sexta-feira, 6 de maio de 2016

RESCALDO RUSSO


Daniil Kvyat e pancada em Vettel após a largada da prova russa: destino do jovem piloto foi ser "rebaixado" para a Toro Rosso num jogo de interesses dos mais rasteiros que nada de positivo traz à imagem da F-1 e da própria Red Bull.

            Fazendo um trocadilho infame, a situação do russo Daniil Kvyat está russa! O piloto da Red Bull acabou "rebaixado" para a equipe B dos energéticos, a Toro Rosso, e a partir da próxima semana, durante o Grande Prêmio da Espanha, irá bater ponto em outro local. Para o seu posto, Helmut Marko colocou o seu novo "queridinho", o holandês Max Verstappen, que promete infernizar a vida de Daniel Ricciardo na equipe titular das bebidas energéticas sem dó nem piedade. O que era um boato na quarta-feira virou realidade nesta quinta-feira pela manhã, horário do Brasil, e confesso que achei a maior picaretagem dos últimos tempos.
            Não que a F-1 seja um local santo, muito pelo contrário... A categoria máxima do automobilismo já destruiu a carreira de inúmeros pilotos ao longo de sua história, e embora seja prematuro dizer que Daniil seja apenas o mais recente caso, é quase certo que o jovem russo terá problemas em continuar no certame a partir da próxima temporada. As justificativas dadas pela escuderia austríaca soam tão sinceras quanto uma nota de três reais, e quem conhece a postura de Helmut Marko, consultor do time dos energéticos e coordenador do programa de jovens pilotos da Red Bull, não podem ficar surpresos com sua atitude.
            Basta lembrar da dispensa cretina de Sébastien Buemi e Jaime Alguerssuari há alguns anos, feita no apagar das luzes de um ano, quando nenhum dos dois pilotos teve a chance sequer de se lançar no mercado de pilotos, situação da mais alta falta de respeito para com um profissional que faz da velocidade a sua vida. Marko se tornou um sucessor à altura de outra figura nefasta da história do mercado de pilotos da F-1, o italiano Flavio Briatore, que admitiu publicamente que para ele, pilotos não passavam de mercadoria, pura e simplesmente. Os mais novos talvez não saibam, mas em 1991, ele defenestrou o brasileiro Roberto Moreno, demitindo-o sumariamente da Benetton, às vésperas do Grande Prêmio da Itália, para colocar em seu lugar um jovem alemão que impressionara a todos na corrida anterior, na Bélgica, nos treinos e classificação. Um certo Michael Schumacher, que estreara na F-1 em Spa, pela Jordan, substituindo o belga Bertrand Gachot, preso dias antes por agredir um motorista de táxi em Londres.
            Graças a uma gafe de Eddie Jordan, que não oferecera um contrato a Schumacher, Briatore foi ao jovem piloto, mandou Moreno embora, e ainda faturou cerca de US$ 300 mil por prova que a Mercedes estava pagando para dar a seu pupilo uma chance na F-1. E, na prova de Spa-Francorchamps, antes de ser demitido, Roberto terminou a corrida em 4°, atrás de seu companheiro de equipe Nélson Piquet, o 3° colocado, e fizera a volta mais rápida da corrida... Situação parecida, não? As justificativas podem ser diferentes, e até são, mas os motivos desencadeadores da picaretagem e falta de respeito não. Tanto Moreno quanto Kvyat foram crucificados sem dó nem piedade. A única diferença é que não dá para dizer ainda o que será do russo. No caso do brasileiro, Briatore o chamou de "incapaz" de guiar um F-1, entre outros motivos para justificar sua demissão... Deve ser mesmo interessante um "incapaz" fazer a volta mais rápida de uma corrida, com um carro que era competitivo, mas não capaz de vencer, e que alguns anos antes, ajudou a Ferrari a desenvolver o câmbio semi-automático, como piloto de testes, tendo muitas referências positivas em Maranello na época.
            Kvyat vinha de um pódio em Shanghai, numa corrida honesta e firme, e no ano passado, terminou o campeonato de pilotos à frente de seu companheiro de equipe na Red Bull, Daniel Ricciardo, tido como um piloto velocíssimo e vencedor. Foi uma primeira temporada em um time de ponta honesta, e apesar de alguns percalços neste ano, a corrida da Rússia foi seu primeiro ponto realmente negativo na temporada. Mas merecia tal castigo? Não, não merecia.
            O russo deu azar no enrosco com Sebastian Vettel na largada em Sochi, e depois ainda acabou acertando a Ferrari do alemão, promovendo sua rodada e abandono da prova. Vettel, já nervosinho pelo que ocorreu na China, quando a culpa foi apenas dele, em uma dividida de curva onde foi surpreendido pelo jovem russo e acabou acertando seu companheiro de equipe Kimi Raikkonem, tinha desta vez motivos justos para reclamar da barbeiragem sofrida. Para mim, foi acidente de corrida. Largadas são um momento sempre complicado, e já vi pilotos muito mais gabaritados cometerem gafes neste momento. Uma punição, advertência e/ou multa, além de uma conversa com o time, seriam muito mais produtivos. Se a moda pega, nenhum piloto irá durar na categoria, não porque todos sejam "barbeiros" ou "kamikazes", mas porque mais dia, menos dia, todos erram, e se a punição for deste jeito...
            Não por acaso, Jenson Button, decano da F-1 atual, se declarou contra a atitude descabida da Red Bull. Um mínimo de respeito é bom e não faz mal a ninguém, mas atitudes como essa mostram como a Red Bull se corrompeu ao passar de time aspirante a vencedor para uma equipe de ponta. A escuderia, considerada a mais "cool" do grid, hoje virou um time igual a qualquer outro, sem a personalidade e carisma que já a definiram em outros tempos. E a lista de desafetos que adorariam atropelar Helmut Marko se o vissem atravessar a rua não pára de crescer... Como se ele se importasse com isso...
            De qualquer forma, o final de semana infeliz de Kvyat serviu de desculpa para Marko fazer o que todos já esperavam: promover a jovem estrela em ascenção Max Verstappen ao time matriz dos energéticos. O piloto mais jovem a competir oficialmente na F-1 vem mostrando ser talvez o nome de maior potencial desde a estréia de Sebastian Vettel na década passada, em meio a tantos nomes que ou não vingaram e/ou foram "queimados" por Marko em sua impaciência e cobranças extremas, quando exigia resultados que os pilotos não tinham condições de dar em virtude de equipamentos não-competitivos. Apesar de ainda possuir contrato com a Red Bull para a próxima temporada, o jovem Max já vinha querendo dar uma de "estrela", e não é segredo que seu nome começou a ser cogitado por Mercedes e Ferrari como nome potencial para ser um de seus pilotos titulares, já na próxima temporada. E nada impediria que seu contrato acabasse rompido, e a Red Bull perdesse o garoto sensação, depois de bancar sua carreira até aqui. Agora, com um carro mais competitivo, e que com as atualizações promovidas pela Renault em sua unidade de potência, que prometem deixar o RB12 ainda mais forte, a tendência é que Max permaneça na "casa". Esse, aliás, o verdadeiro motivo para queimar Kvyat, não importa as consequências para o jovem russo. Como quando Briatore despediu Moreno, os fins justificavam os meios... Aliás, vale lembrar que, quando comandou a Renault, na década passada, o mesmo Briatore despediu o italiano Jarno Trulli da escuderia, sem mais nem menos, alegando falta de resultados, mas que na verdade estava se mostrando um "incômodo" para seu protegido Fernando Alonso, em um ano em que o carro da Renault não era dos mais competitivos, em 2004, sendo que o italiano havia vencido em Monte Carlo, enquanto o espanhol não venceu nenhuma corrida naquele ano. Marko parece estar seguindo fielmente a cartilha de Briatore... Tirem suas próprias conclusões.
            E Max, pelo que vem demonstrando nas últimas provas, vai querer chegar "chegando", e de preferência dando um chega pra lá em Ricciardo, e querer cantar de galo em seu novo terreiro. O jovem holandês já vinha se estranhando desde a Austrália com seu companheiro de equipe na Toro Rosso, Carlos Sainz Jr., comportando-se como "prima donna" da escuderia, após críticas contundentes ao espanhol por ter chegado atrás dele em Melbourne, como se Sainz não tivesse direito de disputar sua corrida e devesse lhe dar passagem pura e simplesmente. Se a Red Bull fala que um dos motivos era "preservar a paz" na Toro Rosso, em virtude dessa disputa que começou a ficar inflamada no time sediado em Faenza, é muita ingenuidade deles tentar nos fazer acreditar que nada de belicoso irá acontecer em Milton Keynes. Esperem só até Verstappen fazer a primeira dividida de curva com Ricciardo...
            Mas Helmut Marko, a exemplo do que fazia em relação a Sebastian Vettel quando este era piloto do time, parece não se importar muito, desde que Verstappen mostre do que é capaz, mesmo que para isso seja necessário rifar até mesmo Ricciardo do time para 2017. O próprio consultor já deu uma indireta dizendo que a dupla rubro-taurina pode ser completamente diferente na próxima temporada, dando a entender que, se Ricciardo se estranhar com o jovem holandês, poderia até rifar o australiano do time. Claro que isso não foi mencionado explicitamente, mas a "corujice" de Marko com relação a Verstappen já chegou a tal ponto que, se o rapaz barbarizar, quem ficar em sua frente será execrado, no que depender do dirigente do programa de jovens pilotos da Red Bull. Foi por algo assim que Jaime Alguerssuari foi execrado por Marko há alguns anos do time. O espanhol havia dado uma fechada em Vettel na pista, e Marko ficou furioso com a atitude do piloto, já que o alemão era o seu "xodó". Claro que, oficialmente, a desculpa foi por falta de resultados, mas a coisa estava tão escancarada que ninguém levou a sério essa conversa fiada.
            Claro, fica a pergunta: o que acontecerá se Max fizer barbeiragem? Vão lhe passar um sermão, ou simplesmente lhe dar um tapinha nas costas do tipo "isso acontece..."? Verstappen já passou a imagem de barbeiro no ano passado, mas seus defensores sempre se saíram com justificativas do tipo "melhor um piloto que tenta e bate do que um piloto acomodado na pista que não faz nada". Em primeiro lugar, prefiro um piloto que tenta, e que seja capaz de fazer isso sem tirar o outro da pista, seja com uma batida, seja com uma manobra espúria. Verstappen continua muito rápido, e felizmente parece que aprendeu a dosar um pouco seu excesso de vontade no acelerador, o que é bom, afinal, não é por deixar de bater que um piloto deixa de ser arrojado e rápido. Mas fica a dúvida quanto ao seu comportamento "estrela", que pode deixá-lo mais intragável do que já vem sendo...
            E esse comportamento de "prima donna", pois os outros pilotos certamente não vão aliviar para ele numa disputa de posição. Como já mencionei, respeito é bom, e um pouco de comedimento não faz mal a ninguém. Até Fernando Alonso, por mais arrogante que pareça, mostra pelo menos respeito nos duelos que trava na pista, mesmo que cometa gafes ocasionais, como na Austrália, quando acertou Estéban Gutiérrez e sofreu um acidente pavoroso. Ele já foi ruim neste quesito, claro, mas aprendeu a ser mais polido e a ter respeito pela maioria dos adversários na pista. Espera-se que Verstappen não saia na birra quando algum piloto lhe der briga dura por posição nas próximas corridas, e não deixe a fama do momento subir ainda mais à sua jovem cabeça.
            Verstappen terá a chance de mostrar o seu real potencial com um carro que tem tudo para surpreender nas próximas corridas. Que coloque a cabeça no lugar, esqueça o oba-oba em torno do seu nome, e cresça (no bom sentido) para se tornar um piloto sem celeumas desnecessárias. Lógico que surgirão rivalidades, desentendimentos e algumas brigas. Isso é natural no meio. Só não precisa que ele alimente desnecessariamente esses momentos negativos com seu comportamento cheio de egocentrismo e se considerando o rei da cocada preta, que Marko parece estar incentivando.
            Quanto a Kvyat, ele terá de recuperar sua moral na F-1. Até certo ponto, muitos viram a manobra da Red Bull como uma rasteira desnecessária e prejudicial à imagem da categoria, mesmo que não manifestem isso abertamente. Mas também tem vários que adorariam dar uma lição ainda pior ao jovem russo pelas bobagens da corrida da Rússia. E, mais do que tudo, o rapaz terá de retrabalhar sua cabeça, pois o que mais terá a partir de agora é a pressão para recuperar sua imagem de piloto na F-1. E o tempo é bem curto: ele só terá até o fim da temporada para isso, na melhor das hipóteses. Mas, na verdade, seu tempo será muito menor do que isso, talvez até a prova de Cingapura, na verdade, se quiser acertar seu lugar para 2017. Depois dessa corrida, dependendo da situação, o mercado de pilotos já não lhe dará opção de continuar na categoria, mesmo que não cometa mais nenhum erro. Basta lembrar o que Marko fez com Alguerssuari e Buemi, demitindo-os no fim do ano, sem dar-lhes tempo de negociarem com outras equipes, praticamente "expulsando-os" da F-1...
            Helmut Marko já foi piloto nos velhos tempos... Seria divertido ele sofrer esse tipo de tratamento também, para ver se acha engraçado...
            Não que os pilotos que participem do programa de jovens pilotos da Red Bull não saibam o que lhes espera... As cobranças são sempre altas. E a Red Bull, que investe seu dinheiro nestes jovens esportistas, tem todo o direito de encerrar seu apoio quando bem entender. Mas seria muito bom se de vez em quando jogasse mais às claras com seus integrantes, em situações como a ocorrida nesta semana. Ao simplesmente largá-los a torto e a direito, conforme a necessidade, por mais que estes jovens possam dever suas carreiras ao apoio da empresa, a Red Bull joga por terra sua imagem e reputação de incentivadora do esporte, mostrando que, se preciso, acaba com os sonhos e esperanças como bem entender. A marca que "lhe dá asas", também pode cortá-las, e no momento mais inoportuno de todos, patrocinando uma "morte certa" no sentido figurado...
            Depois, quando se perguntam porque a F-1 anda perdendo seu apelo... Bem, mesmo sabendo que a categoria nunca foi santa, existem momentos como esse em que parte do público vai achar que exageraram na falta de caráter ou no mercenarismo que guia as atitudes da categoria... E pode ser um prego a mais no caixão da F-1...
Roberto Moreno no GP da Bélgica de 1991: mesmo fazendo a melhor volta da corrida e terminando em 4°, o piloto levou uma rasteira indecente de Flavio Briatore dias depois...

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