E o mundo ainda segue
de cabeça para baixo, onde assistimos agora a um quase vale-tudo pelos recursos
para as áreas de saúde dos vários países do mundo, com direito até a quase
roubos de produtos, sendo “desviados” para quem pagar mais, num autêntico
salve-se quem puder, cada um por si, deus por todos, que certamente deixará
sequelas que sabe-se lá como irão ser resolvidas. E se alguém se perguntar se a
humanidade aprenderá algo com isso tudo, confesso ficar desiludido quanto a
isso... Não será a primeira vez, e certamente, não será a última...
Enquanto isso, com
mais uma semana, o mundo do automobilismo continua parado, e as datas de
Grandes Prêmios, só para citar a Fórmula 1, continuam todas sob condicional,
sem sabermos o que poderá ser feito este ano, enquanto não tivermos um mínimo
de chances de estabilizar a situação. Com o número de infectados e mortos
começando a declinar minimamente em alguns lugares, e o número de pacientes
curados aumentando, e isso em sua maioria sem o uso de algum medicamento “milagroso”,
muitos afirmam que é preciso cautela para que tudo não dê para trás, e os
esforços para tentar minimizar os contágios acabem não sendo jogados fora. O
que em tese deve ocupar os meses de maio, e certamente, junho. Em outras
palavras, ainda temos muito tempo até poder sonhar com um retorno à
normalidade, ou algo próximo disso.
Então, não é surpresa
o Grande Prêmio do Canadá já ter sido adiado para uma data futura, e o GP da
França também ter entrado na roda. Com uma perspectiva otimista, a F-1 espera
poder começar o campeonato em Zeltweg, na Áustria, em julho, e ver o que se
pode fazer dali em diante. Algumas provas poderiam ser realocadas adiante, e o
campeonato, estendido até o fim de dezembro, e quem sabe, entrando até o mês de
janeiro de 2021. Os mais pessimistas, claro, falam em esquecer praticamente
2020, e ir pensando em 2021, porque este ano já estaria perdido e completamente
comprometido. Isso, para não falar no aspecto psicológico de quem é o público
alvo das corridas do mundo do esporte a motor.
Afinal, é preciso
considerar, que se a vida retomar um mínimo de normalidade, que permita que as
corridas possam ser realizadas a partir de julho, ainda assim pode demorar até
o público conseguir relaxar, e ter entusiasmo para poder curtir as coisas de
antes. Um Grande Prêmio, em tese, é um evento festivo, esperado durante o ano
inteiro pelos fãs das corridas, que anseiam pela oportunidade de verem seus
pilotos e times na pista, digladiando-se pelas melhores posições. Mas será que
o público vai estar entusiasmado para curtir as provas tão logo a vida possa
retornar ao normal, como todos anseiam? É algo a se pensar, até mesmo porque,
em termos econômicos, uma vez que as medidas de quarentena possam ser
retiradas, e a atividade econômica retorne, será preciso ver quem poderá, de
fato, retomar as rotinas do dia-a-dia da mesma forma que antes.
Não se trata de ficar
em casa por poucos dias, mas por algo em torno de um a dois meses, talvez até
três, e como ficará a situação econômica de todas estas pessoas? Muitas
empresas poderão não aguentar o baque de ficarem fechadas por tanto tempo, e
seus empregados também poderão não ter condições de suportar este período,
mesmo com todas as ajudas prometidas pelos governos de vários países. Alguns
terão melhores condições do que outros, e poderão retomar o dia-a-dia sem
maiores percalços, mas nem todos conseguirão fazer isso. Em outras palavras,
passada a “tempestade”, cada um fará um balanço de suas condições, para ver
como pode retomar suas atividades, e nisso, está incluso também a disposição
para ir às corridas, principalmente se tiver fundos sobrando para isso. Mas é
preciso levar em consideração que muitos fãs terão que cancelar seus planos,
caso precisem fazer uma economia para poderem retomar a vida quando for
possível, tendo de abdicar de muitas coisas para poderem guardar dinheiro para
o que for essencial.
Assim como McLaren e Racing Point, Williams também cortou salários e colocou parte dos funcionários de licença, para receberem auxílio do governo inglês. |
Basta ver o que já
está acontecendo com alguns times. McLaren, Williams e Racing Point já adotaram
medidas de contenção salarial para seus integrantes, inclusive até mesmo de
seus pilotos, para ajustarem-se economicamente a este momento onde, se não
estão tendo gastos com disputa de corridas, também não estão vendo o dinheiro
entrar. Estes três times já colocaram parte dos funcionários em licença, para
poderem receber as ajudas prometidas pelo governo inglês. A própria FIA vem
adotando medidas para diminuir os custos de competição no ano de 2021, e já se
propõe reduzir ainda mais o teto orçamentário, que entraria em vigor no próximo
ano, dos US$ 175 milhões para US$ 125 milhões, em uma medida emergencial para
impedir gastos mais elevados, diante da receita menor que todos eles terão este
ano por causa das corridas perdidas. Mas a adoção deste novo teto orçamentário
já começa a sofrer oposição, com Ferrari e Red Bull mostrando-se contra este
corte de custos. A Mercedes, por outro lado, entendendo a situação precária do
momento, não se manifestou contra. E a dissidência dos dois times já atrai
críticas, não sem razão. Zak Brown, dirigente da McLaren, acusou os dois times
de se mostrarem insensíveis à situação do momento, e de brincarem com fogo a
respeito deste assunto. Infelizmente, o momento é excepcional, e as duas
escuderias deveriam se mostrar solidárias às demais nesta hora, onde todos
passam por dificuldades. Isso certamente ainda vai dar muita discussão, afinal,
se ninguém quer perder dinheiro, infelizmente já se comprovou que todos perderão
alguma coisa.
A FOM está conseguindo
adiantar às equipes o pagamento à que todas têm direito pelo campeonato de
2019, mas isso não durará muito. Por mais que a entidade tenha um fundo
preventivo para momentos de necessidade, este dinheiro provém dos contratos de
publicidade firmados com patrocinadores da F-1, assim como as taxas de promoção
dos Grandes Prêmios, e direitos de transmissão firmados com emissoras do mundo
inteiro. No caso das taxas de promoção das corridas e direitos de transmissão,
muita coisa é paga adiantado, mas não estamos tento corridas, e nem
transmissões. E, sem provas, os patrocinadores também não pagam o que foi
acordado, já que não estão tendo a exposição de suas marcas. Uma hora o
dinheiro vai acabar.
Os promotores das
provas canceladas e/ou adiadas, que já pagaram as taxas, em tese poderão
realizar as próximas corridas, quando forem possíveis, de modo a não perderem o
dinheiro já pago. É o melhor modo também de a FOM não precisar devolver o que
já foi quitado antecipadamente, dando o “crédito” para 2021 no caso das provas
canceladas, e fazendo praticamente o mesmo procedimento com as provas que
puderem ser realizadas ainda este ano. Claro que serão necessárias reuniões e
tratativas com cada um para acertar tais detalhes, afinal cada caso tem suas
particularidades, e infelizmente poderão surgir discordâncias quanto a esse
respeito. E possivelmente, nem tudo poderá ser recuperado, ou dado de crédito
para utilização futura. Algumas contas ficarão pendentes, sem possibilidade de
pagamento. E isso precisará ser aceito pelas partes envolvidas. O que não
poderá acontecer é o prejuízo ficar com apenas uma das partes, pelo não cumprimento
dos acordos firmados anteriormente.
E aí, dependendo da
situação de cada um dos envolvidos, a situação poderá ficar bem complicada,
pois alguns possivelmente não terão como suportar os ônus e perdas, e várias
baixas poderão ocorrer. A situação precisa ser vista com cuidado, e não é
somente por parte de organizadores de corridas, patrocinadores, emissoras, etc,
que isso diz respeito. Os próprios times de competição também precisarão ter
seus cuidados, de modo que a atitude de Ferrari e Red Bull, indo contra a
adoção de um teto orçamentário ainda mais restrito, visto como extrema
necessidade neste momento, pelo menos até se ter uma idéia mais clara do
horizonte financeiro a curto prazo, é um tremendo tiro no pé contra a
viabilidade da F-1 como um todo. Tomara que eles se conscientizem de que este
momento pede a união de todos, para que a F-1 siga em frente.
Nova perspectiva é que a F-1 2020 possa começar com a etapa da Áustria, em julho. |
Imaginando que estes
problemas financeiros e logísticos possam ser solucionados com êxito e que
possamos enfim ter um campeonato no segundo semestre, como poderemos ter a
montagem das provas? Algumas corridas já foram canceladas em definitivo, de
modo que só retornam mesmo em 2021. Mas outras corridas, que foram apenas
adiadas, algumas poderiam ser encaixadas à frente, ou algumas provas poderiam
ser substituídas por outras, em nome de uma logística de emergência, que possa
deixar a competição em 2020 com um número de corridas razoável.
Se a corrida do Canadá
poderia tentar ser encaixada junto ao GP dos Estados Unidos e México, e Espanha
e Holanda possam conseguir ser encaixadas em agosto, talvez a melhor opção para
“encher” o campeonato poderiam ser rodadas duplas em algumas pistas na Europa,
ou mundo afora, dependendo das opções e disponibilidades. Já se comenta que Silverstone
poderia abrigar uma destas rodadas duplas, com o diferencial de se fazer a
segunda corrida no sentido contrário da pista, de forma a tornar esta prova
diferente da primeira. Pode ser uma boa idéia. Afinal, a estrutura já montada
para o GP serviria para duas provas, e os custos de competição seriam
barateadas. O maior trabalho de times e pilotos seria refazer o set up dos
carros para o sentido inverso da pista, e seria um desafio para os pilotos
disputarem uma corrida no sentido contrário da pista, o que poderia gerar
algumas surpresas na competição, já que seria algo inédito para todos, e até
para muitas pistas, onde normalmente só se compete em um único sentido.
Dependendo da situação
do momento, entretanto, a FIA admite que o interesse pelas corridas possa ser
mais complicado para a realização de algumas corridas. Cogita-se até mesmo na
possibilidade de fazer uma prova sem público, para evitar maiores riscos de
saúde a todos os envolvidos na prova. E, claro, é preciso ver também sobre a possibilidade
de se realizar a corrida propriamente, uma vez que depende de vários fatores.
Do lado de fora das
pistas, os pilotos também se vêem em uma situação complicada, tendo de
permanecer em casa, e ao mesmo tempo, procurando manter o físico e a
concentração, atividades que vem sendo facilitadas pelo uso de simuladores,
onde os pilotos podem se manter “ativos” nas corridas virtuais, como as que vem
sendo realizadas a fim de tentar manter os fãs do esporte entretidos neste
período de quarentena. Mas as escuderias também tem de começar a pensar no que
farão em relação à suas duplas de pilotos, conforme tratei na coluna da semana
passada. Com vários contratos encerrando-se em dezembro deste ano, alguns times
poderão ter dificuldades para decidir se manterão seus titulares atuais, ou se
resolverão trocar algum de seus integrantes. Geralmente, estes contratos são
acertados com boa antecedência, o que certamente não será o caso desta vez, já
que as escuderias gostariam de ver como seus pilotos estão para definir se os
mantém, ou se resolverão apostar em outros nomes.
Outro grande problema
a ser contornado é a importância que o automobilismo possa ter para o
entretenimento. Afinal, corridas não são exatamente uma atividade essencial à
existência das pessoas e ao seu dia-a-dia. As corridas são motivadas pela
paixão do desafio, mas em tempos de pandemia, que desafio é esse? As corridas
perdem sua importância, e isso pode minar o seu interesse no futuro próximo, o
que pode comprometer o envolvimento das empresas que apostam no esporte. Não é
algo novo, e muito menos desconhecido. Basta lembrar de 2008, quando a crise
financeira mundial baqueou inúmeras companhias, e algumas montadoras, até então
comprometidas com a F-1, não hesitaram em pular fora da competição, como a
Honda, a BMW, e a Toyota. Se a primeira ainda retornou à competição, em 2015,
as outras duas jamais retornaram até hoje, e pelo andar da situação, não tem
plano algum de fazê-lo. Vimos isso no Mundial de Endurance, com a classe LMP1,
a principal, ficar praticamente esvaziada de competidores de fábrica, com Audi
e Porsche pulando fora, deixando a Toyota sozinha na sua classe, uma vez que a
Peugeot, outro nome que tentaria retornar, jamais o fez.
No atual momento,
temos apenas Mercedes, Renault, Honda e Ferrari como marcas de fábrica
comprometidas com a F-1. Mas, dependendo do tombo que essa pandemia possa
causar nestas respectivas empresas, elas poderão repensar se seus investimentos
milionários no esporte não poderiam ter melhor retorno em outras atividades. E
isso poderia ser catastrófico para a categoria máxima do automobilismo, cujos
custos de competição ficaram muito mal acostumados à fartura de recursos que só
as grandes montadoras poderiam prover na disputa. Se as pessoas perderem a
paixão pelas corridas, que motivo as fábricas terão de investir no esporte,
ainda mais nos patamares que a F-1 exige hoje em dia? Se tudo parece complicado
agora, imagine a F-1 ter de se virar sem fabricantes oficiais que apoiem a
disputa?
A categoria precisaria
se reinventar para continuar investindo, tendo de implantar custos muito mais
baixos, e se valer de empresas para as quais a competição do esporte a motor é
sua razão de ser. Mesmo assim, o baque para se aceitar a nova condição seria
grande, e para alguns, poderia até mesmo comprometer a existência da F-1, que
poderia não conseguir se adaptar a estes novos tempos de recursos escassos. Mas
não é apenas a F-1 que corre este tipo de risco. Na prática, todos os
campeonatos, dos mais conhecidos ao mais regionais, terão sua existência
comprometida se medidas não forem tomadas para se manter o interesse tanto das
marcas oficiais, como dos fãs do esporte. Um grande desafio para todos, sejam
quais certames forem. Mas a F-1, pelas imensas somas de dinheiro envolvidas, e
pelo gigantismo de sua estrutura e custos, seria bem mais afetada pelo corte
abrupto de recursos antes disponíveis com relativa facilidade.
E isso também se
estende às empresas que transmitem as competições. Se as corridas não gerarem
mais interesse, seja pela ausência de marcas oficiais, ou de times que acaso
fechem, como convencer patrocinadores a bancar os custos de transmissão
envolvidos? A Globo, por exemplo, sempre consegue fechar seu leque de
patrocinadores para o campeonato da F-1, mesmo sem termos atualmente um piloto
no grid de largada. Mais do que uma audiência razoável, há boa exposição das
marcas patrocinadoras nos horários da emissora, inclusive no horário nobre,
quando os telejornais vão noticiar a competição. E isso rende um bom lucro para
a Globo, pelo interesse que todos os patrocinadores têm por esta exposição,
pelo interesse que os fãs das corridas possuem. Se este interesse minguar, eles
não vão ter também desejo de gastar as enormes quantias que aplicam para que
suas marcas sejam vistas. E, sem patrocínio, não há transmissão das corridas,
então...
É tudo um apanhado de
circunstâncias e consequências que, dependendo da situação, pode virar uma
verdadeira bola de neve, com consequências imprevisíveis. Com alguns acordos e
entendimentos, estes estragos até podem ser amenizados, mas certamente também haverá
a possibilidade de discordâncias e conflitos, sem sabermos como tudo poderá se
arranjar. No atual momento, tudo continua pra lá de incerto, só restando
aguardar por melhores notícias...
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