Lewis Hamilton comemorou a vitória na prova Nº 1000 da F-1, na China, e assumiu a liderança do campeonato. |
A Fórmula 1 tinha
muito o que comemorar por parte de sua milésima corrida disputada, domingo
passado, no Grande Prêmio da China, no autódromo de Shanghai. Infelizmente, foi
um evento que ficou muito a dever ao de outras oportunidades centenárias, em
especial à de número 500, realizada lá no distante ano de 1990 em Adelaide, na
Austrália. E não falo apenas pela muito melhor receptividade dos australianos
no seu GP em relação aos chineses.
Não houve maiores
eventos ligados à prova que relevassem a marca histórica atingida pela
categoria máxima do automobilismo. Nem mesmo a presença de campeões do passado
para enaltecer a marca atingida, ou coisa que o valha de forma relevante. Uma
abertura especial para a etapa não chega a ser algo tão proeminente, embora a
iniciativa fosse válida, assim como foi a bandeirada dada por Alain Prost, o “Professor”,
ao vencedor da milésima corrida. Boas iniciativas, é verdade, mas pouco, pelo
que o momento justificava. Para muitos, falha capital do Liberty Media, grupo
proprietário da F-1 desde 2017, a não dar a devida importância a esta marca
histórica atingida. E, como já havia mencionado na coluna passada, mais um
revés por ter sido esta milésima prova disputada em palco sem tradição e
sintonia com o público. Fosse na Europa, a festa do público, além de outras
atividades comemorativas em relação à data certamente teriam sido efetivadas,
algo que nem sempre é do estilo dos chineses.
Nem mesmo Bernie
Ecclestone esteve presente neste momento. A desculpa de um momento médico
delicado é real, mas para muitos, o ex-dirigente da categoria teria dado muito
mais tempero a este momento, se ainda estivesse no comando da categoria.
Crítica que se inclui ao Liberty nada ter feito no sentido de alterar o
calendário para que tão importante data pudesse cair em uma prova mais
sintonizada com o público que realmente ama e curte a F-1.
Restava a esperança,
então, de que pelo menos a corrida fosse disputada. Afinal, a etapa do Bahrein
havia sido bem interessante, e se não foi de arrepiar os torcedores, pelo menos
mostrou muita disputa, incerteza, duelos e até drama. Se a corrida chinesa
conseguisse pelo menos repetir a dose da prova barenita, estaria de bom
tamanho. Infelizmente, não tivemos sorte neste aspecto, e a prova chinesa foi a
mais enfadonha de todos os GPs centenários de que há memória. A F-1 merecia
muito mais do que o que se viu na pista, com quase nenhuma disputa que
cativasse o público.
Se compararmos ao que
havia sido apresentado no 500º GP, na Austrália em 1990, a comparação chega a
ser covardia, com a prova chinesa perdendo em praticamente todos os aspectos,
começando pelo número de competidores, bem maior, em uma época onda a F-1 ainda
permitia a existência de times menores, apesar das dificuldades cada vez mais
evidentes de se competir na categoria. E a imagem dos duelos travados por
Nélson Piquet, que largara em 7º, e foi galgando posições até chegar à
liderança, reforçada pela luta contra Nigel Mansell nas voltas finais,
culminando em uma fechada antológica de Piquet sobre o inglês que deixou todo
mundo tremendo naquele momento, contrasta bruscamente com a quase completa
ausência de disputa pela vitória vista na corrida em Shanghai.
Hamilton largou melhor e comando a corrida como quis, secundado por Valtteri Bottas, que não conseguiu ameaçar a liderança do companheiro de equipe. |
Lewis Hamilton não
largou na pole, mas arrancou muito melhor, e chegou à primeira curva na
liderança, de onde praticamente não sairia mais. Valtteri Bottas, numa
performance melhor do que no Bahrein, comboiou o companheiro de equipe quase
toda a corrida, mas Hamilton nunca deu chances ao finlandês de ser atacado,
mantendo uma vantagem pequena, mas firme na liderança. Bottas em nenhum momento
conseguiu partir para cima e desafiar o comando do companheiro de equipe, que
venceu a prova, e assumiu a liderança do campeonato. Hamilton, aliás, faz
história ao se tornar o primeiro piloto a vencer duas corridas centenárias na
história, algo que não se pode desprezar, por mais que se diga que atualmente
isso é algo bem mais fácil que antigamente, dado o número de GPs disputados por
ano. E a Mercedes iguala a Lotus como time com mais vitórias em provas
centenárias, com dois triunfos. E só, praticamente.
Em termos de
campeonato, 2019 não está saindo como muitos imaginavam ao fim da
pré-temporada. Claro que, mesmo relativizando os resultados, todo mundo
esperava que a Ferrari viesse mais forte, capaz de desafiar o poderio da
Mercedes, e sua posição de supremacia. Até mesmo os prateados estavam com algum
receio do que o time vermelho seria capaz de render. Mesmo com a hipótese dos
alemães terem alguma reserva técnica ocultada nos testes, era consenso de que a
disputa poderia ser bem mais parelha e difícil do que a vista nos últimos dois
anos. Mas, finda três provas, vemos a Mercedes tendo obtido três vitórias, e
todas com dobradinha, enquanto a Ferrari parece dar cabeçadas sem rumo, e se
complicar sozinha.
Pior, o time italiano
já começou a perder credibilidade pelo hábito de suas ordens de equipe, que
estão minando principalmente a imagem de seu principal piloto, Sebastian
Vettel, cada vez menos confiável para muitos torcedores. E a nova administração
de Mattia Binotto tem se revelado ridícula até o presente momento. A Mercedes
agradece, e vai-se embora no campeonato, tanto na classificação de construtores
quanto de pilotos. Para muitos, Hamilton já pode ir reservando espaço na sua
estante para o troféu de seu hexacampeonato, a julgar pelo desempenho dos
ferraristas até o momento.
Ferrari deu ordens de equipe pela terceira corrida consecutiva, sem apresentar resultados que justificassem efetivamente o recurso. |
Voltamos ao tão
controverso tema das ordens de equipe, que tantas discussões já promoveu na
história da F-1. Por mais que muitos afirmem ser natural um time zelar pelos
seus interesses, ainda mais porque a categoria máxima do automobilismo é um negócio,
e assim deve ser entendida, mesmo que a esportividade seja crucificada em todos
os aspectos, a Ferrari está praticamente dando um tiro no pé em cada corrida
desde o início do ano. E quem sai mais “queimado” nesta história toda é
Sebastian Vettel, que até agora “perdeu” em todas as ocasiões, mesmo que tenha
subido ao pódio na China, em 3º lugar. O tetracampeão, que deslumbrou o mundo
entre as temporadas de 2010 e 2013, parece cada vez mais distante, sem
conseguir exibir as performances que o levaram a conquistar um tetracampeonato
consecutivo.
Pior, o piloto alemão
tem sido superado pelo novato Charles LeClerc, que já chegou ao time italiano
mostrando as credenciais que justificaram sua contratação, mas que ao mesmo
tempo, colocaram o time numa enrascada: afinal, por mais que Binotto afirme que
Vettel é a prioridade do time, o que adianta se isso significa sacrificar
LeClerc? O papo, antes da temporada, de que ambos poderiam duelar com
liberdade, cada vez mais se confirma como “papo”. Na China, foi ridículo:
Charles deu passagem a Vettel, mas o alemão não estava mais veloz como
declarou, e a escuderia, talvez na ênfase de não permitir que o monegasco os
obrigasse a dar uma nova ordem, acabou ferrando com sua estratégia de corrida,
o que o fez perder posição para Max Verstappen, algo que poderia ter sido
evitado.
Àqueles que criticam a
demonização da Ferrari, alegando que o time alemão também pratica o mesmo
expediente, é preciso esclarecer que a Mercedes não chegou a ferrar a tal ponto
o companheiro de Lewis Hamilton assim. Bottas teve de ceder a liderança no GP
da Rússia do ano passado, sim, numa atitude que considero desnecessária, uma
vez que o inglês já vinha aumentando cada vez mais sua vantagem no campeonato
naquela ocasião. A atenuante, se é que se pode dizer isto, é que a prova russa
já se encontrava perto da fase final do campeonato. A Ferrari está fazendo isso
desde a primeira corrida, e até agora, isso não rendeu absolutamente nada ao
time, além de denegrir sua imagem no campo esportivo.
Qual a justificativa
de contratar LeClerc então? Para vermos o que estamos vendo, era mais fácil o
time ter mantido Kimi Raikkonen, que fazia o mesmo serviço, com a vantagem de
praticamente ficar quieto e não dar a mínima para isso, desde que recebesse o
seu salário. Em fim de carreira, para que ficar arrumando treta com este tipo
de politicagem cretina? E olhe que, apesar de seus altos e baixos em termos de
performances, o finlandês tinha vários motivos para descer a lenha no time, que
de certa forma o prejudicou em várias corridas, pela adoção de estratégias
visando “proteger” Sebastian Vettel na pista e evitar dissabores inoportunos.
LeClerc, cuja carreira na F-1 está apenas no seu começo, já começa a mostrar o
seu descontentamento, mesmo mantendo-se fiel ao time, e procurando não causar
celeuma dentro da escuderia. Suas poucas frases a respeito da situação,
especialmente durante a corrida, já demonstra que, espírito de lealdade e
companheirismo postas em prática, ele quer maiores satisfações da direção da
escuderia, que já chegou a falar, quase explicitamente, para ele ficar no seu
devido lugar. E, a persistir isso, a Ferrari não apenas atenta contra a
esportividade, ou o que resta dela, como queima um talento potencial que
poderia ter uma carreira brilhante na categoria.
Comemorações do milésimo GP foram bem fracas. E a corrida em si não ajudou a levantar muito o astral. |
Existe o risco de LeClerc
se “acomodar” nesta situação, a fim de evitar se estressar, ou sofrer
represálias do time se mantiver a tendência de “desobedecer” as instruções. Na
primeira e única oportunidade em que fez isso, em Sakhir, só não deu para
comemorar porque um problema no motor roubou o que seria uma vitória impecável
do monegasco, que superou Vettel contrariando as instruções recebidas, e
disparou na frente, comandando a corrida. O monegasco tem mostrado grande
maturidade, o que é muito positivo para ele, dando a entender que está ciente
da situação em que está se metendo, e de como poderá fazer para superar estas
adversidades criadas pelo próprio time. E como reagirá Sebastian se for
superado novamente pelo novo companheiro de equipe, e com frequência? O alemão
já acusa o golpe, ao afirmar que a imprensa, ao questionar as ordens de equipe
da Ferrari, está praticando “jornalismo ruim”, chegando até mesmo a acusar
Hamilton de ser favorecido pelo mesmo esquema na Mercedes. Ruim é a atitude do
piloto ao dar tal declaração, quando deveria manter a serenidade, e tentar dar
o melhor de si para calar os críticos da melhor maneira possível: com uma
performance de campeão na pista, nas próximas corridas. Pelo que já fez em sua
carreira na F-1, Vettel merecia melhor sorte neste momento de sua carreira, mas
cobranças são cobranças, e quando se é piloto da Ferrari, é tudo ainda pior,
com a tendência a se esquecer os bons momentos, e se lembrar apenas dos ruins.
E não vai demorar para a torcida ferrarista começar a fazer a caveira do alemão,
no ritmo que ele demonstra nestas últimas provas.
Some-se a isso uma
declaração de algumas há semanas atrás, onde Vettel chega a afirmar que a F-1
atual não é mais a categoria que ele gostava, sendo mais show do que esporte, e
dando a entender que pode abandonar a competição, se as novas regras em estudo
do Liberty Media não o agradarem, a imagem do tetracampeão fica ainda mais
comprometida, recordando a temporada de 2014, quando foi constantemente
superado por Daniel Ricciardo na Red Bull, e preferiu sair do time, indo para a
Ferrari. Estaria o alemão fugindo da briga novamente ao se ver em posição
desconfortável? Mesmo que isso não seja verdade, há o risco da imagem “pegar”,
e comprometer ainda mais o currículo e o talento de Sebastian.
Este foi mais um
aspecto negativo que a F-1 poderia deixar de passar em seu milésimo GP. Até
porque a estratégia nem rendeu o que se esperava. Vettel pode ter sido o 3º
colocado, mas em momento algum conseguiu ser uma ameaça à dupla prateada, e
ainda viu perder o ponto da melhor volta para Pierre Gasley, da Red Bull, nas
voltas finais da corrida, quando Sebastian ainda era o detentor da melhor marca
no GP. O contraste é tremendamente desabonador para a Ferrari, quando lembramos
que, no 900º GP, a corrida foi marcada por um duelo titânico entre Lewis
Hamilton e Nico Rosberg, que travaram uma luta roda a roda pela vitória, com
trocas de posição entre eles durante a corrida, de tirar o fôlego. Um show de
esportividade e competição, que merecia ter sido revisitado nesta milésima
corrida.
Infelizmente, nem a
Mercedes conseguiu repetir a mesma proeza. Hamilton é atualmente um piloto
muito mais focado e completo que em 2014. E até mais combativo e determinado do
que antes. Bottas, desta vez, não conseguiu desafiá-lo como seria necessário,
apesar de andar perto. Na Ferrari, o time avacalhou a disputa de LeClerc,
enquanto na Red Bull, por enquanto Verstappen corre praticamente sozinho na
frente. E até mesmo no pelotão intermediário, que tantas expectativas nos
ofereceu de bons duelos, teve um desempenho fraco em Shanghai, com poucas
brigas efetivas durante a prova, contribuindo para a monotonia da corrida.
Destaque para a
performance de Alexander Albon, que largou dos boxes e conseguiu chegar em 10º
com a Toro Rosso. Daniel Ricciardo conseguiu marcar seus primeiros pontos ela
Renault, em uma corrida onde, apesar da falta de um ritmo melhor, ao menos não
teve maiores problemas. E Kimi Raikkonen vai deixando Antonio Giovinazzi na
saudade na Alfa Romeu, e mesmo com resultados mais limitados, devido ao
equipamento, mostra-se bem mais relaxado, e até competitivo, e certamente não
sentindo saudade alguma do ambiente conturbado dos boxes da Ferrari, onde
estava até o ano passado, assistindo de camarote o time rosso bater cabeça nas
estratégias de prova. A Hass não conseguiu mostrar serviço na China, enquanto
na Racing Point, Sergio Pérez salvou alguns pontos para o time. Já a McLaren
viu seus dois pilotos se envolverem numa confusão com Danill Kvyat no início da
corrida, e não teve como lutar por melhores resultados.
Danill Kvyat levou um toque de Carlos Sainz Jr. e acabou tocando em Lando Norris. O russo ainda acabou levando a culpa pela batida. |
Na Williams, o drama
de sempre: carro lento, e que parece não levar a lugar nenhum. Robert Kubica,
cada vez mais criticado por voltar à F-1, tem perdido os duelos com o
companheiro George Russell, mas a comparação é descabida, haja visto que o
inglês é um dos grandes talentos da nova geração de pilotos, tendo sido campeão
da F-2 no ano passado, enquanto Kubica esteve ausente da competição desde 2011,
e só voltando agora a competir em tempo integral na F-1. O polonês tem suas
limitações na condução de um monoposto, mas dado o imenso talento de Russell,
criticar Kubica por perder o duelo com o colega de time, ainda mais conduzindo
um carro pouco competitivo, é ridículo. E a Williams tem mais o que fazer para
tentar sair do fundo do grid, se é que conseguirá fazê-lo este ano.
E assim tivemos a
milésima prova da F-1. Com muita coisa para se comemorar, mas pouco ou quase
nada a se comemorar efetivamente do que tivemos no final de semana. A categoria
máxima do automobilismo merecia mais. Infelizmente, é um reflexo de seu atual
momento, onde a F-1 tenta achar uma saída para recuperar um pouco da alma e
espírito de competição que se perderam em algum momento nos últimos anos. Que
este esforço seja bem sucedido, para que possamos comemorar o 1.100º GP daqui a
alguns anos com motivos muito mais válidos e efetivos, tanto fora quanto dentro
da pista.
Um comentário:
Bela análise amigo. Muito realista. Parabéns pelo trabalho!
Postar um comentário