E o mundo do
automobilismo também está sentindo os efeitos da crise do Coronavírus, um dos
assuntos do momento a nível mundial, e que coloca a China no centro das
atenções pela propagação do que pode vir a ser uma epidemia tendo se originado
de uma de suas cidades. A Fórmula 1 e a Formula-E são as categorias afetadas,
no mundo do automobilismo. A China decretou a suspensão de todos os eventos
esportivos até abril, e se a etapa da categoria de carros monopostos elétricos
foi atingida em cheio, a etapa da F-1 ainda tinha uma certa esperança de ainda
se realizar na data marcada, mas que foi logo descartada. E a questão que
sempre surge nestes momentos: cancelar ou não cancelar a etapa?
Não há muito o que se
discutir. Mesmo que o novo vírus não seja tão letal quanto o da Sars, que na
primeira década deste século também causou pânico e muitas mortes naquela parte
do mundo, não é bom brincar com fogo. Apesar dos sinais promissores de se encontrar
uma vacina, não se deve menosprezar a situação. A China, aliás, está fazendo um
tremendo esforço para tentar resolver e normalizar a situação, temendo os
grandes estragos que isso pode desencadear em sua economia, ainda mais quando
ficamos sabendo que um médico que havia relatado entre seus colegas os sinais
de que o novo vírus poderia ser grave acabou sendo censurado pela polícia
chinesa para “parar de tentar criar agitação”, atitude típica de um governo que
parece retroceder cada vez mais para seu lado autoritário, lembrando que a
China é uma ditadura de partido único, e que não admite ser desafiada, e por
isso mesmo, tenta controlar a vida de seus cidadãos a todo momento, para que
eles não tenham “idéias erradas”.
Se o mundo se tornou
muito dependente da China hoje na economia global (e só por isso tolera sua
ditadura), a China também não pode se dar ao luxo de perder sua posição
econômica. E sentindo que a situação pode escapar de controle, apesar de seus
grandes esforços, tratou de mostrar serviço, declarando uma quarentena como
jamais se viu, com cidades inteiras ficando praticamente sem movimentação de
pessoas, como em Wuhan, nas imagens veiculadas. E cancelar os eventos
esportivos marcados para os próximos meses é uma atitude que, embora
indesejável, é a mais correta a ser tomada.
A F-E, como categoria
de vida recente, e de menor prestígio e importância econômica, certamente
sentirá a ausência de realizar a prova de Sanya, marcada para 14 de março, mas
ela tem condições de substituir essa ausência, e as opções mais viáveis seriam
transformar as etapas de Berlim ou Nova Iorque em rodadas duplas. Por estarmos
a pouco mais de um mês, o cancelamento do ePrix em solo chinês era a única
opção a ser tomada mesmo. E mesmo que a situação acabe se normalizando até lá,
a categoria tem sua logística de transporte, que envolve datas de vários dias
antes da corrida. E sendo uma viagem longa da Europa até o extremo oriente,
sairia ainda mais dispendioso fazer o transporte dos equipamentos e não poder
fazer a corrida.
Cancelar um evento,
aliás, ainda mais nos dias de hoje, é sempre complicado, mais pelo lado
financeiro do que por qualquer outra coisa. E no caso da F-1, o gigantismo que
ela atingiu, em termos estruturais e financeiros, fazem a tomada de decisão
quase sempre ser difícil, mesmo quando a decisão a ser tomada é extremamente
óbvia. E se a F-E ainda pode recompor o seu calendário, a categoria máxima do
automobilismo não terá a mesma sorte.
E neste ponto, o
gigantismo da F-1 joga contra ela própria: com um calendário de 22 corridas
marcado para este ano, a categoria fica praticamente “sem folga” para remanejar
alguma etapa, em caso de necessidade. Iniciado o calendário, no meio de março, e
até sua conclusão, em fins de novembro, são poucos os fins de semana livres que
poderiam, em tese, sediar uma prova. Mas a logística de transporte da F-1, que
tem de transportar todos os seus equipamentos em pelo menos três aeronaves de
grande porte, praticamente impossibilita tal remanejamento. Uma solução seria
fazer uma troca de datas, e se tentou fazer isso, mudando a corrida da Rússia,
em Sochi, com a da China, mas os russos não aceitaram a mudança. E pelas
dificuldades da logística, não se conseguiria fazer de modo ideal um reencaixe
da prova chinesa na segunda metade do ano.
O melhor a fazer neste
caso seria mesmo cancelar em definitivo o GP da China, que voltaria somente em
2021. A F-1 até poderia seguir em frente, e tentar realizar a corrida assim
mesmo, mas valeria o risco? Mesmo que a situação esteja normalizada até lá, os
ânimos com relação à segurança, por grande parte da população, ainda estarão à
flor da pela, e ao manter a realização da prova, a F-1 poderia passar uma
imagem de arrogância e prepotência perante uma emergência de saúde grave,
ignorando os riscos potenciais da empreitada. Isso para não dizer que a corrida
como evento poderia ser um verdadeiro fiasco, pois o público poderia não comparecer,
temendo ainda as possibilidades de contaminação do coronavírus. E aí a F-1
sofreria dois baques fortíssimos, que arranharia sua imagem tanto no mundo
todo, como dentro da China, ao tentar realizar um evento logo após este momento
de emergência sanitária. E ninguém também poderia garantir não se infectar, e
já imaginou o pessoal da F-1, multinacional que são, se tornarem um possível
vetor de transmissão da doença quando voltassem para seus países na Europa? Se
todo mundo tiver de ficar em quarentena, o estrago na programação do calendário
seria tremendo, com as provas da Holanda até Mônaco ficando comprometidas por
causa disso.
Claro que haverá
prejuízo com o cancelamento do GP, mas convenhamos, dos males, o menor, e
situações excepcionais, como é o caso desta emergência médica, mais do que
justificam o cancelamento da corrida, pura e simplesmente. Evitaria o trabalho
de ter de procurar uma nova data para o GP, ou até de criar uma corrida
substituta. E, no caso deste ano, teria um motivo a mais para se ficar sem uma
corrida: com o calendário programado para ter 22 corridas, número que muitos
times da categoria consideram o limite máximo aceitável, ficar com um GP a
menos daria um alívio na rotina puxada das escuderias viajando pelo mundo
afora. Todo mundo sairia ganhando (ou perdendo menos) com isso: a F-1 se
mostraria alinhada com as preocupações globais, se mostrando menos gananciosa
por perder uma etapa, e os times teriam um pequeno momento de descanso
adicional e sua programação para a temporada. E para a imensa maioria dos fãs,
ter 21 ou 22 corridas não faria tanta diferença assim, sem mencionar que a
etapa da China nunca foi lá muito empolgante, se bem que também nunca foi tão
enfadonha como Abu Dhabi...
O GP do Bahrein acabou cancelado em 2011 devido às ondas de protestos da "Primavera Árabe", que abalou vários países no Oriente Médio, inclusive o país barenita. |
A última vez que a F-1
cancelou uma etapa foi em 2011, quando estava em curso no Oriente Médio as
revoltas do que foi chamado de “Primavera Árabe”, que conturbaram a vida de
várias nações. O GP do Bahrein, que deveria abrir a temporada daquele ano,
apesar das garantias da família real barenita quanto à segurança, acabou
cancelado, num raro gesto de bom senso da FIA e da FOM, que acharam por bem não
correr o risco de o evento acabar desencadeando mais protestos no pequeno país.
O GP do Bahrein não acabou por causa disso, e em 2012 ele estava de volta ao calendário,
onde permanece até hoje. Assim, ficarmos sem o GP da China não será nenhuma
tragédia: os motivos são mais do que válidos, e a corrida certamente estará de
volta ao calendário no ano que vem, se nada mais acontecer até lá.
Já quanto a realocar a
data de um GP, a última vez que a F-1 fez algo assim foi em 1995, quando um
grande terremoto ocorreu no Japão, provocando estragos em muitas cidades, no primeiro
semestre daquele do ano. O Grande Prêmio do Pacífico, marcado para abril,
precisou ser remarcado, devido aos problemas de recuperação das cidades
afetadas pelo terremoto (o circuito da corrida, em Aida, não sofreu danos com o
evento), e não seria viável realizar o GP naqueles dias. A corrida foi
remarcada para o segundo semestre, sendo realizada então na semana anterior ao
Grande Prêmio do Japão, de modo que a Terra do Sol Nascente teve o privilégio
de ter duas provas de F-1 realizadas em duas semanas, fato que nunca mais se
repetiu, uma vez que o GP do Pacífico saiu do calendário, e a empolgação dos
japoneses e suas empresas com a F-1 também esmoreceu desde então.
Mas a prova foi
realocada naquele época, e porque não fazer o mesmo nos dias de hoje? Sim, é
verdade, mas a corrida foi feita no final de semana anterior ao GP do Japão, de
modo que as equipes da F-1 fizeram uma única viagem para duas provas em um
mesmo país. O calendário naqueles tempos era muito menor do que atualmente, de
forma que era bem mais possível mudar datas de alguma corrida devido a motivos
excepcionais, para não mencionar que a estrutura que a F-1 movimentava naqueles
tempos para viajar para o mundo afora era menor que a movimentada nos dias de
hoje. Foram 17 provas naquele ano, 5 a menos que as programadas para esta
temporada, e se levarmos em conta que um mês sedia em média 2,5 provas, isso
dava um campeonato com cerca de dois meses de duração a menos, algo que faz
muita, muita diferença, daí os problemas hoje em dia serem bem mais complicados
para se contornar uma remarcação de um Grande Prêmio de F-1.
Um problema que a F-E
não terá, devido à sua sistemática ser diferente, e utilizar uma estrutura de
competição bem menor, mas também pela concepção de suas pistas de competição.
Tornar a etapa de Berlim um rodada dupla será muito simples, pois a prova é
feita em uma pista montada dentro do antigo aeroporto da capital alemã,
Tempelhoff, de modo que adicionar um dia a mais de competições no domingo
demandará esforços bem pequenos. E por ser uma pista bem concebida dentro do antigo
espaço dos aviões do velho aeroporto, os pilotos e equipes certamente não
teriam empecilhos em disputar duas corridas em Berlim ao invés de uma. Há
também a opção de transformar a etapa de Nova Iorque em rodada dupla, o que já
foi feito algumas vezes. Mas embora a opção também seja simples, sua execução é
um pouco mais complicada do que a de Berlim pela prova nova-iorquina ser
disputada em uma pista de rua no bairro do Brooklyn, e geralmente pistas de rua
costuma provocar celeumas entre os moradores locais, que poderiam protestar e
dificultar a realização de uma rodada dupla decorrente de uma mudança de última
hora, apesar de que isso poderia ser resolvido com mais negociações. A F-1
infelizmente terá como melhor opção mesmo o cancelamento da corrida.
Nestes momentos, as
grandes categorias esportivas precisam esquecer momentaneamente seus ímpetos
capitalistas e pensar no bem maior que farão a si mesmas e ao mundo tomando a
decisão de cancelar sem maiores traumas uma de suas etapas. Mesmo que não haja
todo o perigo real de uma grande epidemia, e que o vírus não seja mais mortal
que várias outras doenças já conhecidas, enquanto não se conseguir ter um
melhor controle da situação, e tratamento da doença, é preciso minimizar os
riscos potenciais. A última coisa que precisamos é de algum tipo de atitude
irresponsável que acabe por complicar as coisas, e jogar por terra o esforço realizado
por muitos para conseguir termos segurança sobre como lidar e tratar a doença
causada por esse novo coronavírus. E vamos lembrar que todos os eventos
esportivos foram suspensos ou cancelados pelo governo chinês, de modo que o
automobilismo não é o único esporte a ser afetado. O objetivo é evitar
aglomerações, e potenciais transmissões do vírus a centenas, talvez milhares de
pessoas.
Dizem que o ser humano
é um animal racional e inteligente... Está mais do que na hora de fazer juz a
esta afirmação, em que pese sabermos que, pelos mais diversos motivos, ele
costuma fazer as maiores idiotices e barbáries sem sentido. Que não façam
besteira desta vez...
Luto na família Andretti: John
Andretti, sobrinho de Mario Andretti, e primo de Michael Andretti, faleceu no
último dia 30 de janeiro, aos 56 anos, em decorrência de um câncer no cólon,
doença com a qual lutava nos últimos três anos. John era filho de Aldo
Andretti, irmão gêmeo de Mario, e seguindo a tradição do pai e do tio, também
fez carreira no mundo do automobilismo. Ele estreou na antiga F-Indy em 1987,
defendendo a Curb Racing, permanecendo na categoria até 1994, com um total de
73 provas, onde venceu apenas uma corrida, a primeira edição do GP da Austrália,
em Surfer’s Paradise, com a equipe Hall/VDS. Ainda em 1994, ele começou a
disputar a divisão principal da Nascar, onde competiu por 17 anos, vencendo
duas provas em 393 participações. Competiu também na Nascar XInfinity Series, e
na Indy Racing League, mostrando ser um piloto extremamente versátil. Disputou
12 edições das 500 Milhas de Indianápolis, e venceu as 24 Horas de Daytona de
1989. Desde que fora diagnosticado com o câncer, o piloto passou por algumas
cirurgias e tratamentos onde se esperava ter extirpado a doença, que
infelizmente se mostrou bem mais resistente do que se esperava, tendo retornado
e complicado a situação de John. Todos na família Andretti lamentaram sua
morte, comunicada em nota oficial pela equipe Andretti da Indycar. Em seu desejo,
o carro funerário com seu corpo percorreu o circuito oval do Indianapolis Motor
Speedway, antes de ser levado para o velório.
Fernando Alonso estava em
negociação com o time de Michael Andretti para poder disputar as 500 Milhas de Indianápolis
deste ano, mas ao ser consultada, a Honda, fornecedora de motores do time na
Indycar, teria vetado a participação do piloto espanhol, que durante a associação
da marca nipônica com a McLaren na F-1 entre 2015 e 2017, fez inúmeras críticas
ao equipamento desenvolvido pelos japoneses, que não apresentava nem
performance e nem confiabilidade. Por mais que digam que Alonso pagou pela
língua, a verdade é que, mesmo levando em consideração possíveis erros no
projeto do carro, os japoneses apresentaram uma unidade de potência sofrível,
que merecia de fato as críticas recebidas. A Honda, infelizmente, pecou pela
teimosia na época, recusando-se até a receber consultoria externa para melhorar
o seu projeto, o que só aceitou, e ainda assim depois de muita insistência, por
parte da Ilmor. E infelizmente, tiveram que rever o seu projeto, o que elevou
ainda mais o desgaste entre a fábrica japonesa e a escuderia inglesa, e Alonso
também. Somente em 2018, passando a equipar a Toro Rosso, a Honda começou a
acertar a mão em seu projeto, que no ano passado passou a equipar também os
carros da Red Bull, conseguindo enfim algum destaque no seu retorno à F-1 na
atual era híbrida. Alonso ainda procura alguma alternativa para conseguir
competir na Indy500 este ano. Resta saber se irá conseguir...
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