Domingo será um dia histórico para os fãs da velocidade. Neste dia, no Estado de Indiana, mais precisamente em sua capital, Indianápolis, será dada a largada para a 95ª edição de uma das mais famosas corridas de todo o mundo, as 500 Milhas de Indianápolis, onde novamente 33 pilotos largarão para tentar alcançar a glória de vencer na “Brickyard Line”, como é conhecida a linha de chegada do Indianapolis Motor Speedway. Mas, mais importante do que isto, esta edição da corrida é especial por ser o centenário da mais famosa corrida disputada nos Estados Unidos. Foi em 1911, exatos 100 anos atrás, que se iniciou a história da Indy500, e é isso que torna a edição de 2011 especial. Só não é a 101ª edição da corrida porque ela não foi disputada em alguns anos, mais exatamente em 1917, 1918, 1942, 1943, 1944, e 1945, em virtude das duas grandes guerras mundiais.
Quando de sua construção, o circuito de Indianápolis já assombrava pelo seu tamanho: uma pista em formato oval retangular com cerca de 2,5 milhas de extensão. O objetivo inicial era desenvolver ali os testes da crescente indústria automobilística americana, mas os planos foram além com a realização da corrida das 500 milhas , que seriam, além de um incentivo ao desenvolvimento dos carros, também um grande show para o público. E em 1911, com o circuito já pronto, e uma pista ainda de terra, Ray Harroun escreveu seu nome na história da corrida sendo o seu primeiro vencedor. Harroun, pilotando um modesto Marmon, nem era cotado entre os prováveis favoritos da corrida, mas sua participação inicial já era marcada por um detalhe inédito até então: o uso de uma peça simples que se tornou o primeiro espelho retrovisor dos carros, um fator que foi decisivo em sua vitória. Os pilotos corriam com seus mecânicos nos carros, e eles não apenas efetuavam os consertos porventura necessários durante a corrida, mas também informavam ao piloto quando alguém ia ultrapassá-los. Com o espelho instalado em seu carro, Harroun não precisou levar o seu mecânico junto, e esta vantagem de menos peso ajudou a contrabalançar a menor velocidade de seu carro frente aos demais. E ao final de 6 horas e pouco mais de 42 minutos, ele cruzaria em primeiro lugar a linha de chegada. Curiosamente, este triunfo de Harroun também foi sua despedida das pistas, pois após a vitória ele anunciou seu afastamento definitivo das competições como piloto. Quando da segunda realização da prova, seu primeiro vencedor já não estava lá para defender seu título de campeão.
O circuito, assim como os carros, foi evoluindo com o tempo. A pista de terra foi posteriormente pavimentada com tijolos, e mais à frente, asfaltada. Em respeito ao calçamento original, foi preservada uma pequena faixa de tijolos na linha de chegada, e por isso o nome de “Brickyard Line”. Na década de 1950, para dar justificativa ao seu status de campeonato mundial, a Fórmula 1 englobou a Indy500, que fizeram parte do certame da competição por 10 anos anos. Mas era uma participação fajuta: nenhum dos pilotos que disputava a F-1 corria em Indianápolis e vice-versa. Era apenas jogo de cena. Mesmo assim, ficou oficializada a “participação” da Indy500 na maior categoria automobilística do mundo. Na década passada, a Fórmula 1 finalmente correu em Indianápolis, agora em uma pista mista montada dentro do autódromo, aproveitando parte do traçado do famoso oval, mas em sentido contrário.
Até o início da década de 1990, Indianápolis era um circuito de uma prova só. Abriu-se, então, para receber uma etapa da Nascar, que corre lá até hoje, e chegou a receber, como mencionado acima, a Fórmula 1. Mas foi mesmo as 500 Milhas a fazerem a fama do autódromo, que em épocas passadas atraiu até mesmo competidores de outras categorias. Jim Clark foi um deles, sacrificando sua participação em uma corrida da F-1 para disputar a lendária corrida americana com seu Lotus e vencer de forma contundente a corrida. Apesar de existir o campeonato da F-Indy, vencer em Indianápolis era mais importante até do que o título da categoria. O charme, o desafio e o carisma da Indy500 cativaram centenas de pilotos e milhões de admiradores das corridas por todo o mundo. O circuito foi ganhando diversas estruturas ao longo do tempo, como o “Gasoline Alley” (Beco da Gasolina), onde estão as garagens das equipes, que ficam no meio do circuito, e não exatamente junto à reta dos boxes. Um museu foi erguido ali, bem de frente à entrada, e conta a todos os visitantes a história do autódromo e de sua mais importante corrida. As imensas arquibancadas, que nos dias da corrida recebem aproximadamente 500 mil pessoas, são imponentes e sua altura permite quase uma visão da reta oposta da pista. Há também um campo de golfe na área interna do circuito, com uma grande área verde que ajuda a contrabalançar as estruturas de alvenaria à volta da pista.
Se vencer em Indianápolis era uma das grandes glórias a que qualquer piloto profissional poderia aspirar, então conseguir vencer mais de uma vez tornou-se uma façanha a ser ambicionada. Algo nada fácil, pois o circuito oval, aparentemente inofensivo e simples para quem olha de fora, esconde muitos segredos que só os pilotos experientes conhecem, e que nem mesmo assim os salva de serem pegos, vez por outra, pelas “armadilhas” que a pista esconde por sua extensão. Não por acaso, todo novato que chega para disputar a prova tem de passar por uma “avaliação” dos pilotos mais experientes, para verificar se tem condições de encarar os desafios do circuito e da prova. Cada novato leva uma marcação em sua asa traseira, indicando que é um “rokkie” na corrida, o que serve de lembrete para os pilotos mais experientes na hora de disputar posição e/ou dar uma volta em cima, por se tratar de um piloto de menor experiência. Precaução exagerada, para alguns, mas acidentes nesse circuito podem muitas vezes serem catastróficos, e a pista da Indy500 já ceifou a vida de vários pilotos, lamentavelmente. De novatos como Jovy Marcelo, a veteranos como Scott Brayton, o circuito não poupa ninguém que o desrespeite.
Rick Mears, A. J. Foyt, e Al Unser são os recordistas de triunfos na Indy500, com 4 vitórias cada um. Entre os brasileiros, temos 6 vitórias, 3 com Hélio Castro Neves, 2 com Émerson Fittipaldi, e 1 com Gil de Ferran. Helinho, mesmo largando do meio do pelotão, é considerado um dos favoritos, e um novo triunfo o igualaria ao trio Foyt/Unser/Mears. Posições de largada não dizem muito numa corrida longa como as 500 Milhas . Afinal, são mais de 800 quilômetros de percurso, e nem sempre o mais veloz vence a corrida, mas aquele que consegue chegar mais inteiro ao final. Carros e pilotos são colocados à prova no traçado de 2,5 milhas , e piloto e equipe tem de estar em perfeita sintonia para chegarem à vitória. São várias paradas nos boxes, para reabastecimento e trocas de pneus, e cada uma delas é uma chance em potencial de se arrumar problemas e/ou contornar dificuldades na corrida.
Nos últimos tempos, depois da cisão CART/IRL, o prestígio da Indy500 decaiu, e de certa forma, ainda hoje, pode-se notar que a fama da corrida segue mais na “banguela”, devido à sua longa tradição. Grandes nomes de outras categorias, que antes sempre apareciam no grid para disputar a corrida, deixaram de aparecer, e em alguns anos recentes, foi preciso “caçar” competidores para preencher as 33 vagas do grid de largada, algo impensável quando lembro de que em alguns anos, havia até quase 100 carros tentando vaga para a prova. Os tempos atuais são outros, infelizmente. De certa forma, pode-se dizer que a Indy500 sobrevive hoje em dia, mais graças à sua tradição do que ao charme que já teve. Mesmo assim, os prêmios continuam sendo bem atrativos: só o pole-position Alex Tagliana já levou US$ 300 mil apenas por ter feito a pole. O vencedor vai levar mais de US$ 1 milhão de premiação, sem falar nos inúmeros contratos de publicidade e entrevistas que dará na semana seguinte, algo que ainda faz, mais do que nunca, valer a pena disputar esta corrida.
Sem dúvida, quando for dada domingo a ordem para que os pilotos liguem seus motores, será um momento histórico para o automobilismo mundial. Algo que deve ser comemorado e respeitado. E que seja uma corrida que faça juz ao seu momento centenário, e que ofereça aos amantes da velocidade presentes não apenas no autódromo, mas acompanhando de seus lares mundo afora, um espetáculo á altura de sua imponência.