Cacá Bueno chamou o pessoal da CBA de imbecil numa conversa que deveria ser privada entre ele e sua escuderia e a entidade se doeu, suspendendo-o por uma corrida e aplicando uma forte multa. |
Domingo passado,
tivemos a rodada dupla de Curitiba, válida pelo campeonato brasileiro da Stock
Car. Mas um dos principais pilotos da competição, Cacá Bueno, não participou
das corridas do fim de semana. Ele cumpriu punição de suspensão da etapa na
capital paranaense, após perder um recurso para reverter a punição. E qual foi
o motivo da suspensão? Ele causou um acidente? Teve atitude antidesportiva?
Competiu dopado? Nada disso... Apenas falou o que pensava, e para a CBA, a
liberdade de expressão parece ter sido jogada no lixo, afinal, o piloto apenas
chamou a turma da Confederação Brasileira de Automobilismo de "bando de
imbecis", o que convenhamos, pelo que a confederação vem fazendo pelo
automobilismo nacional nos últimos tempos, não está longe da verdade.
O incidente ocorreu na
etapa de Ribeirão Preto. Em disputa com Marcos Gomes, Cacá Bueno continuou
acelerando forte, mesmo depois do fim da prova. Acontece que a bandeira
quadriculada não fora mostrada aos pilotos, e estes, sem saber do fim da
corrida, mantiveram suas disputas e a alta velocidade, ao mesmo tempo em que o
pessoal de apoio já começava a entrar na pista para os procedimentos
costumeiros pós-corrida. Irritado com o fato, que poderia ter resultado num
acidente grave e de grandes proporções, Cacá não se conteve, e numa conversa de
rádio com seu time, chamou o pessoal da CBA de imbecis pela trapalhada. Até aí,
nada demais, tanto que a responsável pela bandeirada foi conversar com o
piloto, explicou sua falha, e tudo se resolveu numa boa entre eles, como
certamente deveria ter acabado por aí.
Mas não, a turma da
CBA, do alto de sua prepotência e arrogância, ao ver o tom da conversa do
piloto com sua equipe, que acabou indo ao ar, se doeu, e pronto, punição a
Cacá, com suspensão de uma etapa, e multa de R$ 30 mil. O piloto da Red Bull
conseguiu um efeito suspensivo da decisão, e por isso, pôde disputar a etapa de
Santa Cruz do Sul, enquanto o caso aguardava julgamento pelo Superior Tribunal
de Justiça Desportiva. Só que o piloto perdeu o recurso, e além de ter de
cumprir a pena, ainda viu a multa ser aumentada para R$ 50 mil. Atitude
esdrúxula e cretina da CBA, que deveria se ocupar de coisas mais importantes do
que ficar ofendida por algo que o piloto falou quando estava de cabeça quente
em um diálogo com seu time.
Infelizmente, o mundo
do automobilismo andou pegando umas práticas nada saudáveis de uns tempos para
cá, que viraram pragas. E uma destas pragas é a censura que várias categorias resolveram
impôr a seus participantes. E lamentavelmente, a Stock Car é uma delas, tendo
estabelecido há algum tempo regras que simplesmente proíbem que seus pilotos
falem mal da categoria e, por tabela, também da CBA. Acho isso algo inaceitável
e condenável, tirando o respeito e credibilidade dos dirigentes, por mostrar
que eles não aceitam críticas e opiniões contrárias, muito pelo contrário...
Mais do que isso, o
gesto da CBA na dura punição de Cacá teve ares de fazer dele um exemplo para
qualquer um que resolva abrir a boca de modo "subversivo" aos olhos
da entidade pense duas vezes. Pentacampeão da Stock Car, Cacá é o piloto mais
bem-sucedido da categoria atualmente, e um dos mais famosos da história da
competição. É hostilizado por muitos, que vêem seu sucesso como algo
"arranjado" pelo fato de ser filho do locutor Galvão Bueno, da TV
Globo, mas tem méritos próprios para seu grande sucesso nas pistas, mesmo que
tenha eventualmente tido algumas facilidades por ser filho de quem é. Está
longe de ser um piloto encrenqueiro, ou um braço duro, e não é 5 vezes campeão
da principal categoria do automobilismo nacional à toa. Mas ele tem
personalidade forte, e não é de levar desaforo para casa. Ele fala o que pensa,
e esse é o problema para a cartolagem, que infelizmente infesta o esporte hoje
em dia, para quem os pilotos devem apenas pilotar e ficar quietos, sem direito
a opinião.
Há um bom tempo já
vemos este tipo de comportamento na F-1, onde os pilotos são censurados por
seus times. Oficialmente, é a "lei" do politicamente correto, algo
até mais danoso do que a censura propriamente dita, onde todo mundo fala de
forma educada e pensada, e nunca ficamos sabendo exatamente o que pensam. E,
quando falam um pouco mais do que deviam, alguns levam uma boa puxada de orelha
de seus times, com raras exceções. Nas horas das entrevistas, cada piloto está
quase sempre com o assessor de imprensa de seu time, que nos últimos tempos,
virou mais um leão de chácara do que assessor propriamente dito, mais com a
função de "policiar" o que o piloto fala do que ajudar na informação
exatamente. E quase sempre, dando declarações por vezes "fabricadas",
ou assépticas. Hoje os times não vêem com olhos muito agradáveis quando seus
pilotos querem dizer abertamente o que pensam. O que era antes uma exceção
virou a regra entre os times. Nélson Piquet, que sempre se caracterizou por
falar o que pensa, doa a quem doer, provavelmente não conseguiria andar nos
dias de hoje em algumas competições, por causa de sua boca ferina... Saudades
dos tempos em que os pilotos diziam que o carro era uma draga, ou falavam em
mandar para o inferno um rival. Hoje, levantar o dedo indicando "aquilo"
já sujeita o piloto a tomar uma punição disso, ou uma penalização daquilo...Os
pilotos não precisam disso, e o público, menos ainda. Eles querem ver
transparência, os pilotos falarem o que pensam, serem mais legítimos. O aspecto
corporativo, que impõe que todos falem bem e de acordo com o figurino
"oficial", não desagradando a gregos e troianos, é um dos motivos
pelo qual a popularidade da F-1 anda em baixa. Felizmente, ainda há um ou outro
caso onde podemos ver os ânimos exaltados na categoria, como a recente
discussão da Red Bull com sua fornecedora de motores Renault pelos problemas de
suas unidades de potência atuais...
No caso de Cacá, a
grande maioria do pessoal da Stock achou a punição exagerada e desproporcional,
para não dizer adjetivos menos elogiáveis, mostrando-se do lado do piloto. E,
para azar da CBA, a primeira corrida em Curitiba teve cenas grotescas que
beiraram o absurdo, além de um acidente violento envolvendo vários pilotos,
como que para apenas afirmar a veracidade da declaração do piloto sobre a
"competência da entidade que comanda o automobilismo nacional. E Galvão
Bueno, em seu programa "Bem, amigos!" na última segunda-feira, no
SporTV, aproveitou para tomar um pouco as dores do filho, em que pese ter
atacado pontos cruciais ao afirmar que a CBA "não está fazendo nada pelo
automobilismo nacional", afirmando também que a entidade não tem sequer um
projeto de formação de pilotos, e também declarando que os dirigentes por vezes
não sabem nada do que estão fazendo, nunca tendo entrado em um carro de
corrida. Galvão foi direto ao ponto. Mas fica chato esse tipo de crítica, há
muito necessária, ter sido feita unicamente depois que o filho foi punido pela
entidade. São críticas que já deveriam ser feitas ininterruptamente nos últimos
anos, com nosso automobilismo indo para o buraco, da forma como vai, sendo hoje
uma sombra do que já foi em tempos não tão distantes.
O piloto Átila Abreu
também foi contundente ao afirmar que quando tem um erro, o piloto é
penalizado, mas os comissários não, o que dá a entender a lógica da citação
"dois pesos e duas medidas", ao referir-se que ninguém foi punido
pelo erro cometido em Ribeirão Preto. Para o piloto Felipe Fraga, o erro da CBA
poderia ter resultado em um grave acidente, cujas consequências iriam recair
sobre a própria entidade, e Cacá e Gomes se veriam em uma situação difícil
causando um acidente inadvertidamente por culpa da direção de prova. Isso é
algo que precisa sim ser levado em consideração, pelos riscos inerentes que o
automobilismo apresenta.
No ano passado, o piloto Beto Monteiro também tomou um gancho de uma corrida e mais uma multa, por reclamar com o pessoal da CBA em Caruaru. |
Infelizmente, a
cartolagem parece pensar de forma diferente.No ano passado, o piloto Beto
Monteiro, bicampeão da F-Truck, acabou levando também uma corrida de suspensão,
mais uma multa de R$ 25 mil, não tendo participado da etapa de Cascavel, no
Paraná. Seu "pecado" foi "ofender" os comissários na etapa
de Caruaru. O piloto havia sido punido no treino classificatório por seu caminhão
soltar muita fumaça. Monteiro foi à torre da direção de prova e criticou os
comissários. Foi o suficiente para a CBA novamente se doer e lascar a punição
ao piloto, que declarou apenas ter falado alto com o pessoal, sem xingar nem
destratar ninguém. E não adiantou recorrer: o STJD novamente não deu ouvidos e
manteve a punição imposta ao piloto. Pior: de acordo com o piloto, o tribunal
justificou-se afirmando que tinham de dar o exemplo pelo fato de ele ser um
piloto famoso no meio. Totalmente condenável. Isso deixou os ânimos
relativamente estremecidos na equipe da Iveco, time onde Monteiro corre.
Mais recentemente, foi
a vez da Indy Racing League engrossar contra seus pilotos, tendo baixado no mês
passado uma nova norma onde os pilotos não podem ter ou incentivar atitudes que
possam ameaçar ou denegrir a imagem de qualquer competidor, ou da marca "Indy";
seu calendário, eventos, qualquer relação comercial da categoria, sua
integridade, reputação, ou confiança do público, bem como pôr em dúvida a legitimidade
do regulamento ou de sua aplicação, construção ou interpretação. Isso aconteceu
depois da etapa de Fontana, onde os pilotos andaram soltando mais críticas do
que o habitual, ao que parece a direção da Indycar não ter ficado muito
satisfeita com seus pilotos falando demais. Mark Miles, diretor da entidade que
comanda a IRL, apressou-se em declarar que a nova regra do regulamento não é
uma "lei da mordaça", afirmando que ela será mais para garantir que eles
terão autoridade para agir quando sentir que for preciso. Certo, finjo que
acredito, ainda mais porque, mesmo sem esta regra, na mesma prova de Fontana,
por ter dado um empurrão em um médico da equipe de resgate após seu acidente na
corrida, o atual campeão da categoria, Will Power, da Penske, levou uma multa
de US$ 25 mil, além de ter sido posto "sob observação" pelo restante
da temporada. Power tinha todo o direito de estar de cabeça quente naquele
momento, até porque o acidente que o tirou da prova não foi culpa dele, mas de
Takuma Sato, que rodou e atingiu o australiano, que felizmente saiu ileso da
pancada que sofreu no muro. Ah, a punição também se deveu às críticas feita por
Power à categoria, quando falou sobre a insegurança que o novo pacote
aerodinâmico proporcionou pelo fato dos pilotos andarem muito juntos durante a
etapa no California Speedway, que poderia gerar inúmeros acidentes nos toques
involuntários entre os carros.
É normal que cada
categoria tenha regras para disciplinar o comportamento de seus participantes.
O problema está em fazer destas regras obstáculos claros para qualquer piloto
que resolva fazer críticas à categoria, sejam elas fundamentadas ou não. Se um
piloto costuma ser sujo, desleal, ou antidesportivo na pista, certamente sua
credibilidade não será das melhores quando reclama de algo. Porém, se o piloto
não está fazendo nada de errado, e quer mostrar que algo não está correto, ou
sendo feito de maneira errada, não há motivo porque puni-lo por simplesmente
falar o que pensa ou o que precisa ser dito. Em categorias de alto nível no
automobilismo, nenhum dos participantes que compete ali é um inconsequente ou um
irresponsável, salvo raras exceções. Todos deram duro para chegar onde estão, e
por estarem sempre ao volante dos carros, sofrendo em primeira mão os efeitos
de certas regras que por vezes são baixadas de forma inepta ou equivocada, eles
precisam ser ouvidos, suas idéias discutida, e se chegar a um consenso que
permita que seja obtido um proveito da troca de opiniões.
Mas casos como o de
Cacá Bueno e Beto Monteiro, só para exemplificar o que citei neste texto,
demonstra que os dirigentes parecem mesmo pouco propensos, senão completamente
contrários, a ouvir os pilotos de forma mais imparcial e neutra. Eles vêem as
críticas a seus subalternos e à entidade que comandam como desafio à sua
autoridade, e que isso não pode passar sem um castigo, para que não sejam
novamente questionados, e também não tenham seu poder enfraquecido. Basta lembrar
da "justificativa" do STJD na punição de Beto Monteiro: sua punição
foi para dar o exemplo de que não importa se o piloto é famoso ou campeão, ele
vai ser punido do mesmo jeito, talvez até mais, justamente por ser alguém de
renome no meio. Alguém lembrou também da punição da FIA a Ayrton Senna pelas
críticas que o piloto fez pela sua desclassificação em Suzuka, no Grande Prêmio
do Japão de 1989? Jean-Marie Balestre, presidente da FIA, ameaçou expulsar o
brasileiro da F-1 se ele não pedisse desculpas pelo que disse. E Senna precisou
engolir as palavras e se desculpar. Esse tipo de palhaçada já não é algo novo. Aliás,
já faz um bom tempo que as entidades que comandam o esporte, não apenas no
Brasil, andam com a moral em baixa, se é que tem alguma. Posso citar o caso dos
vários membros da FIFA, e até da CBF, presos recentemente por picaretagens na
condução do futebol em suas áreas. Se a CBA não tem nenhum escândalo que
justifique a prisão de algum de seus integrantes, por outro lado eles também
não estão fazendo muito para merecerem o que ganham, do contrário, o
automobilismo brasileiro não estaria do jeito que está hoje. E nem preciso
citar como não apenas a CBA, mas o COB, além de vários outros cartolas e
políticos, se juntaram para "destruir" o autódromo de Jacarepaguá, no
Rio de Janeiro, movidos a interesses escusos dos quais o do desenvolvimento do
esporte é que não foi.
Por essas e outras, os
pilotos não podem ser tratados da forma que são hoje em dia. E quem tem cacife
no meio, que fale pelos demais. Cacá, indignado com sua punição, já adiantou
que não vai mudar o que pensa, nem ficar quieto, se precisar dizer alguma
coisa. Infelizmente, os pilotos, sejam de quais categorias forem, dificilmente
se unem atualmente para defender um dos seus quando este é injustamente punido
pela cartolagem. Nessa hora, cada um está cuidando de sua própria vida, e
lamentavelmente, é com isso que os dirigentes contam para manterem seu poder e
não serem desafiados quando algum piloto expõe suas mazelas. As regras do
regulamento viraram apenas uma ferramenta para se justificar calar a voz de
quem ouse falar mais do que lhe é reservado, e a censura não pode prevalecer.
Portanto, fora com a censura!
E tenho dito...
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