sexta-feira, 7 de agosto de 2015

FORA COM A CENSURA


Cacá Bueno chamou o pessoal da CBA de imbecil numa conversa que deveria ser privada entre ele e sua escuderia e a entidade se doeu, suspendendo-o por uma corrida e aplicando uma forte multa.

            Domingo passado, tivemos a rodada dupla de Curitiba, válida pelo campeonato brasileiro da Stock Car. Mas um dos principais pilotos da competição, Cacá Bueno, não participou das corridas do fim de semana. Ele cumpriu punição de suspensão da etapa na capital paranaense, após perder um recurso para reverter a punição. E qual foi o motivo da suspensão? Ele causou um acidente? Teve atitude antidesportiva? Competiu dopado? Nada disso... Apenas falou o que pensava, e para a CBA, a liberdade de expressão parece ter sido jogada no lixo, afinal, o piloto apenas chamou a turma da Confederação Brasileira de Automobilismo de "bando de imbecis", o que convenhamos, pelo que a confederação vem fazendo pelo automobilismo nacional nos últimos tempos, não está longe da verdade.
            O incidente ocorreu na etapa de Ribeirão Preto. Em disputa com Marcos Gomes, Cacá Bueno continuou acelerando forte, mesmo depois do fim da prova. Acontece que a bandeira quadriculada não fora mostrada aos pilotos, e estes, sem saber do fim da corrida, mantiveram suas disputas e a alta velocidade, ao mesmo tempo em que o pessoal de apoio já começava a entrar na pista para os procedimentos costumeiros pós-corrida. Irritado com o fato, que poderia ter resultado num acidente grave e de grandes proporções, Cacá não se conteve, e numa conversa de rádio com seu time, chamou o pessoal da CBA de imbecis pela trapalhada. Até aí, nada demais, tanto que a responsável pela bandeirada foi conversar com o piloto, explicou sua falha, e tudo se resolveu numa boa entre eles, como certamente deveria ter acabado por aí.
            Mas não, a turma da CBA, do alto de sua prepotência e arrogância, ao ver o tom da conversa do piloto com sua equipe, que acabou indo ao ar, se doeu, e pronto, punição a Cacá, com suspensão de uma etapa, e multa de R$ 30 mil. O piloto da Red Bull conseguiu um efeito suspensivo da decisão, e por isso, pôde disputar a etapa de Santa Cruz do Sul, enquanto o caso aguardava julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva. Só que o piloto perdeu o recurso, e além de ter de cumprir a pena, ainda viu a multa ser aumentada para R$ 50 mil. Atitude esdrúxula e cretina da CBA, que deveria se ocupar de coisas mais importantes do que ficar ofendida por algo que o piloto falou quando estava de cabeça quente em um diálogo com seu time.
            Infelizmente, o mundo do automobilismo andou pegando umas práticas nada saudáveis de uns tempos para cá, que viraram pragas. E uma destas pragas é a censura que várias categorias resolveram impôr a seus participantes. E lamentavelmente, a Stock Car é uma delas, tendo estabelecido há algum tempo regras que simplesmente proíbem que seus pilotos falem mal da categoria e, por tabela, também da CBA. Acho isso algo inaceitável e condenável, tirando o respeito e credibilidade dos dirigentes, por mostrar que eles não aceitam críticas e opiniões contrárias, muito pelo contrário...
            Mais do que isso, o gesto da CBA na dura punição de Cacá teve ares de fazer dele um exemplo para qualquer um que resolva abrir a boca de modo "subversivo" aos olhos da entidade pense duas vezes. Pentacampeão da Stock Car, Cacá é o piloto mais bem-sucedido da categoria atualmente, e um dos mais famosos da história da competição. É hostilizado por muitos, que vêem seu sucesso como algo "arranjado" pelo fato de ser filho do locutor Galvão Bueno, da TV Globo, mas tem méritos próprios para seu grande sucesso nas pistas, mesmo que tenha eventualmente tido algumas facilidades por ser filho de quem é. Está longe de ser um piloto encrenqueiro, ou um braço duro, e não é 5 vezes campeão da principal categoria do automobilismo nacional à toa. Mas ele tem personalidade forte, e não é de levar desaforo para casa. Ele fala o que pensa, e esse é o problema para a cartolagem, que infelizmente infesta o esporte hoje em dia, para quem os pilotos devem apenas pilotar e ficar quietos, sem direito a opinião.
            Há um bom tempo já vemos este tipo de comportamento na F-1, onde os pilotos são censurados por seus times. Oficialmente, é a "lei" do politicamente correto, algo até mais danoso do que a censura propriamente dita, onde todo mundo fala de forma educada e pensada, e nunca ficamos sabendo exatamente o que pensam. E, quando falam um pouco mais do que deviam, alguns levam uma boa puxada de orelha de seus times, com raras exceções. Nas horas das entrevistas, cada piloto está quase sempre com o assessor de imprensa de seu time, que nos últimos tempos, virou mais um leão de chácara do que assessor propriamente dito, mais com a função de "policiar" o que o piloto fala do que ajudar na informação exatamente. E quase sempre, dando declarações por vezes "fabricadas", ou assépticas. Hoje os times não vêem com olhos muito agradáveis quando seus pilotos querem dizer abertamente o que pensam. O que era antes uma exceção virou a regra entre os times. Nélson Piquet, que sempre se caracterizou por falar o que pensa, doa a quem doer, provavelmente não conseguiria andar nos dias de hoje em algumas competições, por causa de sua boca ferina... Saudades dos tempos em que os pilotos diziam que o carro era uma draga, ou falavam em mandar para o inferno um rival. Hoje, levantar o dedo indicando "aquilo" já sujeita o piloto a tomar uma punição disso, ou uma penalização daquilo...Os pilotos não precisam disso, e o público, menos ainda. Eles querem ver transparência, os pilotos falarem o que pensam, serem mais legítimos. O aspecto corporativo, que impõe que todos falem bem e de acordo com o figurino "oficial", não desagradando a gregos e troianos, é um dos motivos pelo qual a popularidade da F-1 anda em baixa. Felizmente, ainda há um ou outro caso onde podemos ver os ânimos exaltados na categoria, como a recente discussão da Red Bull com sua fornecedora de motores Renault pelos problemas de suas unidades de potência atuais...
            No caso de Cacá, a grande maioria do pessoal da Stock achou a punição exagerada e desproporcional, para não dizer adjetivos menos elogiáveis, mostrando-se do lado do piloto. E, para azar da CBA, a primeira corrida em Curitiba teve cenas grotescas que beiraram o absurdo, além de um acidente violento envolvendo vários pilotos, como que para apenas afirmar a veracidade da declaração do piloto sobre a "competência da entidade que comanda o automobilismo nacional. E Galvão Bueno, em seu programa "Bem, amigos!" na última segunda-feira, no SporTV, aproveitou para tomar um pouco as dores do filho, em que pese ter atacado pontos cruciais ao afirmar que a CBA "não está fazendo nada pelo automobilismo nacional", afirmando também que a entidade não tem sequer um projeto de formação de pilotos, e também declarando que os dirigentes por vezes não sabem nada do que estão fazendo, nunca tendo entrado em um carro de corrida. Galvão foi direto ao ponto. Mas fica chato esse tipo de crítica, há muito necessária, ter sido feita unicamente depois que o filho foi punido pela entidade. São críticas que já deveriam ser feitas ininterruptamente nos últimos anos, com nosso automobilismo indo para o buraco, da forma como vai, sendo hoje uma sombra do que já foi em tempos não tão distantes.
            O piloto Átila Abreu também foi contundente ao afirmar que quando tem um erro, o piloto é penalizado, mas os comissários não, o que dá a entender a lógica da citação "dois pesos e duas medidas", ao referir-se que ninguém foi punido pelo erro cometido em Ribeirão Preto. Para o piloto Felipe Fraga, o erro da CBA poderia ter resultado em um grave acidente, cujas consequências iriam recair sobre a própria entidade, e Cacá e Gomes se veriam em uma situação difícil causando um acidente inadvertidamente por culpa da direção de prova. Isso é algo que precisa sim ser levado em consideração, pelos riscos inerentes que o automobilismo apresenta.
No ano passado, o piloto Beto Monteiro também tomou um gancho de uma corrida e mais uma multa, por reclamar com o pessoal da CBA em Caruaru.
            Infelizmente, a cartolagem parece pensar de forma diferente.No ano passado, o piloto Beto Monteiro, bicampeão da F-Truck, acabou levando também uma corrida de suspensão, mais uma multa de R$ 25 mil, não tendo participado da etapa de Cascavel, no Paraná. Seu "pecado" foi "ofender" os comissários na etapa de Caruaru. O piloto havia sido punido no treino classificatório por seu caminhão soltar muita fumaça. Monteiro foi à torre da direção de prova e criticou os comissários. Foi o suficiente para a CBA novamente se doer e lascar a punição ao piloto, que declarou apenas ter falado alto com o pessoal, sem xingar nem destratar ninguém. E não adiantou recorrer: o STJD novamente não deu ouvidos e manteve a punição imposta ao piloto. Pior: de acordo com o piloto, o tribunal justificou-se afirmando que tinham de dar o exemplo pelo fato de ele ser um piloto famoso no meio. Totalmente condenável. Isso deixou os ânimos relativamente estremecidos na equipe da Iveco, time onde Monteiro corre.
            Mais recentemente, foi a vez da Indy Racing League engrossar contra seus pilotos, tendo baixado no mês passado uma nova norma onde os pilotos não podem ter ou incentivar atitudes que possam ameaçar ou denegrir a imagem de qualquer competidor, ou da marca "Indy"; seu calendário, eventos, qualquer relação comercial da categoria, sua integridade, reputação, ou confiança do público, bem como pôr em dúvida a legitimidade do regulamento ou de sua aplicação, construção ou interpretação. Isso aconteceu depois da etapa de Fontana, onde os pilotos andaram soltando mais críticas do que o habitual, ao que parece a direção da Indycar não ter ficado muito satisfeita com seus pilotos falando demais. Mark Miles, diretor da entidade que comanda a IRL, apressou-se em declarar que a nova regra do regulamento não é uma "lei da mordaça", afirmando que ela será mais para garantir que eles terão autoridade para agir quando sentir que for preciso. Certo, finjo que acredito, ainda mais porque, mesmo sem esta regra, na mesma prova de Fontana, por ter dado um empurrão em um médico da equipe de resgate após seu acidente na corrida, o atual campeão da categoria, Will Power, da Penske, levou uma multa de US$ 25 mil, além de ter sido posto "sob observação" pelo restante da temporada. Power tinha todo o direito de estar de cabeça quente naquele momento, até porque o acidente que o tirou da prova não foi culpa dele, mas de Takuma Sato, que rodou e atingiu o australiano, que felizmente saiu ileso da pancada que sofreu no muro. Ah, a punição também se deveu às críticas feita por Power à categoria, quando falou sobre a insegurança que o novo pacote aerodinâmico proporcionou pelo fato dos pilotos andarem muito juntos durante a etapa no California Speedway, que poderia gerar inúmeros acidentes nos toques involuntários entre os carros.
Em julho, foi a vez da IRL baixar regra proibindo os pilotos de "denegrir" a imagem da categoria, o que incluiu proibir também críticas e questionar os regulamentos da entidade. Censura na cara dura, e ainda dizem que não é "lei da mordaça"...
            É normal que cada categoria tenha regras para disciplinar o comportamento de seus participantes. O problema está em fazer destas regras obstáculos claros para qualquer piloto que resolva fazer críticas à categoria, sejam elas fundamentadas ou não. Se um piloto costuma ser sujo, desleal, ou antidesportivo na pista, certamente sua credibilidade não será das melhores quando reclama de algo. Porém, se o piloto não está fazendo nada de errado, e quer mostrar que algo não está correto, ou sendo feito de maneira errada, não há motivo porque puni-lo por simplesmente falar o que pensa ou o que precisa ser dito. Em categorias de alto nível no automobilismo, nenhum dos participantes que compete ali é um inconsequente ou um irresponsável, salvo raras exceções. Todos deram duro para chegar onde estão, e por estarem sempre ao volante dos carros, sofrendo em primeira mão os efeitos de certas regras que por vezes são baixadas de forma inepta ou equivocada, eles precisam ser ouvidos, suas idéias discutida, e se chegar a um consenso que permita que seja obtido um proveito da troca de opiniões.
            Mas casos como o de Cacá Bueno e Beto Monteiro, só para exemplificar o que citei neste texto, demonstra que os dirigentes parecem mesmo pouco propensos, senão completamente contrários, a ouvir os pilotos de forma mais imparcial e neutra. Eles vêem as críticas a seus subalternos e à entidade que comandam como desafio à sua autoridade, e que isso não pode passar sem um castigo, para que não sejam novamente questionados, e também não tenham seu poder enfraquecido. Basta lembrar da "justificativa" do STJD na punição de Beto Monteiro: sua punição foi para dar o exemplo de que não importa se o piloto é famoso ou campeão, ele vai ser punido do mesmo jeito, talvez até mais, justamente por ser alguém de renome no meio. Alguém lembrou também da punição da FIA a Ayrton Senna pelas críticas que o piloto fez pela sua desclassificação em Suzuka, no Grande Prêmio do Japão de 1989? Jean-Marie Balestre, presidente da FIA, ameaçou expulsar o brasileiro da F-1 se ele não pedisse desculpas pelo que disse. E Senna precisou engolir as palavras e se desculpar. Esse tipo de palhaçada já não é algo novo. Aliás, já faz um bom tempo que as entidades que comandam o esporte, não apenas no Brasil, andam com a moral em baixa, se é que tem alguma. Posso citar o caso dos vários membros da FIFA, e até da CBF, presos recentemente por picaretagens na condução do futebol em suas áreas. Se a CBA não tem nenhum escândalo que justifique a prisão de algum de seus integrantes, por outro lado eles também não estão fazendo muito para merecerem o que ganham, do contrário, o automobilismo brasileiro não estaria do jeito que está hoje. E nem preciso citar como não apenas a CBA, mas o COB, além de vários outros cartolas e políticos, se juntaram para "destruir" o autódromo de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, movidos a interesses escusos dos quais o do desenvolvimento do esporte é que não foi.
            Por essas e outras, os pilotos não podem ser tratados da forma que são hoje em dia. E quem tem cacife no meio, que fale pelos demais. Cacá, indignado com sua punição, já adiantou que não vai mudar o que pensa, nem ficar quieto, se precisar dizer alguma coisa. Infelizmente, os pilotos, sejam de quais categorias forem, dificilmente se unem atualmente para defender um dos seus quando este é injustamente punido pela cartolagem. Nessa hora, cada um está cuidando de sua própria vida, e lamentavelmente, é com isso que os dirigentes contam para manterem seu poder e não serem desafiados quando algum piloto expõe suas mazelas. As regras do regulamento viraram apenas uma ferramenta para se justificar calar a voz de quem ouse falar mais do que lhe é reservado, e a censura não pode prevalecer. Portanto, fora com a censura!
            E tenho dito...
Por receber ajuda e voltar à pista cortando a chicane na pista de Suzuka, após seu acidente com Alain Prost em 1989, Ayrton Senna foi desclassificado. Por criticar a FIA, esta ameaçou cassar sua superlicença, que na prática o baniria da F-1. Jean-Marie Balestre exigiu desculpas e Senna teve de voltar atrás...

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