Durante sua história,
e em seus vários campeonatos e modalidades, o mundo esporte a motor criou
muitos ídolos, pilotos que se destacaram entre seus pares, com maior ou menor
intensidade, arrebatando as torcidas, e ganhando fãs mundo afora. Fãs que
acompanham ou acompanharam as trajetórias de seus ídolos, os quais ficaram
marcados, geralmente, pelas principais categorias em que passaram boa parte de
suas carreiras. E, quando a carreira de um destes ídolos chega ao fim, ou está
perto disso, sempre bate aquele sentimento de tristeza por parte dos fãs, sejam
deles, ou das categorias onde competiram, por mostrar que um ciclo está se
encerrando. A bem da verdade, todo fã gostaria que seu grande ídolo competisse
para sempre, por mais que saibamos que uma hora é preciso parar, e seguir com a
vida, em uma nova fase.
Nem sempre isto é
fácil. Inúmeros pilotos, nos velhos tempos, tinham sua carreira abreviada
devido a motivos bem trágicos, quando a segurança ainda incipiente de seus
carros de competição não conseguiam protege-los a contento de algum acidente
que sofriam ao volante de seus bólidos. De simples desconhecidos a grandes
nomes do esporte, a lista daqueles que podiam ter ido mais longe em suas
carreiras é vasta. Nos dias de hoje, felizmente, estes casos passaram a ser a
exceção, com a imensa maioria dos profissionais da competição em alta
velocidade pendurando seus capacetes por que realmente chegou a hora, ou na
pior das hipóteses, acabaram descartados pelas equipes de competição, ficando
sem ter um time para defenderem. Mas fica o sentimento de perda por parte de
seus fãs, que ficam tristes por não poderem ver mais aquele por que torcem em
novas disputas. Alguns aceitam melhor que outros. Por mais tristes, e às vezes,
até revoltados que fiquemos, temos que respeitar suas decisões, quando resolvem
parar. Já quando ficam sem lugar para correr, mesmo ainda tendo muita
disposição e velocidade para mostrar, bem... Aí o sentimento de frustração e
talvez até raiva, diante do que pode ser por vezes uma tremenda falta de
consideração por parte dos times em relação ao profissional, é mais do que
justificável, mesmo que, no final das contas, nada possamos fazer para mudar a
situação.
E esta semana tivemos
dois anúncios que deixaram muitos fãs das competições do mundo do esporte a
motor griladas. Duas situações que, para muitos, já estavam na hora de chegar
mesmo, diante dos acontecimentos recentes e circunstâncias, que indicavam ser
esse o caminho inevitável, mas que, como esperançosos que somos, sempre
queremos ver esse momento ser adiado um pouco mais, um pouco mais, e assim vai.
Bem, nada é para sempre, e em algum momento, isso realmente aconteceria.
Resta-nos, então, aproveitarmos as últimas oportunidades que teremos para ver
dois grandes nomes da velocidade nas até então últimas provas que eles
competirão, e curti-las o máximo que pudermos, e torcer para que estes dois
grandes pilotos consigam mostrar o talento que os notabilizaram, a fim de terem
despedidas dignas, tanto quanto possível.
Uma delas é de um
brasileiro. Tony Kanaan, aos 45 anos, anunciou que está se despedindo da
Indycar, onde competiu por muitos e muitos anos. O piloto baiano anunciou
oficialmente que disputará apenas as corridas em circuitos ovais do campeonato
deste ano da categoria de monopostos Indy, com destaque para as 500 Milhas de
Indianápolis, no fim de maio. O anúncio já era meio que esperado, diante da
situação catastrófica da equipe de A. J. Foyt, que só andou para trás nos
últimos dois anos, o que ajudou a complicar a situação de seus pilotos. E
Kanaan, o piloto mais veterano presente na pista, acabou arrastado para o fim
do grid, tendo no ano passado um desempenho pífio, diante da falta de
competitividade do time do ex-campeão Anthony Joseph Foyt, sete vezes campeão
da antiga F-Indy. E nada indica que a escuderia tenha melhorado sua condição
técnica para esta temporada, o que indica que a despedida de Tony não deverá
ser como seus fãs gostariam que fosse.
Tony Kanaan, estreando em 1998, na antiga F-Indy, pela equipe Tasman (acima). O piloto disputou as duas últimas temporadas na Indycar pela Foyt (abaixo), com resultados muito abaixo do esperado. |
Aliás, será uma
despedida complicada também por fatores alheios ao controle de Tony, que soube
que seu carro foi “loteado” para o campeonato com mais dois pilotos, a fim de
ser levantada a verba necessária para competir todo o ano, situação ridícula,
mas que dá uma amostra de quanto decaiu a Foyt nos últimos dois anos. Sem ter
paciência para tirar leite de pedra de um time que não lhe deu o merecido
valor, Kanaan optou por disputar somente as corridas em ovais (Indy500, Texas,
Richmond, Iowa e Gateway), onde pode ter condições melhores de disputa. O
brasileiro fez o anúncio em suas redes sociais, e agradeceu o apoio dos fãs em
todos os anos de sua longa carreira, e fez questão de anunciar que ainda não
está se aposentando das pistas. Ele apenas confirmou que esta será sua última
temporada na Indycar, categoria da qual foi campeão em 2004, quando ainda se
chamava Indy Racing League, só não mencionando onde poderá passar a competir.
Mas possivelmente ainda o veremos em Indianápolis, onde poderá participar
esporadicamente da prova, a exemplo do que vem fazendo seu compatriota Hélio
Castro Neves, que nos últimos dois anos tem disputado somente as corridas em
Indianápolis no calendário da Indycar, defendendo atualmente o time de Roger
Penske no campeonato do IMSA Wheather Tech Sportscar, categoria de endurance
dos Estados Unidos. É um possível caminho, onde também já está Matheus Leist,
que nos últimos dois anos foi companheiro de equipe de Kanaan na Foyt, e também
comeu o pão que o diabo amassou na escuderia.
Tony foi um dos muitos
brasileiros que, na década de 1990, resolveu direcionar sua carreira para o
automobilismo norte-americano, onde havia maiores chances de encontrar carros
competitivos do que na Europa. Assim, ele estreou em 1996 na Indy Lights,
categoria de acesso à antiga F-Indy, sendo campeão em 1997, e em 1998,
estreando na antiga Indy, pela equipe Tasman. E mostrando suas credenciais logo
de cara, sendo o novato do ano em 1998, e vencendo sua primeira corrida em
1999. Tony permaneceu na F-Indy até o final de 2002, passando também pelo time de
Morris Nunn, quando acabou contratado por Michael Andretti para defender sua
escuderia na Indy Racing League. E lá foi ele para o outro campeonato, onde já
obteve em 2003 sua primeira vitória, sendo campeão em 2004, e conquistando
muitos admiradores fora, e até dentro da pista, pela sua capacidade técnica e
talento. Infelizmente, não deu para conquistar mais títulos, mas foi
vice-campeão em 2005, e 3º colocado em 2007 e 2008. Dispensado pela Andretti ao
fim de 2010, Tony teve de rebolar para achar um novo time, acabando por fim na
KV, onde fez uma excelente temporada em 2011, terminando o ano em 5º lugar. E
em 2013 teve seu grande momento ao vencer as 500 Milhas de Indianápolis, sendo
mais um brasileiro a conseguir triunfar na Brickyard Line.
Dois momentos antológicos na carreira de Kanaan: Campeão da IRL em 2004 (acima), e vencedor das 500 Milhas de Indianápolis (abaixo) em 2013. |
Contratado pela
Ganassi para 2014, a passagem de Tony pela escuderia foi atribulada e cheia de
percalços, que resultou na sua dispensa ao fim de 2017, com resultados aquém do
que ele esperava obter. De ponto positivo, sua última vitória na competição, em
Fontana, no encerramento da temporada. Indo para a Foyt, as expectativas eram
mais modestas em termos de resultados, mas o time, que iniciou uma
reestruturação em sua nova parceria com a Chevrolet, se perdeu no
desenvolvimento de seus carros, arrastando seus pilotos para o fundo do grid,
de onde raramente conseguiram sair. Foram duas temporadas onde Kanaan teve
poucas satisfações e muitas decepções. Seu último pódio, em Gateway, no ano
passado, depois de uma corrida louca na parte final da prova, apenas demonstrou
que ele conserva seu grande talento e capacidade ainda intactos, faltando
apenas um carro decente para mostrar o que sabe.
E esperemos que Tony
tenha ao menos um carro decente para suas últimas participações na Indycar. A
ausência do brasileiro pode complicar os planos da RedeTV, que estaria tentando
negociar a transmissão da categoria, depois do fim do contrato com a
Bandeirantes, que não foi renovado. Sem um piloto nacional, pode ser mais
complicado emplacar na audiência como a emissora esperava. De qualquer modo,
por enquanto, resta aos fãs nacionais a opção de acompanhar as corridas da
Indycar pela plataforma de streaming DAZN, que já garantiu a manutenção da
categoria em seu leque de opções para 2020.
O outro comunicado
ainda não é bem uma despedida, mas chega perto. A equipe oficial da Yamaha na
MotoGP anunciou esta semana que sua dupla titular para a temporada de 2021 será
composta por Maverick Viñales, e Fabio Quartararo, piloto que foi uma das
sensações da classe rainha do motociclismo na temporada passada, competindo
pela equipe satélite SRT, usando a moto da marca dos três diapasões. E isso
significa que Valentino Rossi, o “Doutor”, está fora do time, e da MotoGP? Sim,
e também não.
A equipe Yamaha tratou
de se garantir, uma vez que sua nova estrela, Quartararo, estava sendo
assediado por competidores rivais, e quis garantir os préstimos do garoto para
si. E como Lin Jarvis já havia dito em momento recente que Rossi não fazia
parte do futuro da escuderia, bem... Eis que o piloto mais carismático da categoria,
e um dos maiores nomes do motociclismo de todos os tempos, ficou sem lugar no
time principal da marca dos três diapasões. Não há como negar que, acima dos 40
anos, muitos competidores já teriam pendurado o capacete, mas não é o caso de
Rossi. Ele ainda ama competir, mas os últimos dois anos foram complicados em
termos de resultados. Com uma moto que não se mostrou competitiva frente às
rivais Honda e Ducati, e em alguns momentos, até mesmo frente às Suzuki, Rossi
pelejou para se manter no pelotão da frente. E em alguns momentos, ele até
conseguiu ser o melhor piloto da Yamaha na pista, mas conforme a temporada
avançava, ele acabou superado por alguns outros pilotos, fazendo todos pensarem
seriamente se já não é o momento do “Doutor” pendurar o jaleco (capacete) e
deixar as competições.
Por outro lado, Rossi
ainda quer mostrar o que pode fazer, e demonstra uma paixão incomum pela
competição, enfrentando oponentes com praticamente metade de sua idade, e ainda
se mostrando forte na pista, se tiver um equipamento pelo menos competitivo.
Por isso, sua indefinição sobre a temporada do ano que vem, o que o levou a
pedir um tempo para a Yamaha, para poder decidir seu destino. Mas a marca
japonesa preferiu jogar no seguro, e garantir sua dupla o quanto antes. Mas, do
mesmo modo, e para não ser injusta com o histórico de Rossi no time, acenou com
a proposta de Valentino competir pela SRT, seu time satélite, onde Quartararo
competiu no ano passado, e em onde em vários momentos andou até melhor do que
os pilotos do time oficial de fábrica. Poderia ser um rebaixamento, para um
time menos competitivo, mas a Yamaha já disse que, em caso positivo, o italiano
terá à sua disposição uma moto atual de fábrica, e igual apoio técnico do time
oficial, além de um salário de campeão. Ou, simplificando, Rossi terá na SRT o
mesmo tratamento e recursos que tem hoje na Yamaha oficial.
Valentino, contudo,
ainda quer pensar a respeito. Ele quer sentir se a Yamaha vai recuperar sua
competitividade, e para conferir isso, só quando o campeonato começar, e
disputar as primeiras corridas. Se ele sentir o potencial para voltar a
disputar vitórias, certamente poderá seguir na pista por mais um ou dois anos,
conforme se sentir seguro para isso. Haverá também menos pressão e cobrança, de
modo que Valentino poderá ter um pouco mais de tranquilidade para buscar os
melhores resultados possíveis. E isso torna a temporada 2020 da MotoGP
imperdível para a imensa legião de fãs do “46”, que terão talvez as últimas
oportunidades de vê-lo em ação nas pistas, caso o “Doutor” acabe optando por
pendurar o capacete realmente. E claro, que possa fazer uma temporada que, se
for sua última na pista, seja decente, de acordo com sua longa e vitoriosa
história no motociclismo.
Uma história que
começou bem lá atrás, em 1996, quando Valentino estreou na categoria 125cc
(hoje Moto3), competindo pela Aprilia, time pelo qual conquistaria o título no
ano seguinte, antes de seguir para a 250cc (hoje Moto2), pela mesma marca, onde
já foi vice-campeão logo de cara, em 1998, e campeão em 1999. A estréia na
classe rainha, ainda chamada de 500cc, foi em 2000, pela Honda, e foi
vice-campeão logo em sua primeira temporada. Mas o “Doutor”, apelido pelo qual
passou a ser conhecido segundo alguns pela precisão “cirúrgica” de seu estilo
de pilotagem, entre outras histórias, como pelo fato de seu sobrenome ser comum
entre médicos italianos, ou por ser formado. E o “Doutor” arrasou então na
classe principal, sendo pentacampeão por cinco anos consecutivos, entre 2001 e
2005 (os três primeiros pela Honda, e os dois últimos pela Yamaha). Ele foi
derrotado em 2006 por Nick Hayden, da Honda, por pouco, e teve um ano um pouco
mais difícil em 2007, mas voltaria a ser campeão em 2008 e 2009, atingindo o
heptacampeonato na agora MotoGP, além dos dois títulos conquistados nas
categorias de acesso.
Acabou aceitando um
desafio na Ducati em 2011 e 2012 que não deu bons resultados, antes de retornar
à Yamaha em 2013. Mas tratou de reinventar-se para mostrar que ainda era muito
competitivo, e só não foi campeão novamente porque surgiu o fenômeno Marc
Márquez, tendo sido vice-campeão por três anos consecutivos, entre 2014
(Márquez campeão), 2015 (Jorge Lorenzo foi o campeão), e 2016 (Márquez
novamente campeão). Valentino mostrou que ainda tinha muita lenha para queimar,
e em 2018, com uma Yamaha que padeceu no campeonato, ainda foi o 3º colocado.
No ano passado, com vários problemas e um comportamento difícil da M1, terminou
o ano em 7º lugar, situação que não vivia desde que defendeu a Ducati.
Não se pode culpar a
Yamaha por querer garantir o melhor para seu time oficial diante das
necessidades e oportunidades da competição, que sempre é acirrada. Mas a marca
japonesa também soube respeitar o legado e o histórico de Rossi no time, e está
lhe dando uma saída não apenas honrosa do time oficial, mas lhe dando todas as
condições possíveis para que continue dando o melhor de si em seu time
satélite, onde certamente terá todas as atenções voltadas para si, o que não
teria no time principal, que em nome da competição, precisa olhar para seus
dois pilotos. Na SRT Valentino também poderia impor melhor suas opiniões, que
nos últimos tempos andaram sendo um pouco ignoradas na Yamaha oficial, o que
poderia ter contribuído para a fase difícil do time, ao não ouvir as opiniões
de seu grande nome no grid. E, apesar da temporada magra de resultados em 2019,
não dá para descartar que, com um equipamento que responda às suas
solicitações, Valentino ainda pode ter o que demonstrar. Talvez seja demais
pensar em ser campeão, haja visto como Marc Márquez caminha a passos firmes
para superar até mesmo seus números, mas talvez voltar a frequentar o pódio, e
até brigar por vitórias, poderia ao menos oferecer a Rossi uma despedida mais
digna das competições, antes de se retirar do grid. Seu nome ainda arrasta
multidões às pistas da MotoGP em todo o mundo, e isso mostra o quanto ele é
querido e admirado pelos fãs do esporte.
Que estes fãs possam
aproveitar da melhor maneira as corridas de seu grande ídolo nesta temporada,
no caso de ser a última de Rossi, e que ele possa ao menor despedir-se como o
grande campeão que é e foi na história do motociclismo...