sexta-feira, 13 de junho de 2025

A TRAGÉDIA DE LE MANS: 70 ANOS

O acidente que matou mais de 80 pessoas e feriu mais de 100: um momento negro na história do automobilismo mundial que ocorreu nas 24 Horas de Le Mans em 1955 completou 70 anos.

            O mundo do automobilismo abre passagem para a realização de uma de suas corridas mais famosas no mundo inteiro: Le Mans. A mais lendária corrida de longa duração do planeta terá sua 93ª edição neste final de semana, e centraliza as atenções mundiais do mundo do esporte a motor, apesar de vários campeonatos diversos terem disputas no mesmo final de semana, como o GP do Canadá de F-1. Mais uma vez, teremos cerca de 62 carros na pista, com um total de 186 pilotos, todos na busca pelo triunfo em Le Sarthe, onde a vitória é tão celebrada quanto nas 500 Milhas de Indianápolis, nos Estados Unidos.

            Mas a história das 24 Horas de Le Mans não é feita apenas de glórias. Foi na pista francesa que também ocorreu o pior acidente da história envolvendo competições do mundo do esporte a motor, com consequências trágicas e que até hoje reverberam na memória de quem testemunhou, ou leu a respeito, e que acabou de completar 70 anos, mais precisamente, no dia 11 de junho de 1955. Um acidente de tais proporções que gerou repercussões no mundo inteiro, com consequências e cicatrizes que demoraram a ser curadas no mundo do automobilismo.

            Era a 23ª edição das 24 Horas de Le Mans. A corrida seguia normalmente, e dentre os 60 carros na disputa, tínhamos grandes nomes como a Jaguar e a Mercedes na disputa pela glória da vitória. E com nomes de peso ao volante: Mike Hawthorn, que formava dupla com Ivor Bueb; defendia a marca britânica, enquanto a Mercedes tinha ninguém menos que Juan Manuel Fangio, em parceria com Stirling Moss. E os dois carros dispararam na frente, deixando os demais se tornarem figurantes de luxo na competição. A corrida seguia normalmente, mas tudo viraria de cabeça para baixo por volta da terceira hora da corrida. Àquele momento, Mike Hawthorn, liderando com a Jaguar, recebeu sinal para parar e reabastecer. Ele cortou para a direita, logo após ultrapassar o retardatário Lance Macklin e brecou para ir ao box. Pego de surpresa pela manobra da Jaguar de Hawthorn, Macklin desviou para a esquerda, mas isso o colocou à frente de outro retardatário da prova, o francês Pierre Levegh, que guiava uma outra Mercedes de fábrica. O francês de 49 anos não foi capaz de desviar, e acertou em cheio a traseira do modelo Austin-Healey de Macklin e decolou, em altíssima velocidade. Estávamos na reta dos boxes, que à época, não possuíam separação entre a zona dos boxes, onde os carros paravam, e a pista de competição, e mesmo na época, os carros já atingiam velocidades espantosas, chegando a 300 Km/h nas retas de Le Mans, e onde as condições de segurança iam ficando cada vez mais temerárias em razão disso. Uma hora, tudo poderia dar errado, e resultar em um acidente potencialmente desastroso. E foi o que aconteceu.

            As consequências do toque entre Macklin e Levegh foram terríveis e devastadoras. A Mercedes do francês decolou completamente, acertou o muro em cheio, desintegrando-se completamente no impacto, e matando o piloto na hora. Mas não só isso: o eixo dianteiro e o bloco do motor se soltaram na colisão e, em altíssima velocidade, voaram em direção às arquibancadas, atingindo em cheio o público ali presente, esmagando e decapitando diversos espectadores, numa cena aterrorizante. Como desgraça pouca é bobagem, ainda havia um fato complicador: muitas pessoas também foram queimadas pelas chamas que se espalharam pelo impacto dos destroços. Isso foi causado pelo fato do carro da Mercedes ter componentes feitos de magnésio, um metal mais leve que os tradicionalmente usados, mas também altamente inflamável, que serviu para transformar o acidente em algo ainda maior do que já havia sido.

A "reta dos boxes" em 1955: além da pista estreita, não havia separação com os boxes propriamente, e ainda vejam como o público estava próximo. Convite ao desastre potencial, que infelizmente ocorreu.

            Nada menos que 82 torcedores, além do piloto, faleceram no acidente. E cerca de mais 120 expectadores foram feridos pelos estilhaços e destroços, além das chamas do acidente. Uma tragédia sem igual, cujas imagens são chocantes, e só não são piores diante da baixa resolução das mesmas, devido às condições de filmagem da época, o que não impede que se fique horrorizado com o acontecimento. Com tantos mortos e feridos, outro problema surgiu: haveriam apenas 25 médicos para prestar assistência, que se viram incapazes de dar conta de tamanha tragédia, e por isso, segundo se consta, a corrida não foi interrompida. Haviam cerca de 300 mil pessoas na pista de Le Sarthe, e as estradas ficariam completamente congestionadas se todos eles resolvessem sair dali ao mesmo tempo, prejudicando o trânsito das viaturas de resgate, segundo os organizadores.

            Com isso, a prova prosseguiu, com a disputa pela vitória entre a Mercedes com Fangio/Moss, e a Jaguar, com Hawthorn/Bueb. Mas a direção da Mercedes, em Sttutgart, na Alemanha, havia sido avisada da tragédia, e num gesto de evitar tensões e comprometer sua imagem, em um momento onde as rivalidades entre ingleses e alemães ainda andavam inflamadas diante dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, encerrada apenas uma década antes, a marca alemã decidiu se retirar da competição, e abdicar da vitória, uma vez que seu carro, naquele momento, liderava com 2 voltas de vantagem sobre o rival da Jaguar. A equipe britânica, aliás, foi sugerida a abandonar a disputa, em respeito à memória das vítimas da tragédia, mas se recusou a fazer isso, e venceu a corrida, num gesto pelo qual foi muito criticada, especialmente pelas cenas de comemoração de Hawthorn/Bueb no pódio, onde chegaram a comemorar com o tradicional champanhe da vitória, como se nada do que aconteceu tivesse tido importância.

            Mas teve. E muita. Vários culpados chegaram a ser apontados entre os pilotos, como o próprio Levegh, Hawthorn, Macklin. Ao fim das discussões e debates acalorados, na verdade os pilotos foram os menos culpados. O acidente em si acabou finalmente considerado como acidente de corrida, que acabou potencializado justamente pela falta de considerações de segurança, chamando atenção para detalhes que eram amplamente negligenciados até então. A segurança do autódromo, não apenas em Le Mans, mas em diversos outros circuitos da época, era extremamente precária, ainda mais considerando as velocidades que os carros já eram capazes de atingir. No caso de Le Mans, ainda por cima, a reta era estreita e, pasme, não havia separação alguma entre os boxes e a pista, de modo que os pilotos que faziam seus pit-stops praticamente desacelerando em meio aos outros pilotos que passavam a toda velocidade. Fora isso, o muro das arquibancadas tinha apenas cerca de um metro e meio de altura, oferecendo proteção quase nula para os espectadores ali posicionados ao lado da pista, e muito próximos a ela.

Os destroços do carro de Pierre Levegh, que pegou fogo no impacto com o muro. Peças de magnésio impulsionaram as chamas, piorando a situação.

            Desnecessário dizer que essa tragédia gerou um impacto tremendo. E as consequências foram várias, e muito amplas. O automobilismo acabou quase criminalizado, em alguns aspectos, e diversos países chegaram até a proibir as corridas, enquanto as estruturas das pistas, e principalmente as medidas visando a segurança fossem levadas a sério. O próprio Circuito de Le Sarthe passou por uma série de modificações, como a óbvia separação entre pista e pit-lane, além de terem sido implementados reforços em todos os aspectos de segurança da pista, como guard-rais, barreiras de pneus, caixas de brita, asfalto, zonas de desaceleração, entre outras melhorias variadas. Foram feitas também diversas alterações estruturais, como o reposicionamento do público, que passou a ficar mais afastado da pista, além do alargamento da mesma, de algumas outras áreas e a construção de um muro real de separação, a fim de criar uma estrutura de segurança mais efetiva em caso de novas decolagens.

            Com isso, paulatinamente diversos países foram permitindo o retorno do esporte a motor, à medida que as novas regras de segurança se mostravam implantadas nas pistas e circuitos existentes. A Suíça, contudo, baniu o automobilismo de vez, e até hoje corridas são proibidas por lá, agora como justificativa usando questões ambientais, tanto que a Formula-E foi a única a disputar provas por lá na década passada, por sua proposta de eletrificação veicular. Nem todas as pistas se modernizaram, e algumas foram desativadas e abandonadas, diante da recusa e/ou impossibilidade de cumprirem com as novas normas de segurança adotadas.

            Mas não foram somente as pistas e circuitos que tiveram que evoluir. Os bólidos de competição também tiveram de mudar em vários aspectos e no seu desenvolvimento. Isso incluiu a proibição de uso de materiais potencialmente propensos ao fogo, substituídos por materiais mais seguros. E, claro, a preocupação com segurança passou a ser levada bem mais a sério, resultando em padrões mais elevados e a consideração de tópicos que ainda não haviam sido abordados até então, como a presença de espectadores à beira da pista e até dentro do pit-lane, por exemplo, coisas absolutamente impensáveis nos dias de hoje.

Em alta velocidade, o carro de Pierre Levegh decolou após o toque, e se destruiu no impacto com o muro.

            Entre as marcas mais contundentes desencadeadas pela tragédia, foi a decisão da Mercedes de se afastar dos esportes motorizados, retornando somente várias décadas depois, nos anos 1980. As últimas duas corridas daquela temporada de 1955 do campeonato de longa duração aconteceriam apenas em setembro e outubro, com ambas as provas vencidas pela Mercedes. Stirling Moss, nas duas provas; foi acompanhado por John Fitch, então companheiro do falecido Levegh, na etapa da Irlanda do Norte, e por Peter Collins na Itália. Ao fim de 1955, a Mercedes também seria campeã na F1, tornando a decisão de sair do automobilismo ainda mais impactante, pelo sucesso alcançado pela marca.

            Tal qual outro final de semana trágico no automobilismo, o Grande Prêmio de San Marino de 1994, onde morreram Ayrton Senna e Roland Ratzemberger, com outros fortes acidentes no final de semana, a tragédia de Le Mans levou a duras lições que ajudaram o automobilismo mundial a crescer e se modernizar, para evitar que algo assim se repetisse, e isso é sentido até hoje. Quando os pilotos alinharem para a largada neste sábado, eles sabem que, graças ao que aconteceu no passado, poderão oferecer e participar de uma competição muito mais segura ao público presente, que também poderá acompanhar a tudo com muito mais proteção e segurança, pelas lições que foram assimiladas e aprendidas naquele dia trágico de 70 anos atrás.

Um cenário de horror após motor e eixo do carro acidentado voar sobre a multidão, atingindo e matando inúmeras pessoas.

            Para a corrida, aliás, a Cadillac arrebatou a pole-position, com Alex Lynn tendo marcado o tempo de 3min23s166 com o carro Nº 12 da equipe Hertz Team Jota, que também conta com Will Stevens e Norman Nato, e garantido a posição de honra no grid de largada. Mas a festa da equipe foi mais além, pois o carro Nº 38, de Earl Bamber, Sébastien Bourdais e Jenson Button, vai largar logo ao lado, no segundo posto e puxar uma dobradinha da equipe e da marca norte-americana, monopolizando a primeira fila de Le Mans. É significativo, mas vamos ver como será na corrida, já que 24 horas de prova é um desafio dos mais complexos, e não se pode descartar os rivais.

            O Brasil larga com 8 pilotos no grid das 24 Horas de Le Mans este ano. Na classe Hypercar, os destaques vão para Felipe Nasr, que estará no carro Nº 4 da Penske/Porsche, ao lado de Nick Tandy e Pascal Wehrlein. Felipe Drugovich dividirá o carro Nº 311 da Whelen Motorsports com Jack Aitken e Frederik Vesti. Na classe LMP2, Daniel Schneider estréia em Le Mans, defendendo a United Autosports no carro Nº 23, junto de Oliver Jarvis e Benjamin Hanley. Pietro Fitipaldi também está na classe LMP2, também pela United Autosports, no carro Nº 22, junto de Renger van der Zande e David Heinemeier-Hansson.

            Nossos demais representantes largam na categoria GT3. Augusto Farfus vai para sua sétima participação nas 24 Horas de Le Mans, novamente defendendo a BMW Nº 31 do time WRT, ao lado de Timur Boguslavskiy e Yasser Shahin. Pela Kessel Racing, teremos Daniel Serra, com oito participações nas 24 Horas de Le Mans, além de duas vitórias na classe GTE Pro, em 2017 e 2019. Serra dividirá a Ferrari 296 GT3 de Nº 57Takeshi Kimura e Casper Stevenson. Outro brasileiro estreante em Le Sarthe é Dudu Barrichello, que correrá pela equipe Racing Spirit of Léman, compondo trio ao volante do modelo Aston Martin Nº 10 ao lado de Valentin Hasse-Clot e Derek Deboer. Custodio Toledo, nosso último representante, também estréia em Le Mans, ao volante da Ferrari Nº 150 junto dos pilotos Lilou Wadoux e Riccardo Agostini da equipe AF Corse.

            Boa sorte a todos eles, e que possam aproveitar para conseguirem os melhores resultados possíveis...

 

 

Lance Stroll estará presente no grid do GP do Canadá, a ser disputado neste final de semana, no tradicional circuito Gilles Villeneuve, em Montreal. O piloto da Aston Martin desfalcou o time na prova da Espanha, semana retrasada, alegando dores na mão que teve ferimento no início de 2023, e teria se submetido a uma cirurgia logo após a prova da F-1 em Barcelona, de modo que sua presença na corrida seguinte foi posta em dúvida, e começaram a pipocar as opções de quem iria substituir o piloto canadense no time, com óbvia chance de Felipe Drugovich assumir o carro, e quem sabe, enfim estrear oficialmente no grid em uma prova da categoria. Só que Felipe não era o único nome cogitado, e até Valtteri Bottas poderia ter sido o escolhido, uma vez que é um piloto de atividade recente, e que no momento ocupa o posto de reserva da Mercedes. Felizmente, Felipe não perdeu a cabeça com a história de talvez apostar tudo em poder correr na Aston Martin. O brasileiro já tinha compromisso para correr nas 24 Horas de Le Mans, que serão disputadas neste fim de semana, e não deu de ombros para isso, cumprindo com os treinos da prova em Le Sarthe, e alinhando no grid de largada da mais famosa corrida do mundo do endurance. E Felipe também terá a chance de disputar a F-E em julho, na rodada dupla de Berlim, que ocorrerá nos dias 12 e 13 de julho, e irá coincidir com as 6 Horas de São Paulo, pelo Mundial de Endurance, de modo que o brasileiro irá substituir Nyck De Vries na equipe Mahindra. Drugovich precisa pensar com mais seriedade sobre o andamento de sua carreira, pois está cada vez mais claro que suas chances de ser efetivado na Aston Martin parecem cada vez mais escassas e improváveis, e ele pode estar perdendo várias oportunidades potenciais em outros certames que já demonstraram interesse em contar com seus serviços.

 

 

A Indycar também entra na pista neste final de semana, com a segunda corrida em circuito oval da temporada, no caso, a pista de Madison, Illinois, com a etapa de Gateway. Álex Palou teve seu primeiro infortúnio na temporada, mas ainda acumula uma grande vantagem na liderança do campeonato. A pista oval, contudo, pode oferecer uma chance aos rivais de tentarem pelo menos chegar mais perto do piloto da Ganassi, e quem sabe, ameaçar um pouco se favoritismo destacado para a conquista do título da competição. A corrida terá largada no domingo, às 21:00 Hrs., pelo horário de Brasília, com transmissão ao vivo pela TV Cultura, pela ESPN4, e pelo Disney+.

Nenhum comentário: