Na segunda prova de
500 milhas do campeonato da Indycar em 2019, assistimos a um “big one” logo na
largada da corrida, que tirou de combate 5 dos 22 competidores da prova, que
poderiam ter ajudado a oferecer um bom espetáculo de disputa, mas que viram seu
fim de semana terminar antes da hora. Ao menos, tirando os carros quebrados,
que deram um trabalho extra para os mecânicos de todas as equipes envolvidas na
confusão, já que hoje todo mundo volta à pista para mais uma corrida, todo
mundo saiu ileso das pancadas. O problema é que começou depois uma discussão,
legítima até, sobre a segurança do circuito de Pocono, com muitos deles
crucificando a pista, e até exigindo sua retirada. Sobrou até para a Indycar
como categoria, com Felipe Massa mais uma vez questionando o nível de segurança
do certame.
Takuma Sato, causador
da batida, logo foi novamente rebaixado ao já conhecido clichê dos “barbeiros
japoneses” no automobilismo, pelo qual foram conhecidos seus compatriotas que
competiram antes dele em campeonatos TOP mundo afora, quando eram mais vistos
pelas estripulias do que pelo talento ao volante. OK, Takuma fez besteira, mas
dali a rebaixar o cara à categoria de kamikaze ambulante já é um pouco
exagerado, pois Sato tem um belo currículo, e não é tão propenso a barbeiragens
quanto alguns outros pilotos. Tanto que a Rahal/Letterman/Lannigan, time de
Takuma, saiu em sua defesa, classificando a confusão como “acidente de
corrida”, afirmando que sua telemetria não informou que Sato virou a direção do
carro abruptamente como pareceu, dando a entender que o bólido teve alguma
instabilidade que o fez tocar em Alexander Rossi, e dando início à hecatombe de
acidentes que vitimou também Ryan Hunter-Reay, Felix Rosenqvist, e James
Hinchliffe.
Sobre “rifar” Pocono,
acho um exagero. A pista é um superspeedway, e todo mundo sabe que neste tipo
de circuito, as velocidades são altíssimas, de modo que um acidente, por mais
precavida que seja a pista em questão de segurança, sempre pode resultar em
algo potencialmente pior do que em outras pistas. O problema é que o
retrospecto recente do circuito não ajuda: tivemos lá o acidente com o pneu que
atingiu Justin Wilson, causando-lhe ferimentos fatais, no ano de 2015. E, no
ano passado, em outro acidente bem forte, Robert Wickens acabou seriamente
ferido, ficando paraplégico. Isso exige atenção à pista, para se ver o que pode
ser feito para, se não evitar, amenizar as consequências de acidentes na pista.
A própria Nascar,
quando incluiu Pocono em seu calendário, já alertara que os muros externos de
proteção eram mais baixos do que costumavam encontrar em outras pistas, e
quando tivemos a disputas de carros fórmulas, como os Indycars, pelo que vimos
tanto no ano passado quanto este ano, realmente é preciso fazer algo a
respeito. Apenas “banir” a pista do calendário é algo exagerado, só por causa
dos acidentes. Fosse este o motivo, Indianápolis deveria ser desintegrada e
apagada dos livros de história, pois em mais de um século de competições, viu
inúmeros acidentes e mortes durante treinos e corridas das 500 Milhas. A
“tradição” da Indy500 faz muita diferença, não é? Mas me lembro de algumas
corridas que tiveram inúmeros acidentes, e ninguém saiu cuspindo cobras e
lagartos contra a pista por causa disso.
O que não significa
que não se deva tomar providências para melhorar a segurança da pista. E
aumentar a altura dos muros, bem como reforçar e replanejar as grades seriam
bons começos. Chamar a pista de “Triângulo da Morte” é um grande exagero, se
formos considerar o histórico geral do circuito. Mas também é preciso analisar
com cuidado as críticas proferidas contra a pista, que por seu desenho
peculiar, oferece um desafio de pilotagem diferente de superovais como Michigan
ou Indianápolis.
Em geral, pilotos que
sofreram fortes acidentes em suas carreiras são bem propensos a “condenar”
algumas pistas, ou criticar algumas das medidas de segurança, exigindo
melhorias, mesmo que tudo já esteja OK. Robert Wickens, pelo trauma sofrido no
ano passado, que o colocou em uma longa recuperação, que prossegue até hoje,
tem suas razões para críticas, mas seria leviano dizer que faz isso só porque
sofreu um acidente. Da mesma forma, pilotos como Felipe Massa tem sua
autoridade para discutir, criticar e questionar a situação, por ser um piloto
que sabe o que é vivenciar o lado de dentro de uma corrida, e tendo sofrido um
grave acidente na Hungria, em 2009, que por pouco não encerrou sua carreira,
embora para muitos, Felipe nunca mais tenha sido o piloto aguerrido que era
depois daquele momento. Para alguns, estes pilotos “amoleceram” depois da
pancada, e que não são mais pilotos “de verdade”. Tal crítica faz sentido, mas
é leviano ver as coisas desta maneira, porque só quem passou por um forte
acidente sabe como são os percalços e a dor e sofrimento que pode ter de
enfrentar. Alguns acabam sucumbindo nesta experiência, outros não. Depende de
cada um. E respeitar a decisão que cada um toma a respeito.
Afinal, se após um
forte acidente, algum piloto sentir medo, ou ver que não tem mais condições de
fazer seu trabalho no nível e limite que alcançava antes, nada mais honesto que
admitir isso, e puxar o carro. É a vida dele, e ele tem todo o direito de tomar
tal decisão. Mas há aqueles que, apesar de ficarem realmente abalados com seus
acidentes, mostram ter um brio acima do normal, e voltam à pista. Para alguns,
é uma demonstração de que o cara é “macho”, e não um “covarde” ou “maricas”. Pode
até ser, mas para muitos, é para tentar superar o medo que ameaça tomar conta
deles depois de um acidente. Gerhard Berger mesmo admitiu, após o acidente que
sofreu em Ímola em 1989, quando bateu na curva Tamburello, e sua Ferrari pegou
fogo, com ele ainda dentro do carro, que se não voltasse logo para a pista,
talvez nunca mais conseguisse retomar sua carreira. É vencer e/ou superar um
obstáculo que pode comprometer sua autoconfiança, não apenas como piloto, mas
muitas vezes como pessoa. Há quem consiga superar isso com facilidade, outros
levam mais tempo, e sempre tem algumas sequelas. E tem aqueles que não
conseguem.
Nélson Piquet sentiu
isso quando bateu na mesma curva Tamburello em 1987, e teve de se adaptar para
continuar competindo, admitindo, anos depois, que nunca mais foi o mesmo. Ele
não deixou de ser rápido, mas seu limite caiu um pouco. Mesmo assim, ele seguiu
em frente, e também deu a volta por cima após o acidente sofrido nos treinos
para a Indy500 em 1992, onde quebrou as pernas, para voltar ao circuito no ano
seguinte, e vencer seus medos e inseguranças.
Hoje, com as
preocupações com segurança, muitos pilotos parecem ter uma postura demasiado
avessa ao risco, ou até mesmo “covarde”, para usar um termo mais forte, por
fazerem mimimis de toques em disputas de posições, pilotar em piso molhado,
enroscar-se com algum outro piloto, e outras situações de risco mais potencial.
Mario Andretti, reconhecido mito do automobilismo, campeão da antiga Indy e da
Fórmula 1, resumiu tudo ao afirmar que a pista de Pocono “não é para maricas”,
ao querer dizer que os pilotos sempre tem que levar em consideração os perigos
inerentes do esporte que estão praticando, e não reclamarem quando quebram a
unha.
E olhe que Mario tem
história para contar, em especial nos anos 1970, quando a Fórmula 1 viu vários
pilotos perderem suas vidas, e ele próprio também andou sofrendo alguns
acidentes perigosos. Para alguns, Mario é uma “relíquia”, que deveria saber que
seu tempo foi outro, e que coisas que eram “aceitáveis” naquele tempo são
consideradas intoleráveis hoje em dia. Errado. Desde que foi dada a primeira
largada, as corridas eram e continuam sendo uma atividade de risco. Como Mario
lembrou, entrar em superoval naqueles tempos era ter consciência de que, no
pior caso, poderia não voltar mais para casa. Era um risco assumido por todos,
o que não significa que morrer era algo que se aceitava, como alguns dão a
entender. Era apenas a constatação dos riscos envolvendo o esporte. E sempre se
batalhou pela segurança. Talvez muitos pilotos hoje, acostumados com tamanha
proteção que os cockpits atuais oferecem, passem a achar que correr riscos é
algo totalmente insano e inaceitável. Mesmo com a tecnologia atual, acidentes
sempre poderão ocorrer, e dependendo das circunstâncias, tudo o que não poderia
acontecer pode ocorrer, e resultar em uma tragédia.
Mas, por causa desse
risco, deve-se deixar de competir? Deve-se acabar com as corridas, como a Suíça
fez por décadas, depois do desastre visto em Le Mans em 1955? Não. Deve-se,
claro, tomar as devidas precauções para tentar evitar que alguns riscos assumam
proporções maiores do que o normal. Os muros com barreiras softwall, por
exemplo, ajudaram a minimizar os efeitos das batidas dos carros em alta
velocidade, nos circuitos ovais. O que não significa que, num lance azarado,
uma batida não possa causar um acidente horroroso, ou até a morte de um piloto.
Os riscos sempre existirão. Por isso mesmo, deve imperar entre os pilotos uma relação
de respeito e de brio. Respeito para com a integridade de seu competidor, não
pilotando de forma irresponsável, da mesma forma que seus rivais esperam que
você se conduza dentro da pista. E brio para não perder a cabeça e a
concentração no meio da corrida, sabendo reagir a um imprevisto, para evitar um
incidente ou acidente, ou minimizar suas consequências da melhor maneira que
puder.
E é preciso também ter
respeito pelos circuitos. Alguns pilotos precisam aprender que certas pistas
possuem seus limites, e nem sempre alguns pilotos tem consideração por estes
limites, o que pode levar a sofrer acidentes que de alguma maneira poderiam, se
não serem evitados, minimizados. É preciso mudar a postura com que alguns
pilotos encaram algumas pistas. Mas os próprios pilotos também precisam
aprender que o excesso de segurança nos carros não pode leva-los a achar que os
riscos deixaram de existir. Ou pior, que riscos não podem existir mais, em
hipótese alguma. E não são apenas pilotos, considerados “frescos” ou “medrosos”
por muitos, que tem tal atitude. Alguns fãs também embarcam nessa, como que
numa cruzada para acabar com todo o risco que o esporte a motor oferece, sob a
justificativa que morte ou ferimento nenhum vale a pena arriscar haver no
esporte. Em tese, não deveria haver mesmo. Mas é a emoção do desafio, de
superar limites, que tornam os esportistas pessoas diferenciadas. E a
capacidade de encarar riscos que normalmente as pessoas não enfrentariam, é o
que os torna dignos de serem idolatrados e respeitados, por conseguirem ir
aonde pessoas comuns não conseguem ir. Que graça teria se todo mundo que
sentasse em um carro de corridas conseguisse andar como Ayrton Senna?
Se o negócio é acabar
com os riscos, vamos estender isso a outros esportes. Que tal obrigar os
jogadores de futebol a usarem os uniformes de proteção dos jogadores do futebol
americano? Capacetes, ombreiras, peitorais... Ah, e vamos colocar também
cotoveleiras... E se ao invés de chuteiras, eles terem de usar botas de cano
até o joelho, com proteções também para a parte de cima das pernas. Afinal,
levar uma bolada na cara, no peito, ou nas costas pode ser perigoso... E botas
com proteção poderiam evitar os riscos envolvidos em divididas, carrinhos, e
etc. Tudo porque se machucar não é mais aceitável, e deve ser abolido. Como se
os jogadores de futebol entrassem em campo para se machucar, e não para
disputar. Mas existe o risco de sofrerem lesões, e isso não pode ser ignorado,
e nem tampar o sol com a peneira, mas se conviver com isso, sempre tomando
cuidado para evitar o pior, e não descendo críticas mimizentas como se o
esporte fosse um pau de arara onde os praticantes são potenciais suicidas.
De minha parte, Pocono
deve se manter no calendário, para termos outra prova de 500 Milhas no campeonato
da Indycar. É uma pista que desafia os pilotos, que tem de driblar suas
adversidades. Não é por acaso que os pilotos mais bem sucedidos se posicionaram
contra a exclusão do circuito. Eles conseguiram “domar” Pocono, ou respeitar
suas particularidades. Sinto saudades da antiga Indy, quando tínhamos a
“Tríplice Coroa”, que eram as provas de 500 milhas da competição, formadas na
época por Indianápolis, Michigan, e Pocono. Davam um charme ao calendário. E
não adianta falar que o mundo era diferente. Andar a 350 Km/h ainda é
essencialmente a mesma coisa, e deve ser encarado pelos pilotos. Quem não
quiser correr os riscos de ser piloto, que fique em casa, como dizia Nélson
Piquet. Não é desafiar o perigo de forma irresponsável e descabida, mas de
forma profissional, com respeito ao que se pode fazer ou não dentro da pista,
aceitar seus limites, e principalmente seus riscos.
Infelizmente, há outro
fator que conspira para a saída de Pocono do calendário da Indycar, que é o
público presente na corrida, que ainda é baixo. Houve um aumento neste ano, mas
isso não significa garantia da prova se manter para 2020. Mas seria bom Pocono
ficar, e se fizerem melhorias nos muros e alambrados, além de algumas outras
providências, com certeza o circuito melhoraria suas condições de segurança,
podendo oferecer uma melhor estrutura para o que uma prova de 500 milhas de
fato merece.
Os times da Indycar não tiveram
folga esta semana, e hoje, todos os pilotos estão de volta à pista para a prova
de Gateway, última pista oval da temporada. Josef Newgarden ganhou uma folga na
pontuação com o abandono de Alexander Rossi logo na primeira volta da corrida
em Pocono, mas o piloto da Penske não pode baixar a guarda. Além da corrida
deste final de semana, ainda teremos a prova de Portland e Laguna Seca, ambas
em circuitos mistos, mas com Laguna Seca tendo pontuação dobrada por ser o
encerramento do calendário, deixa tudo ainda em aberto na luta pelo título,
especialmente entre Newgarden e Rossi, e com Simon Pagenaud e Scott Dixon se
aproximando para tentar a sorte como prováveis azarões. A corrida será
disputada amanha à noite, com transmissão ao vivo a partir das 21:40 Hrs., pelo
canal pago Bandsports.
E a MotoGP está de volta a
Silverstone, para o GP da Grã-Bretanha, que será disputado neste final de
semana. No ano passado, toda a categoria reclamou do novo piso da pista
inglesa, cheio de ondulações, que transformou a pilotagem em uma complicação
só, que só piorou com a presença da chuva, que atormentou a classe rainha e suas
categorias de acesso no final de semana, acabando por provocar o cancelamento
da prova da MotoGP no domingo, em virtude das condições impraticáveis da pista,
que ficou encharcada, e sem oferecer as mínimas condições de segurança para uma
corrida de motos. O circuito foi novamente recapeado, e segundo o pessoal da
Fórmula 1, que já experimentou o novo asfalto, as ondulações diminuíram
bastante. Resta saber se terá sido bom o suficiente para corrigir totalmente o
erro cometido pela implantação do piso anterior. E, claro, vamos torcer para
São Pedro não estar montando acampamento à beira do circuito neste final de
semana, só por garantia... O canal pago SporTV2 exibirá a corrida ao vivo no
domingo, a partir das 9:00 Hrs.
Nenhum comentário:
Postar um comentário