sexta-feira, 23 de agosto de 2019

RESPEITO E BRIO

Batida logo na primeira volta das 500 Milhas de Pocono eliminou 5 carros e desencadeou várias críticas contra o circuito, que no ano passado, também foi palco de um acidente forte que deixou Robert Wickens paraplégico (abaixo).

            Na segunda prova de 500 milhas do campeonato da Indycar em 2019, assistimos a um “big one” logo na largada da corrida, que tirou de combate 5 dos 22 competidores da prova, que poderiam ter ajudado a oferecer um bom espetáculo de disputa, mas que viram seu fim de semana terminar antes da hora. Ao menos, tirando os carros quebrados, que deram um trabalho extra para os mecânicos de todas as equipes envolvidas na confusão, já que hoje todo mundo volta à pista para mais uma corrida, todo mundo saiu ileso das pancadas. O problema é que começou depois uma discussão, legítima até, sobre a segurança do circuito de Pocono, com muitos deles crucificando a pista, e até exigindo sua retirada. Sobrou até para a Indycar como categoria, com Felipe Massa mais uma vez questionando o nível de segurança do certame.
            Takuma Sato, causador da batida, logo foi novamente rebaixado ao já conhecido clichê dos “barbeiros japoneses” no automobilismo, pelo qual foram conhecidos seus compatriotas que competiram antes dele em campeonatos TOP mundo afora, quando eram mais vistos pelas estripulias do que pelo talento ao volante. OK, Takuma fez besteira, mas dali a rebaixar o cara à categoria de kamikaze ambulante já é um pouco exagerado, pois Sato tem um belo currículo, e não é tão propenso a barbeiragens quanto alguns outros pilotos. Tanto que a Rahal/Letterman/Lannigan, time de Takuma, saiu em sua defesa, classificando a confusão como “acidente de corrida”, afirmando que sua telemetria não informou que Sato virou a direção do carro abruptamente como pareceu, dando a entender que o bólido teve alguma instabilidade que o fez tocar em Alexander Rossi, e dando início à hecatombe de acidentes que vitimou também Ryan Hunter-Reay, Felix Rosenqvist, e James Hinchliffe.
            Sobre “rifar” Pocono, acho um exagero. A pista é um superspeedway, e todo mundo sabe que neste tipo de circuito, as velocidades são altíssimas, de modo que um acidente, por mais precavida que seja a pista em questão de segurança, sempre pode resultar em algo potencialmente pior do que em outras pistas. O problema é que o retrospecto recente do circuito não ajuda: tivemos lá o acidente com o pneu que atingiu Justin Wilson, causando-lhe ferimentos fatais, no ano de 2015. E, no ano passado, em outro acidente bem forte, Robert Wickens acabou seriamente ferido, ficando paraplégico. Isso exige atenção à pista, para se ver o que pode ser feito para, se não evitar, amenizar as consequências de acidentes na pista.
            A própria Nascar, quando incluiu Pocono em seu calendário, já alertara que os muros externos de proteção eram mais baixos do que costumavam encontrar em outras pistas, e quando tivemos a disputas de carros fórmulas, como os Indycars, pelo que vimos tanto no ano passado quanto este ano, realmente é preciso fazer algo a respeito. Apenas “banir” a pista do calendário é algo exagerado, só por causa dos acidentes. Fosse este o motivo, Indianápolis deveria ser desintegrada e apagada dos livros de história, pois em mais de um século de competições, viu inúmeros acidentes e mortes durante treinos e corridas das 500 Milhas. A “tradição” da Indy500 faz muita diferença, não é? Mas me lembro de algumas corridas que tiveram inúmeros acidentes, e ninguém saiu cuspindo cobras e lagartos contra a pista por causa disso.
Nas 500 Milhas de Daytona deste ano, no campeonato da Nascar, houve uma batida múltipla que envolveu 21 carros. Vamos eliminar a pista por causa deste acidente monstruoso? "Big Ones" costumam ser comuns em várias corridas da Stock Car americana, mas ninguém sai execrando as pistas por causa disso.
            O que não significa que não se deva tomar providências para melhorar a segurança da pista. E aumentar a altura dos muros, bem como reforçar e replanejar as grades seriam bons começos. Chamar a pista de “Triângulo da Morte” é um grande exagero, se formos considerar o histórico geral do circuito. Mas também é preciso analisar com cuidado as críticas proferidas contra a pista, que por seu desenho peculiar, oferece um desafio de pilotagem diferente de superovais como Michigan ou Indianápolis.
            Em geral, pilotos que sofreram fortes acidentes em suas carreiras são bem propensos a “condenar” algumas pistas, ou criticar algumas das medidas de segurança, exigindo melhorias, mesmo que tudo já esteja OK. Robert Wickens, pelo trauma sofrido no ano passado, que o colocou em uma longa recuperação, que prossegue até hoje, tem suas razões para críticas, mas seria leviano dizer que faz isso só porque sofreu um acidente. Da mesma forma, pilotos como Felipe Massa tem sua autoridade para discutir, criticar e questionar a situação, por ser um piloto que sabe o que é vivenciar o lado de dentro de uma corrida, e tendo sofrido um grave acidente na Hungria, em 2009, que por pouco não encerrou sua carreira, embora para muitos, Felipe nunca mais tenha sido o piloto aguerrido que era depois daquele momento. Para alguns, estes pilotos “amoleceram” depois da pancada, e que não são mais pilotos “de verdade”. Tal crítica faz sentido, mas é leviano ver as coisas desta maneira, porque só quem passou por um forte acidente sabe como são os percalços e a dor e sofrimento que pode ter de enfrentar. Alguns acabam sucumbindo nesta experiência, outros não. Depende de cada um. E respeitar a decisão que cada um toma a respeito.
            Afinal, se após um forte acidente, algum piloto sentir medo, ou ver que não tem mais condições de fazer seu trabalho no nível e limite que alcançava antes, nada mais honesto que admitir isso, e puxar o carro. É a vida dele, e ele tem todo o direito de tomar tal decisão. Mas há aqueles que, apesar de ficarem realmente abalados com seus acidentes, mostram ter um brio acima do normal, e voltam à pista. Para alguns, é uma demonstração de que o cara é “macho”, e não um “covarde” ou “maricas”. Pode até ser, mas para muitos, é para tentar superar o medo que ameaça tomar conta deles depois de um acidente. Gerhard Berger mesmo admitiu, após o acidente que sofreu em Ímola em 1989, quando bateu na curva Tamburello, e sua Ferrari pegou fogo, com ele ainda dentro do carro, que se não voltasse logo para a pista, talvez nunca mais conseguisse retomar sua carreira. É vencer e/ou superar um obstáculo que pode comprometer sua autoconfiança, não apenas como piloto, mas muitas vezes como pessoa. Há quem consiga superar isso com facilidade, outros levam mais tempo, e sempre tem algumas sequelas. E tem aqueles que não conseguem.
Scott Dixon sofreu um pavoroso acidente na Indy500 de 2017. Indianápolis já viu vários pilotos perderam a vida em seu traçado oval. Vamos banir a pista também? Em 2012, Will Power e Mike Conway (abaixo) se envolveram em outro acidente forte na prova.
            Nélson Piquet sentiu isso quando bateu na mesma curva Tamburello em 1987, e teve de se adaptar para continuar competindo, admitindo, anos depois, que nunca mais foi o mesmo. Ele não deixou de ser rápido, mas seu limite caiu um pouco. Mesmo assim, ele seguiu em frente, e também deu a volta por cima após o acidente sofrido nos treinos para a Indy500 em 1992, onde quebrou as pernas, para voltar ao circuito no ano seguinte, e vencer seus medos e inseguranças.
            Hoje, com as preocupações com segurança, muitos pilotos parecem ter uma postura demasiado avessa ao risco, ou até mesmo “covarde”, para usar um termo mais forte, por fazerem mimimis de toques em disputas de posições, pilotar em piso molhado, enroscar-se com algum outro piloto, e outras situações de risco mais potencial. Mario Andretti, reconhecido mito do automobilismo, campeão da antiga Indy e da Fórmula 1, resumiu tudo ao afirmar que a pista de Pocono “não é para maricas”, ao querer dizer que os pilotos sempre tem que levar em consideração os perigos inerentes do esporte que estão praticando, e não reclamarem quando quebram a unha.
            E olhe que Mario tem história para contar, em especial nos anos 1970, quando a Fórmula 1 viu vários pilotos perderem suas vidas, e ele próprio também andou sofrendo alguns acidentes perigosos. Para alguns, Mario é uma “relíquia”, que deveria saber que seu tempo foi outro, e que coisas que eram “aceitáveis” naquele tempo são consideradas intoleráveis hoje em dia. Errado. Desde que foi dada a primeira largada, as corridas eram e continuam sendo uma atividade de risco. Como Mario lembrou, entrar em superoval naqueles tempos era ter consciência de que, no pior caso, poderia não voltar mais para casa. Era um risco assumido por todos, o que não significa que morrer era algo que se aceitava, como alguns dão a entender. Era apenas a constatação dos riscos envolvendo o esporte. E sempre se batalhou pela segurança. Talvez muitos pilotos hoje, acostumados com tamanha proteção que os cockpits atuais oferecem, passem a achar que correr riscos é algo totalmente insano e inaceitável. Mesmo com a tecnologia atual, acidentes sempre poderão ocorrer, e dependendo das circunstâncias, tudo o que não poderia acontecer pode ocorrer, e resultar em uma tragédia.
            Mas, por causa desse risco, deve-se deixar de competir? Deve-se acabar com as corridas, como a Suíça fez por décadas, depois do desastre visto em Le Mans em 1955? Não. Deve-se, claro, tomar as devidas precauções para tentar evitar que alguns riscos assumam proporções maiores do que o normal. Os muros com barreiras softwall, por exemplo, ajudaram a minimizar os efeitos das batidas dos carros em alta velocidade, nos circuitos ovais. O que não significa que, num lance azarado, uma batida não possa causar um acidente horroroso, ou até a morte de um piloto. Os riscos sempre existirão. Por isso mesmo, deve imperar entre os pilotos uma relação de respeito e de brio. Respeito para com a integridade de seu competidor, não pilotando de forma irresponsável, da mesma forma que seus rivais esperam que você se conduza dentro da pista. E brio para não perder a cabeça e a concentração no meio da corrida, sabendo reagir a um imprevisto, para evitar um incidente ou acidente, ou minimizar suas consequências da melhor maneira que puder.
            E é preciso também ter respeito pelos circuitos. Alguns pilotos precisam aprender que certas pistas possuem seus limites, e nem sempre alguns pilotos tem consideração por estes limites, o que pode levar a sofrer acidentes que de alguma maneira poderiam, se não serem evitados, minimizados. É preciso mudar a postura com que alguns pilotos encaram algumas pistas. Mas os próprios pilotos também precisam aprender que o excesso de segurança nos carros não pode leva-los a achar que os riscos deixaram de existir. Ou pior, que riscos não podem existir mais, em hipótese alguma. E não são apenas pilotos, considerados “frescos” ou “medrosos” por muitos, que tem tal atitude. Alguns fãs também embarcam nessa, como que numa cruzada para acabar com todo o risco que o esporte a motor oferece, sob a justificativa que morte ou ferimento nenhum vale a pena arriscar haver no esporte. Em tese, não deveria haver mesmo. Mas é a emoção do desafio, de superar limites, que tornam os esportistas pessoas diferenciadas. E a capacidade de encarar riscos que normalmente as pessoas não enfrentariam, é o que os torna dignos de serem idolatrados e respeitados, por conseguirem ir aonde pessoas comuns não conseguem ir. Que graça teria se todo mundo que sentasse em um carro de corridas conseguisse andar como Ayrton Senna?
            Se o negócio é acabar com os riscos, vamos estender isso a outros esportes. Que tal obrigar os jogadores de futebol a usarem os uniformes de proteção dos jogadores do futebol americano? Capacetes, ombreiras, peitorais... Ah, e vamos colocar também cotoveleiras... E se ao invés de chuteiras, eles terem de usar botas de cano até o joelho, com proteções também para a parte de cima das pernas. Afinal, levar uma bolada na cara, no peito, ou nas costas pode ser perigoso... E botas com proteção poderiam evitar os riscos envolvidos em divididas, carrinhos, e etc. Tudo porque se machucar não é mais aceitável, e deve ser abolido. Como se os jogadores de futebol entrassem em campo para se machucar, e não para disputar. Mas existe o risco de sofrerem lesões, e isso não pode ser ignorado, e nem tampar o sol com a peneira, mas se conviver com isso, sempre tomando cuidado para evitar o pior, e não descendo críticas mimizentas como se o esporte fosse um pau de arara onde os praticantes são potenciais suicidas.
            De minha parte, Pocono deve se manter no calendário, para termos outra prova de 500 Milhas no campeonato da Indycar. É uma pista que desafia os pilotos, que tem de driblar suas adversidades. Não é por acaso que os pilotos mais bem sucedidos se posicionaram contra a exclusão do circuito. Eles conseguiram “domar” Pocono, ou respeitar suas particularidades. Sinto saudades da antiga Indy, quando tínhamos a “Tríplice Coroa”, que eram as provas de 500 milhas da competição, formadas na época por Indianápolis, Michigan, e Pocono. Davam um charme ao calendário. E não adianta falar que o mundo era diferente. Andar a 350 Km/h ainda é essencialmente a mesma coisa, e deve ser encarado pelos pilotos. Quem não quiser correr os riscos de ser piloto, que fique em casa, como dizia Nélson Piquet. Não é desafiar o perigo de forma irresponsável e descabida, mas de forma profissional, com respeito ao que se pode fazer ou não dentro da pista, aceitar seus limites, e principalmente seus riscos.
            Infelizmente, há outro fator que conspira para a saída de Pocono do calendário da Indycar, que é o público presente na corrida, que ainda é baixo. Houve um aumento neste ano, mas isso não significa garantia da prova se manter para 2020. Mas seria bom Pocono ficar, e se fizerem melhorias nos muros e alambrados, além de algumas outras providências, com certeza o circuito melhoraria suas condições de segurança, podendo oferecer uma melhor estrutura para o que uma prova de 500 milhas de fato merece.


Os times da Indycar não tiveram folga esta semana, e hoje, todos os pilotos estão de volta à pista para a prova de Gateway, última pista oval da temporada. Josef Newgarden ganhou uma folga na pontuação com o abandono de Alexander Rossi logo na primeira volta da corrida em Pocono, mas o piloto da Penske não pode baixar a guarda. Além da corrida deste final de semana, ainda teremos a prova de Portland e Laguna Seca, ambas em circuitos mistos, mas com Laguna Seca tendo pontuação dobrada por ser o encerramento do calendário, deixa tudo ainda em aberto na luta pelo título, especialmente entre Newgarden e Rossi, e com Simon Pagenaud e Scott Dixon se aproximando para tentar a sorte como prováveis azarões. A corrida será disputada amanha à noite, com transmissão ao vivo a partir das 21:40 Hrs., pelo canal pago Bandsports.


E a MotoGP está de volta a Silverstone, para o GP da Grã-Bretanha, que será disputado neste final de semana. No ano passado, toda a categoria reclamou do novo piso da pista inglesa, cheio de ondulações, que transformou a pilotagem em uma complicação só, que só piorou com a presença da chuva, que atormentou a classe rainha e suas categorias de acesso no final de semana, acabando por provocar o cancelamento da prova da MotoGP no domingo, em virtude das condições impraticáveis da pista, que ficou encharcada, e sem oferecer as mínimas condições de segurança para uma corrida de motos. O circuito foi novamente recapeado, e segundo o pessoal da Fórmula 1, que já experimentou o novo asfalto, as ondulações diminuíram bastante. Resta saber se terá sido bom o suficiente para corrigir totalmente o erro cometido pela implantação do piso anterior. E, claro, vamos torcer para São Pedro não estar montando acampamento à beira do circuito neste final de semana, só por garantia... O canal pago SporTV2 exibirá a corrida ao vivo no domingo, a partir das 9:00 Hrs.

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