrou um panorama diferente, com o time italiano não tendo o mesmo sucesso. Como se não bastasse um carro menos competitivo, Felipe Massa sofreu um acidente forte na Hungria, e ficou afastado o resto do ano. Como Raikkonen não se mostrava muito entusiasmado em segurar o time nas costas, o campeão de 2007 foi dispensado pela escuderia, para a vinda de um piloto bem mais aguerrido, e que seria capaz de fazer a Ferrari voltar a lutar pelo título: Fernando Alonso. O espanhol chegava com o cacife de quem tinha “aposentado” Michael Schumacher, ao ser bicampeão com a Renault em 2005 e 2006, mesmo tendo perdido a disputa de 2007 na McLaren contra o novato Lewis Hamilton. Portanto, era o nome certo para fazer o time reviver os anos gloriosos da dinastia Schumacher. Mas, faltou combinar com os rivais...
            O espanhol até que fez um campeonato primoroso em 2010, e por pouco não foi campeão, perdendo o título apenas na corrida final, por erro tanto da escuderia, que marcou o piloto errado na corrida, como de Alonso, que ficou “trancado” atrás de outro piloto na pista, sem conseguir ultrapassá-lo para chegar mais à frente, comprometendo seu desempenho. A situação ficaria complicada a partir de 2011, quando a Red Bull se tornou a força dominante na F-1, de modo que por mais que Alonso desse o seu melhor, não havia como enfrentar Sebastian Vettel, o novo campeão de 2010, que rumou com certa facilidade para o bicampeonato. Já em 2012, Alonso até que conseguiu dar trabalho, mas novamente ficou pelo meio do caminho, ainda que perdesse o título por poucos pontos novamente para Vettel. Só que a situação novamente se complicaria em 2013, quando o mesmo Vettel conquistou seu quarto título consecutivo, e Fernando, novamente dando tudo de si, mesmo sendo vice-campeão novamente, foi nitidamente batido pelo alemão da Red Bull.
            Piloto de temperamento forte, Fernando e a Ferrari começaram a não falar a mesma língua, e uma nova temporada abaixo das expectativas em 2014 fez a paciência tanto de Alonso quanto da Ferrari, se esgotar. Uma mudança na direção da Ferrari também ajudou a apimentar a situação, de modo que o asturiano foi dispensado sem maiores cerimônias, deixando Maranello pela porta dos fundos, sem que ninguém desse pela sua falta. O ambiente na escuderia, já normalmente carregado em tempos de poucos resultados, havia ficado ainda mais intragável, diante do caráter egocêntrico do asturiano. A nova “era Alonso” não se concretizou, como muitos esperavam, com mais falhas da Ferrari, em não conseguir produzir um carro competitivo, do que de Alonso, que em pista sempre deu tudo de si e mais um pouco, o que não exime o espanhol de não ajudar a melhorar o ambiente dentro do time.
Fernando Alonso foi outro piloto a fracassar em tentar fazer a Ferrari campeã novamente. O espanhol bem que tentou, mas não deu, e seu gênio forte o levou a se desentender com a cúpula ferrarista.
            Visto como o grande salvador, o espanhol passou a ser visto como alguém que não valia mais a pena ter no time. A Ferrari, contudo, só deu mesmo um pé na bunda do asturiano quando garantiu a contratação de ninguém menos que Sebastian Vettel, o grande piloto que havia derrotado Fernando Alonso, e que estava insatisfeito na Red Bull, que com o advento da nova era híbrida turbo não viu mais na Renault um equipamento à altura de suas ambições, para não mencionar também ter sido superado por seu novo companheiro de equipe Daniel Ricciardo no time dos energéticos. Garantido o tetracampeão, fora com o espanhol, que é persona non grata até hoje em Maranello...
            E Sebastian Vettel, tal como acontecera com Alonso, também começou bem na Ferrari, em 2015. Por mais que a Mercedes ainda se mantivesse extremamente dominante na F-1, a presença do piloto alemão refrescou o ambiente carregado nos boxes, além do próprio piloto se enturmar com todos, e se mostrar muito mais camarada e jovial que o asturiano para com todos. Fã de Michael Schumacher, era óbvio que Vettel, tido à época como o grande sucessor de seu compatriota, e um dos mais vitoriosos pilotos da categoria máxima do automobilismo em sua idade, tendo sido tetracampeão por quatro anos consecutivos, seria o nome certo para reviver o período de glórias da escuderia, um sonho acalentado não apenas pela Ferrari em si, mas pelo próprio Sebastian, além claro, da imensa legião de fãs. Sebastian conquistou suas primeiras poles e vitórias no time italiano, e embora não tenha conseguido ameaçar a hegemonia da Mercedes, já havia conquistado a simpatia do time, e melhorado bastante o ambiente interno nos boxes. Não era pouca coisa.
            E isso se manteve durante 2016, outro ano dominado pela Mercedes, e onde a Ferrari acabou passando em branco, sem conseguir vencer sequer. Mas o prestígio de Vettel seguia em alta, pois todos imaginavam ser questão de tempo até tudo se ajeitar na área técnica, e a Ferrari conseguir dar ao piloto alemão as ferramentas para brilhar na pista. A hora certa chegaria para todos. E isso começou a ser visto em 2017, quando o time italiano cresceu de performance, e Vettel começou a incomodar de fato a Mercedes. Mas alguns desaires impediram a concretização do real desafio, em que pese Vettel ter sido vice-campeão pela primeira vez na Ferrari. Erros, como os de Baku e Singapura, cometidos pelo alemão, foram um pouco relevados, considerados exceções, mas já mostravam que, com um equipamento mais competitivo, Sebastian parecia ficar mais pressionado a apresentar resultados. E isso se intensificou em 2018, ano em que a Ferrari realmente balançou a arquirrival Mercedes na pista, com Sebastian liderando a competição durante sua primeira metade, e se mostrando um adversário realmente perigoso para Lewis Hamilton.
            Mas aí, vieram os erros, começando pelo abandono na Alemanha, e a disputa fraticida em Monza, onde a Ferrari também se perdeu na estratégia de corrida junto com Vettel. Dali em diante, os erros ficariam mais frequentes, tanto por parte do time quanto do piloto, e o ano que começou com a perspectiva de um título, terminou com mais um vice-campeonato de Vettel e da Ferrari, só que com esta sabendo que poderia ter feito muito mais do que realmente apresentou. E assim, chegamos a 2019, onde o piloto alemão, com um novo e atrevido companheiro de equipe, acabou mostrando que a má fase iniciada em 2018 infelizmente continuava, com o agravante de agora ter um companheiro de equipe que não se intimidava em andar na sua frente, e que estava trazendo mais resultados do que seu principal piloto. O arranhão na posição do piloto dentro do time não foi algo momentâneo, mas o presságio de algo pior. E agora, com uma renovação que não garantia sua condição de primeiro piloto, além de um valor salarial mais baixo, e um período inferior ao desejado, ambas as partes optaram por não continuarem juntas.
            Tal como ocorreu com Fernando Alonso, a nova “era Vettel” também não se concretizou. O piloto alemão, contudo, ainda tem a oportunidade, quando o campeonato recomeçar, de ao menos tentar sair de forma digna de Maranello, procurando fazer uma temporada de alto nível, quando a competição recomeçar. Do contrário, ele também não deixará muitas saudades nos boxes da escuderia, em que pese nunca ter tumultuado o ambiente no time como Alonso costumava fazer. O espanhol, depois que saiu da Ferrari, embarcou no projeto da renovada associação McLaren/Honda, que não deu bons resultados, confinando o piloto ao pelotão de trás do grid. Vettel, por sua vez, corre o risco de ficar sem lugar na F-1, caso não aceite competir pela Renault, destino ingrato para alguém que é um dos maiores nomes da história da F-1. Por mais que os erros tenham sido em boa parte dele, é visível também que a Ferrari está conseguindo “enterrar” mais um piloto campeão em sua história, tendo também sua parcela de culpa neste caso, mesmo que menor, afinal, ainda tentaram renovar seu contrato, o que não foi feito com Alonso.
            A nova aposta do time agora é em Charles LeClerc, e o monegasco, pelo que mostrou em 2019, tem tudo para brilhar no time, pelo menos, se a escuderia lhe fornecer um carro competitivo. Caso isso não aconteça, o que pode acontecer com ele enquanto ainda estiver sob contrato com a equipe italiana? Não vamos esquecer que outro piloto muito talentoso quando chegou à F-1, Jean Alesi, depois de brilhar em algumas corridas com a Tyrrel em 1989 e 1990, também acabou seduzido pelo time italiano, mudando-se para lá em 1991. Só que a Ferrari desandou naquela época, e o promissor talento francês acabou sendo arrastado para baixo junto com os resultados da escuderia, fazendo-o se tornar, de grande campeão em potencial, em apenas mais um talento que não vingou como era de se esperar na F-1. Outro italiano promissor na época, Ivan Cappeli, também acabou arrasado em uma temporada desastrosa na Ferrari em 1992, acabando com sua imagem de excelente piloto. Se a escuderia errar a mão no seu carro, pode acabar fazendo seu novo grande trunfo sofrer destino parecido. Ainda é cedo para dizer isso, claro. Mas, se acontecer, será mais um grande sonho de um piloto que acaba virando pesadelo de competir pela Ferrari na F-1...
Jean Alesi era considerado um campeão em potencial no início dos anos 1990, e foi logo contratado pela Ferrari. Mas os carros não tão competitivos de Maranello acabaram com boa parte de seu cartaz, e ele acabou vencendo apenas uma corrida em toda a sua carreira na F-1. Charles LeClerc que se cuide, pois um carro menos competitivo também pode produzir estragos em sua carreira, se a sina se repetir...

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