Na semana passada,
tivemos o anúncio de que Sebastian Vettel estará fora da Ferrari para a
temporada de 2021, e possivelmente, até mesmo da própria Fórmula 1, no que
depender da situação do piloto alemão, que agora parece ter como única opção
fechar contrato com a Renault, que está com um carro livre, após Daniel
Ricciardo acertar sua ida para a McLaren, no lugar de Carlos Sainz Jr., que por
sua vez, foi escolhido para assumir o lugar de Vettel.
Quando chegou à
Ferrari, para a temporada de 2015, o piloto alemão, tetracampeão mundial pela
Red Bull nas temporadas de 2010, 2011, 2012, e 2013, era visto como a grande
salvação da escuderia para voltar a ser campeã, depois de não conseguir sê-lo
com Fernando Alonso. Mas muitas coisas aconteceram, algumas por culpa de
Vettel, e outras por culpa da escuderia. A Ferrari, para muitos, é o grande
sonho de todo piloto. Guiar para a mais famosa e carismática escuderia de
competição do mundo pode ser o ápice de qualquer carreira. Mas, pode ser também
o maior pesadelo que possa existir.
Pelo seu poderio
financeiro e pela sua estrutura, a Ferrari em tese é um time de ponta, e quem
for um de seus pilotos é candidato natural a vencer corridas e até disputar o
título na F-1. Pelo menos, na teoria. É preciso combinar com a concorrência, e
em alguns casos, a própria Ferrari é o maior problema para si mesma. O ambiente
no time italiano costuma ser bem mais pesado do que em outros times da
categoria máxima do automobilismo, e a organização da escuderia por muitas
vezes fez fracassar várias tentativas de lutar pelo título, mesmo contando com
nomes de alto quilate conduzindo seus bólidos.
As cobranças, então,
nem se fala. Não que não haja cobranças por resultados nos demais times de
competição, mas na Ferrari, o buraco parece ser bem mais embaixo. Único time do
mundo a ter uma verdadeira torcida, os chamados tiffosi, estes torcem
ardentemente pelo time, e claro, aplaudem seus pilotos, mas apenas quando estes
dão seu sangue pelo time. Caso contrário, caem de pau em cima dos pilotos,
acusando-os de não honrarem o mito da escuderia rossa. E não importa se o
piloto é um zé ninguém ou um campeão consagrado. Não é de hoje que o time de
Maranello também ganhou a alcunha de “cova” das carreiras de vários pilotos,
por ter “enterrado” ou encerrado prematuramente a permanência de alguns na F-1,
ou feito o status de vários deles ganhar manchas em seus currículos. Não é
difícil o sonho de ser piloto da Ferrari acabar se tornando na prática um
verdadeiro pesadelo.
Um exemplo é de como
um piloto pode se tornar herói pelo time, e depois vilão. Que o diga Niki
Lauda. O austríaco, grande nome da F-1 nos anos 1970, chegou ao time italiano
com a missão de leva-lo novamente ao título da competição, o que conseguiu
fazer em 1975. Em 1976, contudo, Lauda sofreu o violento acidente em
Nurburgring, onde quase perdeu a vida. O austríaco conseguiu se recuperar, e
voltou às pistas ainda em condição de lutar pelo título. Na última corrida da
temporada, entretanto, a forte chuva que caia em Fuji, no Japão, fez Lauda
desistir da corrida, priorizando sua segurança, uma vez que ainda sofria
sequelas do acidente na Alemanha. Com isso, James Hunt acabou conquistando o
título da temporada, e não demorou para a torcida ferrarista chamar o austríaco
de “covarde”, entre outros adjetivos menos elogiosos, alegando que ele
“entregou” o título para Hunt. Mesmo com Niki voltando à velha forma, e
disputando novamente o título em 1977, a torcida não o perdoou, e a própria cúpula
da Ferrari também não o via mais como um piloto “confiável”. O desgaste era
nítido, e Lauda decidiu que não iria aturar aquilo. Na prova dos Estados
Unidos, antepenúltima da temporada, ele conquistou o bicampeonato, e mandou
literalmente uma banana para a Ferrari e seus torcedores, despedindo-se do
time, e indo correr na Brabham a partir da temporada seguinte. Não importava o
fato de Niki ter levado novamente a escuderia ao título da F-1.
Problemas na área
técnica, além da desorganização administrativa, fizeram a escuderia viver
períodos de mais baixos que altos por muitos anos. Em 1989, o time trouxe Alain
Prost para tentar ser novamente campeã do mundo. Tricampeão mundial com a
McLaren, o francês era considerado o nome perfeito para levar a rossa ao título.
E Prost começou bem, apesar da Ferrari ser um pouco inferior no início da
disputa em 1990. O francês levou a escuderia de fato à sua melhor temporada
desde muitos anos, e acabou sendo vice-campeã, tanto em pilotos (com Prost)
como em construtores, e colocando em xeque o poderio da McLaren, o time
dominante da categoria. Mas, em 1991, a Ferrari não conseguiu manter o mesmo
desempenho, perdendo novamente no confronto com a McLaren, e sendo superada
pela Williams. O time acabou passando o ano sem uma vitória sequer, e no final
da temporada, após abandonar a prova do Japão, o carro estava tão ruim que
Prost classificou sua Ferrari de “caminhão”, o que lhe valeu uma demissão
sumária da escuderia, que o substituiu já para a prova final do ano, na
Austrália. O francês acabou ficando sem competir na F-1 em 1992, e voltaria
apenas em 1993, para ser campeão agora pela então campeoníssima Williams.
Seguiram-se novos anos
de crises e percalços em Maranello, que só começaram a ser sanados após uma
longa reestruturação promovida por Jean Todt, que pôs ordem na bagunça que o
time vivia, e com a contratação de Michael Schumacher, e de um staff técnico
que fez o alemão ser bicampeão com a Benetton. A combinação demorou um pouco
para engrenar, mas quando o fez, a Ferrari viveu o maior período de glórias de
sua história, sendo campeã invicta de pilotos e construtores de 2000 a 2004,
com Schumacher a conquistar cinco títulos consecutivos, e se tornar o maior
vencedor da história da F-1. Mas o alemão resolveu se aposentar, e para manter
a sina vencedora do time, veio o finlandês Kimi Raikkonen, que aproveitando-se
do duelo fraticida entre a dupla da McLaren em 2007, conquistou o título da
temporada. Parecia que o time italiano seguiria sendo o grande sonho de seus
torcedores. Em 2008, Felipe Massa fez sua melhor temporada na F-1, e não foi
campeão por pouco, perdendo o título em Interlagos por apenas um ponto, para
Lewis Hamilton. Mas o brasileiro ainda saiu com a moral em alta, pelo bom ano
que teve na pista. A Ferrari ainda tinha todo o cartaz a seu favor.
Alain Prost foi outro grande campeão que chegou com tudo em Maranello e foi demitido sumariamente depois de chamar seu carro de "caminhão" após um ano fraco em 1991. |
A temporada de 2009,
entretanto, mostrou um panorama diferente, com o time italiano não tendo o
mesmo sucesso. Como se não bastasse um carro menos competitivo, Felipe Massa
sofreu um acidente forte na Hungria, e ficou afastado o resto do ano. Como
Raikkonen não se mostrava muito entusiasmado em segurar o time nas costas, o
campeão de 2007 foi dispensado pela escuderia, para a vinda de um piloto bem
mais aguerrido, e que seria capaz de fazer a Ferrari voltar a lutar pelo título:
Fernando Alonso. O espanhol chegava com o cacife de quem tinha “aposentado”
Michael Schumacher, ao ser bicampeão com a Renault em 2005 e 2006, mesmo tendo
perdido a disputa de 2007 na McLaren contra o novato Lewis Hamilton. Portanto,
era o nome certo para fazer o time reviver os anos gloriosos da dinastia
Schumacher. Mas, faltou combinar com os rivais...
O espanhol até que fez
um campeonato primoroso em 2010, e por pouco não foi campeão, perdendo o título
apenas na corrida final, por erro tanto da escuderia, que marcou o piloto
errado na corrida, como de Alonso, que ficou “trancado” atrás de outro piloto
na pista, sem conseguir ultrapassá-lo para chegar mais à frente, comprometendo
seu desempenho. A situação ficaria complicada a partir de 2011, quando a Red
Bull se tornou a força dominante na F-1, de modo que por mais que Alonso desse
o seu melhor, não havia como enfrentar Sebastian Vettel, o novo campeão de
2010, que rumou com certa facilidade para o bicampeonato. Já em 2012, Alonso
até que conseguiu dar trabalho, mas novamente ficou pelo meio do caminho, ainda
que perdesse o título por poucos pontos novamente para Vettel. Só que a
situação novamente se complicaria em 2013, quando o mesmo Vettel conquistou seu
quarto título consecutivo, e Fernando, novamente dando tudo de si, mesmo sendo
vice-campeão novamente, foi nitidamente batido pelo alemão da Red Bull.
Piloto de temperamento
forte, Fernando e a Ferrari começaram a não falar a mesma língua, e uma nova
temporada abaixo das expectativas em 2014 fez a paciência tanto de Alonso
quanto da Ferrari, se esgotar. Uma mudança na direção da Ferrari também ajudou
a apimentar a situação, de modo que o asturiano foi dispensado sem maiores
cerimônias, deixando Maranello pela porta dos fundos, sem que ninguém desse
pela sua falta. O ambiente na escuderia, já normalmente carregado em tempos de
poucos resultados, havia ficado ainda mais intragável, diante do caráter
egocêntrico do asturiano. A nova “era Alonso” não se concretizou, como muitos
esperavam, com mais falhas da Ferrari, em não conseguir produzir um carro
competitivo, do que de Alonso, que em pista sempre deu tudo de si e mais um
pouco, o que não exime o espanhol de não ajudar a melhorar o ambiente dentro do
time.
Fernando Alonso foi outro piloto a fracassar em tentar fazer a Ferrari campeã novamente. O espanhol bem que tentou, mas não deu, e seu gênio forte o levou a se desentender com a cúpula ferrarista. |
Visto como o grande
salvador, o espanhol passou a ser visto como alguém que não valia mais a pena
ter no time. A Ferrari, contudo, só deu mesmo um pé na bunda do asturiano
quando garantiu a contratação de ninguém menos que Sebastian Vettel, o grande
piloto que havia derrotado Fernando Alonso, e que estava insatisfeito na Red
Bull, que com o advento da nova era híbrida turbo não viu mais na Renault um
equipamento à altura de suas ambições, para não mencionar também ter sido
superado por seu novo companheiro de equipe Daniel Ricciardo no time dos energéticos.
Garantido o tetracampeão, fora com o espanhol, que é persona non grata até hoje
em Maranello...
E Sebastian Vettel,
tal como acontecera com Alonso, também começou bem na Ferrari, em 2015. Por
mais que a Mercedes ainda se mantivesse extremamente dominante na F-1, a
presença do piloto alemão refrescou o ambiente carregado nos boxes, além do
próprio piloto se enturmar com todos, e se mostrar muito mais camarada e jovial
que o asturiano para com todos. Fã de Michael Schumacher, era óbvio que Vettel,
tido à época como o grande sucessor de seu compatriota, e um dos mais vitoriosos
pilotos da categoria máxima do automobilismo em sua idade, tendo sido
tetracampeão por quatro anos consecutivos, seria o nome certo para reviver o
período de glórias da escuderia, um sonho acalentado não apenas pela Ferrari em
si, mas pelo próprio Sebastian, além claro, da imensa legião de fãs. Sebastian
conquistou suas primeiras poles e vitórias no time italiano, e embora não tenha
conseguido ameaçar a hegemonia da Mercedes, já havia conquistado a simpatia do
time, e melhorado bastante o ambiente interno nos boxes. Não era pouca coisa.
E isso se manteve
durante 2016, outro ano dominado pela Mercedes, e onde a Ferrari acabou
passando em branco, sem conseguir vencer sequer. Mas o prestígio de Vettel
seguia em alta, pois todos imaginavam ser questão de tempo até tudo se ajeitar
na área técnica, e a Ferrari conseguir dar ao piloto alemão as ferramentas para
brilhar na pista. A hora certa chegaria para todos. E isso começou a ser visto
em 2017, quando o time italiano cresceu de performance, e Vettel começou a
incomodar de fato a Mercedes. Mas alguns desaires impediram a concretização do
real desafio, em que pese Vettel ter sido vice-campeão pela primeira vez na
Ferrari. Erros, como os de Baku e Singapura, cometidos pelo alemão, foram um
pouco relevados, considerados exceções, mas já mostravam que, com um
equipamento mais competitivo, Sebastian parecia ficar mais pressionado a
apresentar resultados. E isso se intensificou em 2018, ano em que a Ferrari
realmente balançou a arquirrival Mercedes na pista, com Sebastian liderando a
competição durante sua primeira metade, e se mostrando um adversário realmente
perigoso para Lewis Hamilton.
Mas aí, vieram os
erros, começando pelo abandono na Alemanha, e a disputa fraticida em Monza,
onde a Ferrari também se perdeu na estratégia de corrida junto com Vettel. Dali
em diante, os erros ficariam mais frequentes, tanto por parte do time quanto do
piloto, e o ano que começou com a perspectiva de um título, terminou com mais
um vice-campeonato de Vettel e da Ferrari, só que com esta sabendo que poderia
ter feito muito mais do que realmente apresentou. E assim, chegamos a 2019,
onde o piloto alemão, com um novo e atrevido companheiro de equipe, acabou mostrando
que a má fase iniciada em 2018 infelizmente continuava, com o agravante de
agora ter um companheiro de equipe que não se intimidava em andar na sua
frente, e que estava trazendo mais resultados do que seu principal piloto. O
arranhão na posição do piloto dentro do time não foi algo momentâneo, mas o
presságio de algo pior. E agora, com uma renovação que não garantia sua
condição de primeiro piloto, além de um valor salarial mais baixo, e um período
inferior ao desejado, ambas as partes optaram por não continuarem juntas.
Tal como ocorreu com
Fernando Alonso, a nova “era Vettel” também não se concretizou. O piloto
alemão, contudo, ainda tem a oportunidade, quando o campeonato recomeçar, de ao
menos tentar sair de forma digna de Maranello, procurando fazer uma temporada
de alto nível, quando a competição recomeçar. Do contrário, ele também não
deixará muitas saudades nos boxes da escuderia, em que pese nunca ter
tumultuado o ambiente no time como Alonso costumava fazer. O espanhol, depois
que saiu da Ferrari, embarcou no projeto da renovada associação McLaren/Honda,
que não deu bons resultados, confinando o piloto ao pelotão de trás do grid.
Vettel, por sua vez, corre o risco de ficar sem lugar na F-1, caso não aceite
competir pela Renault, destino ingrato para alguém que é um dos maiores nomes
da história da F-1. Por mais que os erros tenham sido em boa parte dele, é
visível também que a Ferrari está conseguindo “enterrar” mais um piloto campeão
em sua história, tendo também sua parcela de culpa neste caso, mesmo que menor,
afinal, ainda tentaram renovar seu contrato, o que não foi feito com Alonso.
A nova aposta do time
agora é em Charles LeClerc, e o monegasco, pelo que mostrou em 2019, tem tudo
para brilhar no time, pelo menos, se a escuderia lhe fornecer um carro
competitivo. Caso isso não aconteça, o que pode acontecer com ele enquanto
ainda estiver sob contrato com a equipe italiana? Não vamos esquecer que outro
piloto muito talentoso quando chegou à F-1, Jean Alesi, depois de brilhar em
algumas corridas com a Tyrrel em 1989 e 1990, também acabou seduzido pelo time
italiano, mudando-se para lá em 1991. Só que a Ferrari desandou naquela época,
e o promissor talento francês acabou sendo arrastado para baixo junto com os
resultados da escuderia, fazendo-o se tornar, de grande campeão em potencial,
em apenas mais um talento que não vingou como era de se esperar na F-1. Outro
italiano promissor na época, Ivan Cappeli, também acabou arrasado em uma
temporada desastrosa na Ferrari em 1992, acabando com sua imagem de excelente
piloto. Se a escuderia errar a mão no seu carro, pode acabar fazendo seu novo
grande trunfo sofrer destino parecido. Ainda é cedo para dizer isso, claro.
Mas, se acontecer, será mais um grande sonho de um piloto que acaba virando
pesadelo de competir pela Ferrari na F-1...
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