quarta-feira, 20 de maio de 2020

A TRAJETÓRIA DOS CIRCUITOS DA F-1 – AIDA


            De volta com mais uma matéria sobre os circuitos mundo afora que já sediaram corridas da Fórmula 1 nestes 70 anos de história, falo hoje de um circuito quase que literalmente esquecido no interior do Japão, pela dificuldade que foi para todos chegarem nele quando a categoria máxima do automobilismo resolveu se aventurar por lá. Trata-se de Aida, autódromo que recebeu a F-1 por apenas duas vezes, sendo que em uma delas, via a definição do título da temporada. Em tempos onde a categoria já começava a ter problemas com seus custos proibitivos, ainda se conseguia ter algumas aventuras para se chegar a um autódromo, cujas exigências de estrutura, naqueles tempos, eram bem menores do que as atuais. Então, aproveitem o texto, e boa leitura para todos...

AIDA

            Muitos circuitos fizeram parte do calendário da Fórmula 1 desde que o campeonato disputou sua primeira temporada, no distante ano de 1950. Enquanto grandes e notáveis pistas eram vistas com grande naturalidade sediarem provas do maior campeonato de competição automobilística do planeta, alguns circuitos chegaram a sediar alguns GPs mais com base na sorte do que no mérito próprio. Afinal, desde tempos áureos, sediar corridas sempre foi um negócio, mesmo quando a F-1 ainda primava em sua maior parte pela competição, que ficava restrita à pista. Fora dela, obviamente, as tratativas eram outras, e enquanto algumas davam certo, outras nem tanto.
            No fim dos anos 1980, a F-1 estava em alta no Japão. O sucesso da Honda, inicialmente com a equipe Williams, com Nélson Piquet a ser o primeiro piloto campeão com um motor da marca, e depois com Ayrton Senna e Alain Prost na McLaren, desencadearam uma grande onda de popularidade da categoria máxima do automobilismo na Terra do Sol Nascente, com várias empresas chegando a patrocinar as escuderias na competição, além da Yamaha, uma rival da Honda, também ter tentado a sorte como fornecedora de motores, sem obter o mesmo sucesso. A paixão era tanta que a lotação máxima da pista de Suzuka, palco total de Grande Prêmio do Japão, estimada em 200 mil pessoas, era completamente insuficiente para receber todos os interessados em assistir ao GP. Havia perto de um milhão de pretendentes a ver a corrida no autódromo, de modo que todo mundo tinha que passar por um sorteio para ver quem levava o direito de comprar os ingressos.
            Com tanta euforia, já em fins daquela década começaram a surgir rumores de se disputar outro GP no Japão. O grupo Autopolis, que patrocinava a Benetton, tinha planos de construir um autódromo, e sediar uma segunda corrida, mas a falência do grupo adiou os planos dos japoneses de contarem com dois GPs. Em meio a isso, um empresário dono de campos de golfe extremamente bem-sucedido, Hajime Tanaka, resolveu apostar o mesmo tipo de modelo de negócios no automobilismo, construindo um autódromo que servisse para um grupo seleto de endinheirados brincar com suas possantes máquinas esportivas. Com um tino comercial extremamente convincente, ele conseguiu os recursos para comprar terras próximas à cidade de Aida, onde então construiu um autódromo, que já em 1990, estava aberto para as primeiras disputas que poderiam surgir. Inaugurado com o nome de Tanaka International Circuit Aida, a pista, apesar do terreno apertado, tinha lá suas qualidades, com algumas curvas de raio variado, e variação de elevação no terreno e nas curvas.
            O traçado tinha pelo menos três opções, com o modo “Grand Prix” oferecendo um circuito com 3,702 Km de extensão, com cerca de 11 curvas, com pelo menos um bom trecho de reta na parte oposta. Em 1992, o circuito começou a receber as primeiras provas de competições dos campeonatos japoneses. Os resultados até razoáveis, por incrível que pareça, ajudaram Tanaka a convencer Bernie Ecclestone a levar a F-1 para lá. O interesse dos japoneses pela F-1 ainda estava razoavelmente elevado, apesar da Honda ter desistido da F-1 ao fim de 1992, mas ainda tinha Ayrton Senna, o grande ídolo deles, uma vez que o brasileiro tinha sido campeão com a Honda, e em 1994, estaria defendendo a então imbatível Williams. Como Autopolis tinha ido para o brejo, e a pista de Fuji, pertencente à Toyota, não se candidatava, era ali a chance de o Japão ter finalmente dois GPs, com a prova na pista de Aida sendo chamada de Grande Prêmio do Pacífico.
            Basicamente, a pista do autódromo foi a mesma nas duas oportunidades que a F-1 se apresentou por lá. A única diferença foi que a entrada dos boxes passou a ser feita antes, uma vez que sua entrada original ocorria perto demais da tangência dos carros para a curva de acesso à reta dos boxes, tanto que a extensão total da pista não se alterou um único metro por causa disso. A corrida estreou como a segunda corrida no calendário de 1994, após o GP do Brasil, com Ayrton Senna vendo que sua tão sonhada Williams/Renault, não era mais o carro de outro planeta dos anos anteriores. O brasileiro até largou na pole, com o tempo de 1min10s218, mas Senna largou mal, e com um toque antes de chegar na primeira curva, acabou abalroado e dando adeus à corrida ali mesmo, que acabou ganha por Michael Schumacher, da Benetton/Ford, que ainda fez a melhor volta, com o tempo de 1min14s023.
            A corrida não foi das mais empolgantes. O traçado curto da pista dificultava as ultrapassagens, o que complicava o trabalho dos pilotos. Para o Brasil, se foi frustrante ver o abandono de Senna logo na largada, ao menos teve uma compensação, com o primeiro pódio de Rubens Barrichello, com o 3º lugar, iniciando sua segunda temporada na F-1.Em 1995, a corrida deveria ser realizada novamente no início do campeonato, mas um forte terremoto que abalou a região vizinha de Kobe, destruindo muitas propriedades, e matando várias pessoas, obrigou o adiamento da corrida para o fim do ano, fazendo com a corrida fosse realizada uma semana antes do Grande Prêmio do Japão, o que fez os japoneses terem duas provas de F-1 em duas semanas. Com mudanças técnicas impostas aos carros, em virtude das novas regras de segurança implantadas pela categoria máxima do automobilismo depois do trágico GP de San Marino de 1994, os carros estavam mais lentos em 1995, de modo que a pole de David Coulthard, com Williams/Renault foi conseguida com o tempo de 1min14s013, enquanto a melhor volta, mais uma vez ficou com Michael Schumacher, com Benetton/Renault, com o tempo de 1min16s374. A corrida de 1995, vencida pelo piloto alemão, aliás, sacramentou a conquista do bicampeonato de Schumacher, dando aos japoneses mais uma decisão de título da F-1 em uma prova realizada em seu país.

A única alteração vista na pista de Aida, de 1994 (acima) para 1995 (abaixo), foi a mudança na entrada do box, feita antes da curva Mike Knight.

            O maior problema da pista era o seu acesso, feito por uma única estrada que ligava a Aida, a cidade mais próxima, em pista simples, e que no fim de semana da corrida se transformou em um imenso congestionamento, que só não teve piores consequências devido à grande organização do povo japonês, e ao esquema de trânsito planejado para se dar acesso à pista. Como não havia estrutura hoteleira próxima, muitos integrantes das equipes, e até os próprios pilotos, dormiram em quartos improvisados em estruturas de conteiners metálicos, os quais também foram adaptados para abrigar restaurantes para o grande contingente de pessoas presentes. Para jornalistas estrangeiros, chegar ao circuito exigiu uma boa dose de aventura, começando pela chegada, normalmente no Aeroporto Internacional de Nagoya, em uma viagem de trem-bala até Okayama, onde era necessário pegar um trem bem mais modesto, para Aida, de onde ainda era necessário pegar um ônibus para enfim chegar ao circuito. Apesar da estrutura da F-1 ser menor que nos dias de hoje, foi um desafio levar todo o material das equipes até aquele local ermo em território japonês, algo que surpreendeu muita gente, levando-se em conta um país tão densamente povoado como o Japão.
            Infelizmente, após a prova de 1995, não houve interesse entre as partes em continuar mantendo a corrida no circuito. A economia japonesa perdia embalo, e o interesse dos nipônicos com a F-1 também declinou, de forma que já não era viável ter duas provas no país. O circuito continuou recebendo algumas corridas de campeonatos locais, e uma ou outra competição internacional. No início da década de 2000, com as finanças da pista em situação mais complicada, o autódromo acabou adquirido por um conglomerado japonês. A pista teve seu nome mudado para Okayama International Circuit, perdendo qualquer ligação com Hajime Tanaka. Nesta década, a pista mudou de dono novamente, e atualmente, sedia provas dos campeonatos nacionais do automobilismo japonês. O traçado praticamente é o mesmo de quando a F-1 correu por lá em 1995, e pelo menos, a estrada de acesso ao circuito foi melhorada, de forma a não causar tantos transtornos no acesso do público.
            Infelizmente, o ex-autódromo de Aida dificilmente verá a F-1 novamente. Os tempos são outros, e embora o japonês continue apaixonado pela categoria máxima do automobilismo, a hipótese de se disputar duas provas em solo japonês nunca mais foi considerada. E, mesmo que fosse, dada as exigências astronômicas que a F-1 tem hoje em dia, nunca aceitaria uma pista com uma estrutura como aquela, até porque atualmente existem pelo menos outros dois autódromos bem mais equipados para tanto, como o reformado autódromo de Fuji, que recebeu a F-1 em duas ocasiões na década passada, além do Twin Ring Motegi. E a pista de Suzuka, para felicidade dos fãs e integrantes da própria F-1, segue firme como palco do Grande Prêmio do Japão até os dias atuais, depois de revezar com o circuito de Fuji por duas ocasiões na década passada.


Largada da etapa da F-1 em 1994 em Aida. Michael Schumacher superou Ayrton Senna, o pole, na largada, mas o brasileiro acabaria atingido por trás e abandonaria logo em seguida (acima). Mais recentemente, a Superformula tem disputado provas na pista (abaixo).


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