Fazendo um trocadilho
infame, a situação do russo Daniil Kvyat está russa! O piloto da Red Bull
acabou "rebaixado" para a equipe B dos energéticos, a Toro Rosso, e a
partir da próxima semana, durante o Grande Prêmio da Espanha, irá bater ponto
em outro local. Para o seu posto, Helmut Marko colocou o seu novo
"queridinho", o holandês Max Verstappen, que promete infernizar a
vida de Daniel Ricciardo na equipe titular das bebidas energéticas sem dó nem
piedade. O que era um boato na quarta-feira virou realidade nesta quinta-feira
pela manhã, horário do Brasil, e confesso que achei a maior picaretagem dos últimos
tempos.
Não que a F-1 seja um
local santo, muito pelo contrário... A categoria máxima do automobilismo já
destruiu a carreira de inúmeros pilotos ao longo de sua história, e embora seja
prematuro dizer que Daniil seja apenas o mais recente caso, é quase certo que o
jovem russo terá problemas em continuar no certame a partir da próxima
temporada. As justificativas dadas pela escuderia austríaca soam tão sinceras
quanto uma nota de três reais, e quem conhece a postura de Helmut Marko,
consultor do time dos energéticos e coordenador do programa de jovens pilotos
da Red Bull, não podem ficar surpresos com sua atitude.
Basta lembrar da
dispensa cretina de Sébastien Buemi e Jaime Alguerssuari há alguns anos, feita
no apagar das luzes de um ano, quando nenhum dos dois pilotos teve a chance sequer
de se lançar no mercado de pilotos, situação da mais alta falta de respeito
para com um profissional que faz da velocidade a sua vida. Marko se tornou um
sucessor à altura de outra figura nefasta da história do mercado de pilotos da
F-1, o italiano Flavio Briatore, que admitiu publicamente que para ele, pilotos
não passavam de mercadoria, pura e simplesmente. Os mais novos talvez não
saibam, mas em 1991, ele defenestrou o brasileiro Roberto Moreno, demitindo-o
sumariamente da Benetton, às vésperas do Grande Prêmio da Itália, para colocar
em seu lugar um jovem alemão que impressionara a todos na corrida anterior, na Bélgica,
nos treinos e classificação. Um certo Michael Schumacher, que estreara na F-1
em Spa, pela Jordan, substituindo o belga Bertrand Gachot, preso dias antes por
agredir um motorista de táxi em Londres.
Graças a uma gafe de Eddie
Jordan, que não oferecera um contrato a Schumacher, Briatore foi ao jovem
piloto, mandou Moreno embora, e ainda faturou cerca de US$ 300 mil por prova
que a Mercedes estava pagando para dar a seu pupilo uma chance na F-1. E, na
prova de Spa-Francorchamps, antes de ser demitido, Roberto terminou a corrida
em 4°, atrás de seu companheiro de equipe Nélson Piquet, o 3° colocado, e
fizera a volta mais rápida da corrida... Situação parecida, não? As
justificativas podem ser diferentes, e até são, mas os motivos desencadeadores
da picaretagem e falta de respeito não. Tanto Moreno quanto Kvyat foram
crucificados sem dó nem piedade. A única diferença é que não dá para dizer
ainda o que será do russo. No caso do brasileiro, Briatore o chamou de
"incapaz" de guiar um F-1, entre outros motivos para justificar sua
demissão... Deve ser mesmo interessante um "incapaz" fazer a volta
mais rápida de uma corrida, com um carro que era competitivo, mas não capaz de
vencer, e que alguns anos antes, ajudou a Ferrari a desenvolver o câmbio semi-automático,
como piloto de testes, tendo muitas referências positivas em Maranello na época.
Kvyat vinha de um pódio
em Shanghai, numa corrida honesta e firme, e no ano passado, terminou o
campeonato de pilotos à frente de seu companheiro de equipe na Red Bull, Daniel
Ricciardo, tido como um piloto velocíssimo e vencedor. Foi uma primeira
temporada em um time de ponta honesta, e apesar de alguns percalços neste ano,
a corrida da Rússia foi seu primeiro ponto realmente negativo na temporada. Mas
merecia tal castigo? Não, não merecia.
O russo deu azar no
enrosco com Sebastian Vettel na largada em Sochi, e depois ainda acabou
acertando a Ferrari do alemão, promovendo sua rodada e abandono da prova. Vettel,
já nervosinho pelo que ocorreu na China, quando a culpa foi apenas dele, em uma
dividida de curva onde foi surpreendido pelo jovem russo e acabou acertando seu
companheiro de equipe Kimi Raikkonem, tinha desta vez motivos justos para
reclamar da barbeiragem sofrida. Para mim, foi acidente de corrida. Largadas são
um momento sempre complicado, e já vi pilotos muito mais gabaritados cometerem
gafes neste momento. Uma punição, advertência e/ou multa, além de uma conversa
com o time, seriam muito mais produtivos. Se a moda pega, nenhum piloto irá
durar na categoria, não porque todos sejam "barbeiros" ou
"kamikazes", mas porque mais dia, menos dia, todos erram, e se a
punição for deste jeito...
Não por acaso, Jenson
Button, decano da F-1 atual, se declarou contra a atitude descabida da Red
Bull. Um mínimo de respeito é bom e não faz mal a ninguém, mas atitudes como
essa mostram como a Red Bull se corrompeu ao passar de time aspirante a
vencedor para uma equipe de ponta. A escuderia, considerada a mais
"cool" do grid, hoje virou um time igual a qualquer outro, sem a
personalidade e carisma que já a definiram em outros tempos. E a lista de
desafetos que adorariam atropelar Helmut Marko se o vissem atravessar a rua não
pára de crescer... Como se ele se importasse com isso...
De qualquer forma, o
final de semana infeliz de Kvyat serviu de desculpa para Marko fazer o que
todos já esperavam: promover a jovem estrela em ascenção Max Verstappen ao time
matriz dos energéticos. O piloto mais jovem a competir oficialmente na F-1 vem
mostrando ser talvez o nome de maior potencial desde a estréia de Sebastian
Vettel na década passada, em meio a tantos nomes que ou não vingaram e/ou foram
"queimados" por Marko em sua impaciência e cobranças extremas, quando
exigia resultados que os pilotos não tinham condições de dar em virtude de
equipamentos não-competitivos. Apesar de ainda possuir contrato com a Red Bull
para a próxima temporada, o jovem Max já vinha querendo dar uma de
"estrela", e não é segredo que seu nome começou a ser cogitado por
Mercedes e Ferrari como nome potencial para ser um de seus pilotos titulares, já
na próxima temporada. E nada impediria que seu contrato acabasse rompido, e a
Red Bull perdesse o garoto sensação, depois de bancar sua carreira até aqui. Agora,
com um carro mais competitivo, e que com as atualizações promovidas pela
Renault em sua unidade de potência, que prometem deixar o RB12 ainda mais
forte, a tendência é que Max permaneça na "casa". Esse, aliás, o
verdadeiro motivo para queimar Kvyat, não importa as consequências para o jovem
russo. Como quando Briatore despediu Moreno, os fins justificavam os meios... Aliás,
vale lembrar que, quando comandou a Renault, na década passada, o mesmo Briatore
despediu o italiano Jarno Trulli da escuderia, sem mais nem menos, alegando falta
de resultados, mas que na verdade estava se mostrando um "incômodo"
para seu protegido Fernando Alonso, em um ano em que o carro da Renault não era
dos mais competitivos, em 2004, sendo que o italiano havia vencido em Monte
Carlo, enquanto o espanhol não venceu nenhuma corrida naquele ano. Marko parece
estar seguindo fielmente a cartilha de Briatore... Tirem suas próprias conclusões.
E Max, pelo que vem
demonstrando nas últimas provas, vai querer chegar "chegando", e de
preferência dando um chega pra lá em Ricciardo, e querer cantar de galo em seu
novo terreiro. O jovem holandês já vinha se estranhando desde a Austrália com
seu companheiro de equipe na Toro Rosso, Carlos Sainz Jr., comportando-se como "prima
donna" da escuderia, após críticas contundentes ao espanhol por ter
chegado atrás dele em Melbourne, como se Sainz não tivesse direito de disputar
sua corrida e devesse lhe dar passagem pura e simplesmente. Se a Red Bull fala
que um dos motivos era "preservar a paz" na Toro Rosso, em virtude
dessa disputa que começou a ficar inflamada no time sediado em Faenza, é muita
ingenuidade deles tentar nos fazer acreditar que nada de belicoso irá acontecer
em Milton Keynes. Esperem só até Verstappen fazer a primeira dividida de curva
com Ricciardo...
Mas Helmut Marko, a exemplo
do que fazia em relação a Sebastian Vettel quando este era piloto do time,
parece não se importar muito, desde que Verstappen mostre do que é capaz, mesmo
que para isso seja necessário rifar até mesmo Ricciardo do time para 2017. O próprio
consultor já deu uma indireta dizendo que a dupla rubro-taurina pode ser
completamente diferente na próxima temporada, dando a entender que, se
Ricciardo se estranhar com o jovem holandês, poderia até rifar o australiano do
time. Claro que isso não foi mencionado explicitamente, mas a
"corujice" de Marko com relação a Verstappen já chegou a tal ponto
que, se o rapaz barbarizar, quem ficar em sua frente será execrado, no que
depender do dirigente do programa de jovens pilotos da Red Bull. Foi por algo
assim que Jaime Alguerssuari foi execrado por Marko há alguns anos do time. O
espanhol havia dado uma fechada em Vettel na pista, e Marko ficou furioso com a
atitude do piloto, já que o alemão era o seu "xodó". Claro que,
oficialmente, a desculpa foi por falta de resultados, mas a coisa estava tão
escancarada que ninguém levou a sério essa conversa fiada.
Claro, fica a
pergunta: o que acontecerá se Max fizer barbeiragem? Vão lhe passar um sermão,
ou simplesmente lhe dar um tapinha nas costas do tipo "isso
acontece..."? Verstappen já passou a imagem de barbeiro no ano passado,
mas seus defensores sempre se saíram com justificativas do tipo "melhor um
piloto que tenta e bate do que um piloto acomodado na pista que não faz nada".
Em primeiro lugar, prefiro um piloto que tenta, e que seja capaz de fazer isso
sem tirar o outro da pista, seja com uma batida, seja com uma manobra espúria. Verstappen
continua muito rápido, e felizmente parece que aprendeu a dosar um pouco seu
excesso de vontade no acelerador, o que é bom, afinal, não é por deixar de
bater que um piloto deixa de ser arrojado e rápido. Mas fica a dúvida quanto ao
seu comportamento "estrela", que pode deixá-lo mais intragável do que
já vem sendo...
E esse comportamento
de "prima donna", pois os outros pilotos certamente não vão aliviar
para ele numa disputa de posição. Como já mencionei, respeito é bom, e um pouco
de comedimento não faz mal a ninguém. Até Fernando Alonso, por mais arrogante
que pareça, mostra pelo menos respeito nos duelos que trava na pista, mesmo que
cometa gafes ocasionais, como na Austrália, quando acertou Estéban Gutiérrez e
sofreu um acidente pavoroso. Ele já foi ruim neste quesito, claro, mas aprendeu
a ser mais polido e a ter respeito pela maioria dos adversários na pista. Espera-se
que Verstappen não saia na birra quando algum piloto lhe der briga dura por posição
nas próximas corridas, e não deixe a fama do momento subir ainda mais à sua
jovem cabeça.
Verstappen terá a
chance de mostrar o seu real potencial com um carro que tem tudo para
surpreender nas próximas corridas. Que coloque a cabeça no lugar, esqueça o
oba-oba em torno do seu nome, e cresça (no bom sentido) para se tornar um
piloto sem celeumas desnecessárias. Lógico que surgirão rivalidades,
desentendimentos e algumas brigas. Isso é natural no meio. Só não precisa que
ele alimente desnecessariamente esses momentos negativos com seu comportamento
cheio de egocentrismo e se considerando o rei da cocada preta, que Marko parece
estar incentivando.
Quanto a Kvyat, ele
terá de recuperar sua moral na F-1. Até certo ponto, muitos viram a manobra da
Red Bull como uma rasteira desnecessária e prejudicial à imagem da categoria,
mesmo que não manifestem isso abertamente. Mas também tem vários que adorariam
dar uma lição ainda pior ao jovem russo pelas bobagens da corrida da Rússia. E,
mais do que tudo, o rapaz terá de retrabalhar sua cabeça, pois o que mais terá
a partir de agora é a pressão para recuperar sua imagem de piloto na F-1. E o
tempo é bem curto: ele só terá até o fim da temporada para isso, na melhor das
hipóteses. Mas, na verdade, seu tempo será muito menor do que isso, talvez até
a prova de Cingapura, na verdade, se quiser acertar seu lugar para 2017. Depois
dessa corrida, dependendo da situação, o mercado de pilotos já não lhe dará opção
de continuar na categoria, mesmo que não cometa mais nenhum erro. Basta lembrar
o que Marko fez com Alguerssuari e Buemi, demitindo-os no fim do ano, sem
dar-lhes tempo de negociarem com outras equipes, praticamente
"expulsando-os" da F-1...
Helmut Marko já foi
piloto nos velhos tempos... Seria divertido ele sofrer esse tipo de tratamento
também, para ver se acha engraçado...
Não que os pilotos que
participem do programa de jovens pilotos da Red Bull não saibam o que lhes
espera... As cobranças são sempre altas. E a Red Bull, que investe seu dinheiro
nestes jovens esportistas, tem todo o direito de encerrar seu apoio quando bem
entender. Mas seria muito bom se de vez em quando jogasse mais às claras com
seus integrantes, em situações como a ocorrida nesta semana. Ao simplesmente
largá-los a torto e a direito, conforme a necessidade, por mais que estes
jovens possam dever suas carreiras ao apoio da empresa, a Red Bull joga por
terra sua imagem e reputação de incentivadora do esporte, mostrando que, se preciso,
acaba com os sonhos e esperanças como bem entender. A marca que "lhe dá
asas", também pode cortá-las, e no momento mais inoportuno de todos,
patrocinando uma "morte certa" no sentido figurado...
Depois, quando se
perguntam porque a F-1 anda perdendo seu apelo... Bem, mesmo sabendo que a
categoria nunca foi santa, existem momentos como esse em que parte do público
vai achar que exageraram na falta de caráter ou no mercenarismo que guia as
atitudes da categoria... E pode ser um prego a mais no caixão da F-1...
Roberto Moreno no GP da Bélgica de 1991: mesmo fazendo a melhor volta da corrida e terminando em 4°, o piloto levou uma rasteira indecente de Flavio Briatore dias depois... |
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