A homenagem merecida pela marca histórica alcançada na Cidade do México: 400 GPs de F-1 disputados por Fernando Alonso.
O mundo atual
apresenta vários contrastes. Um deles, que já vem de longe, é um certo desprezo
à experiência, e louvação da juventude. Não é exatamente uma regra rígida, mas
para muitos, parece ser. Pessoas que chegam a determinadas idades já são
consideradas “velhas” ou “improdutivas”, sendo preteridas pela contratação de
pessoas mais jovens, teoricamente mais produtivas, mas também mais baratas de
se contratar. Mas há também setores onde os “velhos” tem conquistado mais
espaço, justamente pela sua experiência, sabendo lidar com situações de forma
mais eficiente que os jovens, justamente pelo conhecimento adquirido. Os
momentos onde alguém pode ser considerado “velho” é relativo, dependendo muito
de sua área de atuação, e especialmente nos esportes, esse limite é bem mais
restrito, com raras exceções.
No automobilismo, então, esse limite também costuma variar, dependendo do tipo de categoria onde se compete. Nos carros monopostos, as restrições costumam ser mais severas, diante da maior exposição do corpo dos pilotos às forças G nas curvas, enquanto em carros de turismo ou endurance, vemos vários exemplos de pilotos de maior idade, compensando com a experiência o natural declínio da velocidade. Mesmo assim, cada caso, é um caso, e há pilotos que se aposentam mais cedo das pistas do que outros. Os fatores nem sempre são físicos, mas muitas vezes emocionais e motivacionais. Há aqueles que já se dão satisfeitos com o que conquistaram, outros se acomodaram na carreira, enquanto outros ainda mantém a verve dos bons tempos em alta, e seguem firmes na profissão.
Mas, e na Fórmula 1? No último domingo, Fernando Alonso completou um número antes considerado inimaginável para um piloto atingir, pelo menos na categoria máxima do automobilismo mundial: 400 grandes prêmios disputados. O asturiano está presente na F-1 desde a temporada de 2001, quando fez suas primeiras corridas ainda na antiga Minardi, chegando à categoria apoiado pela Telefonica. Como não poderia deixar de ser, impressionou com o carro do time italiano, o que não evitou que terminasse aquele ano apenas em 23º lugar, sem ter conseguido marcar nenhum ponto. Mas sua performance chamou a atenção da Renault, que o alocou como piloto de testes na temporada de 2002, e em 2003, promoveu-o a titular da escuderia. E naquele mesmo ano ele começou a mostrar do que era capaz, vencendo seu primeiro GP, na Hungria, fechando o ano em 6º lugar, com 55 pontos marcados.
A estréia na modesta Minardi em 2001. Alonso era a nova promessa espanhola na F-1.
Em 2004, ele não
venceu, mas continuou marcando presença, terminando a competição na 4ª
colocação, com 59 pontos. Era um dos anos onde a Ferrari esmagou a concorrência
com Michael Schumacher, onde o alemão conquistou seu 7º e último título, e não
sobrava para ninguém, tanto que Rubens Barrichello foi o vice-campeão pelo time
de Maranello. Em 2005, contudo, uma nova regra que exigia que os pilotos
fizessem as corridas sem trocas de pneus deu um grande trunfo à Renault, que
usava compostos da Michelin, mais competitivos e duráveis que os Bridgestone. E
ali, Alonso mandou e desmandou, conquistando seu primeiro título, e desbancando
a “dinastia” de Michael Schumacher. Com a volta das trocas de pneus em 2006, o
heptacampeão alemão teve direito à sua revanche, em um grande duelo contra o
espanhol, que acabou levando o bicampeonato. A “era” Schumacher estava
encerrada, até porque o alemão resolveu se aposentar da F-1 ao fim daquela
temporada, e tudo indicava que seu sucessor havia surgido, na figura de
Fernando Alonso.
Especulou-se o quanto o espanhol venceria na F-1, quantos títulos conquistaria, etc, mas as coisas não seriam bem assim. Em 2007, ele perderia a compostura diante do duelo interno na McLaren com um novato chamado Lewis Hamilton, que colocou o novo bicampeão na saia justa. A divisão de forças dentro do time inglês propiciou a conquista do título para Kimi Raikkonen, da Ferrari, e Alonso acabou por romper o seu contrato com a McLaren e voltar à Renault. O time francês, contudo, não era mais a força de antes, e o espanhol tratou logo de se acertar com a Ferrari para 2010, substituindo Raikkonen. No time italiano, Alonso chegou perto do título algumas vezes, mas acabou atropelado pela dinastia da Red Bull e de Sebastian Vettel, que ganharam todos os títulos de 2010 a 2013.
Ao fim de 2014, o espanhol foi dispensado da Ferrari pela porta dos fundos, sendo substituído justamente por Vettel. O bicampeão voltou à McLaren, que iniciava uma nova parceria com a Honda que se revelou desastrosa, fazendo o time cair para o pelotão de trás do grid, muitas vezes lutando até para marcar míseros pontos. E Alonso, claro, acabou caindo lá para trás também. Em 2018, mesmo tendo a Renault como parceira, a McLaren e Alonso não conseguiram voltar sequer ao pódio, e muito menos vencer. Isso levou Alonso a deixar a F-1, indo competir em outras paragens, como no Dakar, e no Mundial de Endurance, onde defendeu a Toyota, ganhando as 24 Horas de Le Mans.
Os anos dourados: bicampeão com a Renault em 2005 e 2006, encerrando a era de títulos de Michael Schumacher, mas ficaria apenas com esse bicampeonato até os dias atuais.
Mas em 2021 ele estava
de volta à F-1, agora com o antigo time onde fora campeão em 2005 e 2006,
rebatizado de Alpine. Mostrou a velha classe, e que ainda podia render muito,
mais até do que o próprio time tinha a oferecer, e por isso mesmo, acabou
deixando a escuderia ao fim de 2022, diante das indecisões do time. Foi para a
Aston Martin, e com um carro competitivo, mostrou do que ainda era capaz, tornando-se
um dos protagonistas da temporada, voltando a conquistar pódios, e só não
voltando a vencer diante da hegemonia da Red Bull e de Max Verstappen. E este
ano, com a queda de performance da escuderia inglesa, o desempenho também caiu,
apesar dos esforços de Alonso em tentar tirar o máximo do carro. Apesar disso,
ele conseguiu chegar a essa marca histórica domingo passado, no México.
Curiosamente, ele não teve o que comemorar na corrida, onde abandonou após 15
voltas com problemas nos freios.
E não pensem que Alonso pensa em se aposentar tão cedo. Ele garantiu que pelo menos estará na F-1 até 2026, afirmando que pretende disputar pelo menos mais umas 50 corridas, o que indica que deverá estar no grid nos próximos dois anos, no mínimo. Ele ainda acalenta esperanças de tentar um terceiro título, que nunca veio, e de voltar ao degrau mais alto do pódio. Sua esperança é a contratação de Adrian Newey, o mais badalado projetista da história da F-1, e responsável pelos projetos de todos os carros vencedores da Red Bull desde suas primeiras vitórias na categoria em 2009. Newey projetará o carro do time para 2026, sob o novo regulamento técnico, e com a nova parceria da Aston Martin com a Honda, de quem será o time oficial, a meta é tentar o título. Mas, mesmo que não consiga em 2026, se o carro foi forte, nada impede que o espanhol siga adiante por mais um ou dois anos. O tempo dirá, e podemos esperar que sua marca de corridas disputadas fique ainda mais impressionante do que já é.
O espanhol se mostrou um dos grandes gênios da F-1 recente. Extremamente rápido, Alonso é também um piloto cerebral, e capaz de ler o andamento de uma corrida como poucos. Mesmo nos dias atuais, aos 43 anos, se mostra incrivelmente rápido, e compensa uma virtual menor velocidade com a experiência de competição, mostrando-se um páreo fortíssimo para mais da metade do grid atual. Dos pilotos da competição, é consenso que apenas Lewis Hamilton e Max Verstappen possuem credenciais de campeão comparáveis às do asturiano, que só não tem números maiores de vitórias e títulos devido a um problema comum em grandes campeões: o seu temperamento. Alonso poderia ter sido tricampeão na McLaren em 2007, mas se desestabilizou no duelo com um Lewis Hamilton novato, mas atrevido e veloz. Não tivesse perdido o foco, poderia ter conquistado ali o seu terceiro título, apesar do duelo com Hamilton. O retorno à Renault o impediu de tentar novos títulos, e sua aposta na Ferrari acabou esbarrando na força da Red Bull. Outra aposta que se revelou equivocada foi na McLaren, onde seu forte temperamento o levou a se desentender com a Honda, cujo propulsor era pouco competitivo na época.
Trabalhar com o espanhol era complicado, não apenas pelo seu imenso talento, sendo difícil acompanhar seu ritmo na pista, mas também pelo seu egocentrismo. Ele exigia todo o foco das atenções para si, e isso criava grande tensão nas escuderias, que claro, não sentiram saudades de quando ele partia, devido ao gênio difícil do espanhol. Renegou a oferta de uma Red Bull que, em 2009, ainda estava buscando suas primeiras vitórias, por não acreditar no potencial da escuderia. De possível salvador da Ferrari, Fernando saiu pela porta dos fundos do time, cuja nova direção do Grupo Ferrari decidiu “podar” seu estrelismo, optando por ter um ambiente mais sóbrio na escuderia, algo muito complicado quando as coisas não iam ao gosto do espanhol. Ainda conseguiu um retorno à McLaren, de onde saiu brigado ao fim de 2007, jurando que nunca mais pisaria ali, para sofrer novas decepções com os projetos iniciais da Honda e dos carros da McLaren na época. Resolveu então tentar outras paragens: disputou as 500 Milhas de Indianápolis, mas competiu apenas uma vez, e as chances de triunfo esbarraram em uma quebra do carro. Foi ser feliz no Mundial de Endurance com a Toyota, e mostrou sua versatilidade pilotando carros dos mais variados, até mesmo no Dakar, o mais famoso rali do mundo.
No retorno à McLaren, o calvário de virar retardatário com um carro e motor pouco competitivos, na fase mais negra da escuderia britânica.
Não resistiu a voltar
à F-1, e sua fama e capacidade ainda lhe abriam algumas portas, mesmo diante de
tantas que seu gênio exacerbado acabou fechando. O tempo distante da F-1 lhe
fez bem, tornando-o mais sociável e menos turrão, trabalhando mais pelo time do
que apenas para ele mesmo. Apesar dos bons momentos iniciais na Alpine, a
escuderia ficou indecisa sobre mantê-lo, e Alonso resolveu não esperar para ver
no que ia dar, aceitando a oferta da Aston Martin, que pelo menos em 2023, se
mostrou certeira, onde com um carro competitivo, pudemos ver Alonso novamente
em sua plenitude de pilotagem, mesmo para sua idade, justificando a manutenção
do espanhol no grid da categoria máxima do automobilismo. E mesmo assim, chegar
aos 400 GPs disputados ainda chega a assombrar. Embora possivelmente nem tanto,
diante de algumas condições atuais da F-1.
As marcas de participações na F-1 evoluíram com o tempo, primeiramente pelo fator do maior número de corridas por temporada. Nos anos 1980, o número de provas passou a ser em torno de 16 por ano, em média, ficando assim por um longo tempo, e o primeiro piloto a “romper” a barreira dos 200 GPs foi Riccardo Patrese, no GP da Inglaterra de 1990. No ano seguinte, Nélson Piquet também atingiria tal marca, no GP da Itália, e encerraria a carreira ao final do ano, com 204 provas no currículo. Ao fim de 1993, Patrese pendurou o capacete na F-1, com a “incrível” marca de 256 GPs disputados. Na época, pareciam números que seriam difíceis de serem igualados, e muito menos ultrapassados. Alain Prost, por exemplo, deixou a F-1 ao fim de 1993 com 199 GPs no currículo e quatro campeonatos conquistados.
Outros fatores foram a maior segurança dos carros, oferecendo maior proteção aos pilotos, especialmente após o ano traumático de 1994. Antes, muitos pilotos se aposentavam diante das sequelas dos acidentes sofridos, abreviando suas carreiras, ou mesmo diante do medo de sofrer novos acidentes, mesmo quando não se machucavam tanto. Outro detalhe importante é o fato de muitos pilotos passarem a chegar à F-1 muito mais cedo do que antigamente, lhes permitindo acumular um número de corridas antes de chegarem à idade de ingresso de pilotos em anos mais antigos.
E o aumento no número de corridas por temporada, acima de 20 nos últimos tempos, ajudou a inflar o número de participações de alguns pilotos, dando-lhes a chance de obterem estes números prodigiosos. O que não quer dizer que chegar a eles seja fácil, pois sempre existiu um ditado de que se chegar na F-1 era difícil, mais difícil ainda era permanecer nela. E isso continua válido, em que pese alguns pilotos volta e meia desafiarem essa regra. Alonso, depois de deixar a categoria ao fim de 2018, parecia ter seu ciclo encerrado na F-1, mas nunca negou a chance de retornar, algo que é muito complicado quando se deixa a categoria, que rapidamente repõe a vaga, e não costuma oferecer muitas novas chances. Mas, se Kimi Raikkonen havia deixado a F-1 em 2010 e voltou em 2012 ainda em plena forma, o que dizer do espanhol, que voltou com o mesmo apetite de sempre, e sua pilotagem primorosa? Basta ele ter um carro, que ele mostra ainda ter muita lenha para queimar. A temporada passada mostra isso muito bem, quando ele deixou Lance Stroll, seu companheiro de time na Aston Martin, literalmente comendo poeira quase o ano inteiro, sem que o canadense conquistasse um só pódio com o bom carro que tinha.
Não dá para falar muita coisa quando o carro não ajuda, e se no ano passado aqui em Interlagos Alonso brigou pelo pódio, este ano a situação está bem mais complicada, como mostrou a classificação para a corrida sprint de amanhã, onde o espanhol ficou logo no Q1, com um carro que nem de longe tem o mesmo desempenho exibido no ano passado. E olhe que Fernando quase não corre por aqui, diante de problemas de saúde que se manifestaram já no México. Mas mesmo baqueado, o espanhol ainda foi um pouco melhor do que Stroll, que também não conseguiu avançar ao Q2. A marca impressionante de 400 provas do espanhol não faz juz ao seu currículo de conquistas, mas por alguns motivos determinantes, alguns alheios ao seu controle, outros por culpa própria. Mas ele demonstra ainda ter gás para calar seus críticos na pista, se tiver um equipamento decente. Ele ainda pode ter um gênio difícil, mas é bem mais maleável e sociável agora do que antigamente. E ainda tem carisma para encantar muitos torcedores.
Vida longa a Fernando Alonso na F-1, pois então...
A MotoGP está na Malásia para a penúltima etapa da temporada, e que pode ser decisiva para o campeonato, a depender do que será feito em relação à etapa final da competição, que seria em Valência, diante do forte temporal que atingiu a região esta semana, causando inúmeros estragos por toda a região, e inúmeros mortos. O palco da etapa é o belo circuito de Kuala Lumpur, e o duelo entre “Pecco” Bagnaia e Jorge Martin tende a pegar fogo num verdadeiro vai ou racha para os dois postulantes ao título. Martin possui 17 pontos de vantagem para o atual bicampeão, que precisa dar tudo de si, e talvez contar com o azar o rival, para reequilibrar a briga, ainda mais se esta acabar sendo a última prova do ano. O saldo da prova da Tailândia foi um meio a meio entre ambos, com Martin se sobressaindo melhor na corrida curta, mas Bagnaia dando o troco na corrida principal, no domingo, mas descontando menos pontos do que seria necessário para ter mais conforto em um duelo final decisivo, que seria em Valência, mas até o fechamento desta coluna, já foi oficialmente cancelada, sendo que a direção da MotoGP procura um lugar para realizar a corrida final da temporada, que pode ser no Qatar, em Portimão, ou até mesmo em Jerez de La Frontera, mas até o presente momento ninguém sabe mais dizer onde e quando ela ocorrerá, já que a logística implicará em mudança da data inicial da prova quando seria em Valência. Pelo sim, pelo não, por enquanto as atenções estão voltadas para a corrida malaia, que tem a largada da prova Sprint para a madrugada deste sábado às 04:00 Hrs., horário de Brasília, mesmo horário da corrida de domingo, com transmissão ao vivo pelo site do streaming Disney+, e pelo canal por assinatura ESPN4.
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