sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

APOSTAS DE LONGO PRAZO

Ferrari garantiu Charles LeClerc (acima) no time por mais cinco temporadas, revelando sua aposta no seu novo e jovem talento. E a Red Bull se mexeu para garantir também Max Verstappen (abaixo), dando uma boa esfriada no mercado de pilotos para 2021.

            O ano de 2019 nem havia terminado, mas o mundo da F-1 teve uma notícia impressionante, que veio literalmente como um grande presente de natal para seu protagonista. Sim, Charles LeClerc deve ter tido uma grande felicidade ao ver a Ferrari renovar o seu contrato para nada menos do que 5 anos. Não é qualquer time que faz um contrato tão longo assim. Garantido em um time de ponta por tal período, o monegasco certamente deve ter feito uma comemoração daquelas. Não por coincidência, Papai Noel, que veste vermelho, tem a mesma cor dos carros de Maranello.
            E, no início deste ano, foi a Red Bull que resolveu fazer quase o mesmo, renovando o contrato de Max Verstappen por quatro anos. Não chega a ser tanto quanto o de LeClerc, mas também não pode ser menosprezado. Quem perde com a renovação antecipada de ambos os pilotos, tidos como os nomes mais promissores da nova geração de talentos da F-1, obviamente, são os jornalistas, que contavam com uma silly season quente no que se refere ao mercado de pilotos este ano, quando os contratos de vários nomes importantes e de destaque, LeClerc e Verstappen incluídos, se encerrava, o que prenunciava uma disputa de vagas que poderia ser muito interessante para 2021. Com estes dois nomes garantidos em suas respectivas posições por vários anos, sobra apenas Lewis Hamilton como grande nome a ser especulado para 2021, mas na prática, significa também que o inglês hexacampeão ficará onde já está, na prática, enterrando outra possibilidade de especulações que os jornalistas adorariam desenvolver para prender a atenção do público leitor.
            Ora, é fácil imaginar que, ao renovar com LeClerc por tal período, a Ferrari simplesmente admite abertamente que o monegasco é sua aposta para voltar a ser campeã. E olha que nem mesmo Michael Schumacher teve um contrato assim tão longo quando correu em Maranello. O time rosso viu o potencial de Charles, e tratou de garanti-lo. E LeClerc, obviamente, seria maluco se recusasse tal oferta. Pelo mesmo motivo, Verstappen, o novo ídolo do time rubrotaurino (e já não é de hoje), também teve o seu contrato renovado, e com certeza, em bases muito mais generosas do que o contrato atual. O holandês era especulado como grande nome numa possível transação com a Mercedes, ou até mesmo a Ferrari, algum tempo atrás.
            Mas o entusiasmo pelo holandês, depois que este fez algumas críticas ao time italiano, esfriou em Maranello, e ao renovar com LeClerc, que já se tornou praticamente o rival mais direto do monegasco, pelo que andaram se estranhando em 2019, a direção da Ferrari simplesmente dá o recado de que ele dificilmente irá para lá um dia. LeClerc e Verstappen seriam uma dupla explosiva em um mesmo time, e um certamente tentaria detonar o outro. Não daria certo, pelo menos, não em um time que não consegue ter a mão firme sobre seus pilotos.
            Com LeClerc garantido por mais cinco anos em Maranello, a pergunta que todos fazem é o que acontece com Sebastian Vettel. O tetracampeão foi superado pelo monegasco na temporada do ano passado, prolongando o calvário do piloto alemão, que já não vinha em boa fase desde meados de 2018. Se naquele ano Vettel sucumbiu aos próprios erros e à pressão no duelo contra Lewis Hamilton, agora o enguiço é muito maior, pois terá de superar Charles, na pista e no box. Caso contrário, sua permanência na F-1 para 2021 já começará a ser posta em dúvida. E como desgraça pouca é bobagem, o alemão terá o dilema de praticamente não ter para onde ir. Pelo menos, um lugar onde poderá correr tranquilo, como se acostumou nos anos mais recentes. E, pelo retrospecto de 2018/2019, muita gente já aposta até que Vettel pode encerrar a carreira. Já está realizado profissionalmente, e com sua segurança financeira garantida. E, tendo se tornado pai de família, por mais que muitos possam criticá-lo se resolver pendurar o capacete, ele tem todo o direito de fazer isso, se sentir que é o melhor para si.
Sebastian Vettel sentiu a pressão da competição com LeClerc em 2019 e perdeu a briga contra o novo companheiro de equipe. Ou o alemão se recupera, ou pode estar com seus dias contados na Ferrari para 2021.
            Esportivamente falando, seria admitir o fracasso de suas últimas temporadas, quando perdeu para si próprio também. E ainda há quem lembre que, no primeiro ano em que dividiu a Red Bull com Daniel Ricciardo, e perdeu o duelo para o australiano, Vettel se mandou para a Ferrari, no que muitos chamaram de covardia por pular do barco do time dos energéticos na primeira temporada onde passou aperto do companheiro de equipe. Não é uma boa lembrança para o currículo esportivo, e pelo que já conquistou na F-1, Vettel poderia passar sem outra comparação dessas. Se perder novamente o duelo para LeClerc este ano, e resolver sair, muitos irão repetir as críticas de sua transferência da Red Bull para a Ferrari, quando o chamaram de covarde por correr da briga com Ricciardo. Mas na F-1, você é somente bom quanto seu último bom resultado na categoria, e a imagem de Vettel já vem sofrendo um forte desgaste desde 2018. Resta saber o quanto ele se incomodaria de carregar estas críticas para sua aposentadoria como piloto...
            LeClerc surpreendeu em 2019, ao correr não apenas no ritmo de Vettel, como até superando-o com certa facilidade. Estilo de comportamento do carro, que seria mais afável a Charles do que a Vettel, a verdade é que o monegasco poderia ter feito mais do que demonstrou na temporada passada, não fosse o comportamento esdrúxulo da direção da Ferrari sobre sua dupla de pilotos. Tentando ainda manter o esquema de hierarquia de primeiro e segundo piloto, em várias corridas a direção do time acabou prejudicando tanto Vettel quanto LeClerc, a princípio tentando proteger o alemão, mas depois errando mais por não impor limites de comportamento quando às disputas roda a roda que ambos acabaram travando na pista, no que resultou em alguns incidentes que poderiam ser evitados sem precisar apelar para ridículas ordens de equipe.
            Mas foi o primeiro ano de Charles em um time de ponta, e o monegasco, sem pressão, pode mostrar do que é capaz. Mas agora, essa capacidade será cobrada com mais afinco, e alguns dos erros cometidos por LeClerc em 2019, caso a Ferrari tenha um carro capaz de lutar pelo título, poderão não ser mais tolerados, dependendo de suas atitudes na pista. Charles já mostrou que não tem medo de dividir curvas com os adversários, é arrojado, e extremamente agressivo. Será que conseguirá dosar estas características quando for necessário? Por mais que seja necessário lutar em vários momentos, haverá outros em que precisará saber também garantir resultados, saber interpretar o panorama de corrida, e calcular como conservar o carro, sem deixar de ser veloz. E numa disputa, quanto mais parelha for, não se pode cometer o mínimo erro. É bem mais fácil ser veloz sem ter pressão por resultados, do que correr tendo de mostrar estes resultados. Não que o monegasco não tenha tido pressão em 2019, mas com as atenções teoricamente concentradas em Sebastian Vettel, o grande nome do time, Charles pode correr um pouco mais solto. Veremos se conseguirá manter sua excelência de performance estando desde já na mira de todos. O grande presente ganho pelo monegasco vai exigir dele mais dedicação e atenção do que nunca. E ainda torcer para que a Ferrari apresente um carro competitivo, e com potencial para disputar o título.
Red Bull confia na evolução da Honda para poder voltar a lutar pelo título com Max Verstappen. E os japoneses deixaram para trás a imagem catastrófica de sua recente parceria com a McLaren.
            Neste ponto temos talvez o único risco para a carreira de Charles: se a Ferrari se perder na criação e desenvolvimento de seus monopostos, LeClerc ficará “preso” ao time. Não que isso seja totalmente ruim, mas vamos ver como ficarão as ambições do piloto. Vamos lembrar que Fernando Alonso e Sebastian Vettel também chegaram ao time rosso como as grandes apostas para voltarem a ser campeões, e vimos que ambos não conseguiram realizar seus intentos. Alonso saiu brigado com a cúpula ferrarista, frustrado por não ter sido campeão pela escuderia, que acabou sucumbindo ao domínio da Red Bull entre 2010 e 2013, e depois ao domínio da Mercedes em 2014. E Vettel, por sua vez, também sucumbiu junto com o time ao domínio do time alemão nestes últimos anos, vendo Lewis Hamilton enfileirar títulos desde então, e com Sebastian caminhando para uma possível despedida inglória dos carros vermelhos, a exemplo do asturiano. Ainda é cedo para afirmar que a Ferrari vai se complicar novamente assim, mas e se acontecer? Não é impossível. E aí, LeClerc também precisará aprender a manter a cabeça no lugar, e não perder o rumo e ter chiliques como Fernando e Sebastian, o que só serviu para atrapalhá-los.
            Mas LeClerc não é o único que corre esse risco. Max Verstappen, ao aceitar a renovação da Red Bull, está dando um tremendo voto de confiança ao time, mas de certo modo, o holandês, por mais cortejado que estivesse sendo, não tinha lá muitas alternativas. Com LeClerc confirmado em Maranello, Lewis Hamilton deve se manter na Mercedes, pois não iria se dar a ter que disputar atenção com o monegasco no time italiano. E com o inglês permanecendo em Brackley, dificilmente a Mercedes iria ter Verstappen junto. E com as portas de Maranello fechadas no momento para Max, pelas declarações feitas pelo holandês, e também pela presença do novo desafeto LeClerc, só sobrou mesmo a Red Bull. E isso apesar de algumas indiretas feitas por Jos, pai de Max, de que a Red Bull poderia “travar” a carreira do filho, dando indiretas de que o time dos energéticos não teria como ser competitivo para voltar a ser campeão do mundo.
            A Red Bull também ficou sem opções. Com Daniel Ricciardo tendo ido embora para a Renault, o time de Dietrich Mateschitz não poderia correr o risco de perder o holandês, pela capacidade que ele possui. Felizmente, Max amadureceu em 2019, tendo que liderar o time austríaco na pista, e embora tenha se metido em uma confusão ou outra, se mostrou muito eficiente, cometendo menos erros de pilotagem, e sendo rápido como de costume. E sem uma alternativa à altura, perder Verstappen seria comprometer todas as chances de a Red Bull poder disputar novamente o título, visto que todos os outros que correram ao seu lado, à exceção de Ricciardo, não se mostraram à sua altura. Por isso, o time teve de agir, e fez um contrato com o holandês como nunca havia feito antes com outro de seus pilotos.
            A aposta da Red Bull não é apenas no holandês, que em alguns momentos até já se mostrou impaciente quando se via em momento pouco competitivo frente a Mercedes e Ferrari, mas também, e principalmente na Honda, que teve um primeiro ano muito produtivo com o time dos energéticos em 2019. Se é verdade que as unidades nipônicas ainda deveram para Mercedes e Ferrari, por outro lado, e com o excelente chassi de Adrian Newey, que foi sendo desenvolvido com competência ao longo do ano, a Red Bull conseguiu destronar os italianos em vários momentos. E com a Honda tendo agora tranquilidade para trabalhar e desenvolver seu equipamento, eles tem um bom potencial para ser desenvolvido, tanto que os prognósticos mais otimistas afirmam que 2020 deverá ser o melhor ano da Red Bull desde 2013, justamente o último ano em que foram campeões. E oferecer um equipamento competitivo é crucial para manterem Verstappen satisfeito em sua garagem, a fim de garantir sua permanência na escuderia.
            Falta, claro, acertar tudo com os concorrentes. Por mais otimista que a Red Bull e os japoneses possam estar, precisaremos ver o campeonato começar para descobrir como será a relação de forças, neste que será o último ano da F-1 sob as atuais regras técnicas. E este é um detalhe interessante que reforça o argumento de que tanto Red Bull quanto Ferrari também jogaram pelo seguro, ao garantir seus melhores homens no grid em seus times, sob as novas regras técnicas, para terem parâmetros de comparação dos desempenhos, e em tese, ajudar a identificar pontos fortes e/ou fracos em seus projetos. Tanto Verstappen quanto LeClerc deverão ter importância crucial para ambos os times. Vettel, e Alex Albon, companheiro de Verstappen na Red Bull, que se virem para acompanhar seus parceiros de time.
            E então, chegamos a Lewis Hamilton, cujo contrato com a Mercedes termina no final desta temporada, e oficialmente, ainda não foi renovado. Depois destes movimentos de Ferrari e Red Bull, tudo indica o caminho mais óbvio de todos, com o atual hexacampeão ficando onde está, e tendo de confiar que seu time, que domina a F-1 desde 2014, vai se manter competitivo em 2021 e além, sob as novas regras técnicas da categoria máxima do automobilismo. Aos 35 anos, Lewis tem tudo para se tornar o maior campeão da história da F-1, superando as marcas do alemão Michael Schumacher, a quem deverá deixar para trás em número de vitórias, e igualar em número de títulos, ao fim deste ano. Mas, e em 2021? Muito se falou sobre a possibilidade do inglês ir para a Ferrari, com Vettel não estando mais lá, mas a presença de LeClerc, que já demonstrou não ter respeito por seu colega de time tetracampeão, não deixaria de entrar em atrito com o inglês, para defender seu espaço, e portanto, torna-se um indicativo de que o time rosso desistiu de ter o inglês em suas fileiras. Assim como também esfriam as possibilidades de Toto Wolf desligar-se da Mercedes, e assumir as rédeas da Ferrari, na mesma posição que desfruta hoje no time prateado.
Lewis Hamilton, hexacampeão mundial, ainda não renovou seu contrato com a Mercedes para 2021, mas deve ficar onde está, e não tem motivos para reclamar disso.
            Por mais que pairem dúvidas a respeito da continuidade da Mercedes como time completo na F-1, ainda mais por sua entrada na F-E, e a volta da McLaren como time impulsionado pelas unidades de potência alemãs, a escuderia tem tudo para se manter na categoria, e continuar forte e competitivo. A Mercedes já demonstrou que não domina a F-1 apenas por causa das atuais regras técnicas, mas por sua competência e sinergia únicas, mostrando uma eficiência e capacidade como um time coeso e engrenado, tendo conseguido reagir e reassumir a dianteira mesmo quando pressionado nos últimos dois anos, enquanto os rivais acabaram se perdendo entre eles mesmos. A direção firme de Toto Wolf na Mercedes é uma destas razões para a escuderia seguir azeitada e focada em seus objetivos. E, apesar das perspectivas de que possamos ter este ano a temporada mais difícil para a Mercedes ser novamente campeã, lembremo-nos do que vimos na pré-temporada de 2019, quando a Ferrari assustou os rivais nos testes, e depois vimos a Mercedes, que não havia sido tão dominante, ou não parecia tão competitiva quanto em anos anteriores, arrasar com os concorrentes na pista, os quais só foram se encontrar na segunda metade do ano, quando a Mercedes, e principalmente Hamilton, já haviam aberto larga vantagem, difícil de ser recuperada. Alguém aí pode garantir que isso não se repetirá este ano?
            Afinal, sempre se fala das melhorias que Ferrari e Red Bull estão prometendo para disputarem o melhor ano de sempre, mas todos parecem esquecer que os prateados não estão parados, curtindo o inverno europeu que tinge de branco boa parte do Velho Continente. Os trabalhos seguem firmes tanto na Inglaterra quanto na Alemanha, com o projeto não apenas do novo chassi 2020, mas também das unidades de potência, que embora não sejam tão mais potentes quanto as concorrentes atualmente, ainda são as mais eficientes da F-1, e uma peça elaborada à perfeição no complexo projeto técnico que permitiu à marca germânica apresentar o maior período de domínio de um mesmo time na história da categoria máxima do automobilismo até hoje. E isso deve garantir a permanência de Lewis Hamilton, outra peça essencial nesse projeto de domínio, por alguns bons anos em Brackley, sendo a grande aposta do time.
            E assim, não deveremos ver as mudanças de pilotos que muitos gostariam de ver respirarem novos ares em 2021. Se isso vai ser ruim ou pior para a F-1, só saberemos quando campeonato começar. E estamos a um mês dos testes da pré-temporada, e a dois meses da primeira corrida. Façam suas apostas...

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