quarta-feira, 16 de novembro de 2022

ARQUIVO PISTA & BOX – DEZEMBRO DE 1999 – 10.12.1999

            Voltando a trazer mais um de meus antigos textos, esta é a coluna que foi publicada no dia 10 de dezembro de 1999, e o assunto era um dos destaques mais incompreensíveis daquele ano na temporada da F-1, que foi o completo fiasco de resultados do italiano Alessandro Zanardi defendendo a equipe Williams. Zanardi vinha de um bicampeonato na então F-CART, e virado o homem a ser batido na competição, mostrando do que era capaz ao volante de um carro competitivo como o da Chip Ganassi. Isso o reabilitou para voltar à F-1, onde já havia estado anteriormente, mas ficando sem opções de seguir na categoria. Diante das performances exibidas por Alessandro na categoria de monopostos dos Estados Unidos, que vivia o seu auge de popularidade, até hoje fica difícil compreender como o piloto fracassou de forma tão veemente em sua segunda chance na categoria máxima do automobilismo.

            O contrato, que era de dois anos, acabou rescindido para 2000, e a sorte do piloto não melhorou depois disso. Depois de um ano sabático, ele retornou à F-CART em 2001, no time de Morris Numm, e quando as coisas pareciam que iam melhorar, ele sofreu um violento acidente na etapa da categoria em Lauzitszring, na Alemanha, onde perdeu as duas pernas e por pouco não morreu. Depois de uma longa reabilitação, Alessandro passou a competir com carros adaptados, mostrando que seu talento ainda estava lá, e enveredou também pelo esporte paraolímpico, inclusive ganhando grande destaque, e vitórias nas competições. Há algum tempo atrás, o ex-piloto, contudo, foi atropelado na Europa por um caminhão, e ficou vários meses internado, situação que melhorou recentemente, com o piloto ainda batalhando por sua recuperação em casa. Zanardi pode ter fracassado em 1999, mas ressurgiu como um gigante após o acidente que lhe fez perder as pernas em 2001, mostrando ser um grande lutador, que merecia ter tido um pouco mais de sorte em alguns momentos, apesar de tudo. Fiquem com o texto, e boa leitura, do que tivemos naquele ano de 1999 na F-1...

 

ZANARDI, DE CAMPEÃO A FIASCO?

 

            Uma das grandes expectativas que a Fórmula 1 tinha este ano era ver como iria se portar a sua mais nova “estrela” na competição. Bicampeão da F-CART, Alessandro Zanardi retornou à categoria máxima do automobilismo com a moral em alta, e sendo uma das esperanças da equipe Williams em recuperar o protagonismo perdido desde que ficou sem o projetista Adrian Newey e o apoio oficial da Renault, que fornecia os motores para o time.

            Zanardi, por sua vez, queria mostrar do que realmente era capaz, pois até então, sua passagem pela F-1 resumiu-se a 3 corridas pela Jordan, em 1991, 1 prova pela Minardi em 1992, e 21 corridas pela Lotus em 1993 e 1994. O melhor resultado fora um 6º lugar no GP do Brasil de 1993, o que lhe valeu seu único ponto nas estatísticas de sua carreira na F-1. Na Jordan, ele correu substituindo Bertrand Gachot, titular até a corrida da Hungria naquele ano. Preso por atacar um policial em Londres, o lugar do belga foi ocupado por Michael Schumacher, que estreava na F-1, e em seguida acabou contratado pela Benetton. Roberto Moreno, num acordo forçado, substituiu Gachot na Itália e em Portugal, mas sem verba, ficou a pé. E Zanardi fez sua estréia na categoria, correndo as últimas 3 provas de 1991. Apesar do bom carro que tinha, o noviciado não permitiu que mostrasse grande coisa. No ano seguinte, acabou novamente apenas correndo uma prova substituindo piloto titular, agora na Minardi, e no menor time da categoria, e em apenas uma prova, não tinha mesmo como mostrar nada. A chance efetiva viria em 1993, agora como piloto titular da Lotus, que havia tido um ano bem positivo em 1992, e tentava se reerguer em 1993.

            A temporada da Lotus em 93, contudo, não foi tão positiva quanto o time inglês esperava, e Zanardi acabou sentindo isso mais do que Johnny Herbert, o outro piloto do time. E, para piorar, o italiano ainda sofreu um violento acidente na Bélgica, na curva Eau Rouge, o que o deixou de fora do restante do campeonato. Seu lugar no time foi ocupado pelo português Pedro Lamy, que também não conseguiu mostrar muita coisa com o carro da Lotus. Em 1994, Zanardi estava de volta, e de novo na Lotus, onde disputou mais 10 corridas. Mas a equipe inglesa havia entrado novamente na descendente, e Alessandro acabou arrastado junto com o time para baixo. No fim do ano, a Lotus fecharia as portas, e o italiano, sem perspectivas, ficava a pé na F-1, esperando por uma nova chance que pudesse surgir.

            Mas a chance de sua carreira mesmo apareceu ao ser contratado por Chip Ganassi para integrar seu time no campeonato da F-CART de 1996, por indicação de Adrian Reynard. O italiano encontrava na categoria americana a chance e a oportunidade sempre negada na F-1. Tinha um carro competitivo, um time grande por trás, e um ambiente muito mais acolhedor e descontraído do que a sisuda e séria ao extremo F-1. E Alessandro não demorou a se ambientar no campeonato: assim que pegou a mão e a manha das corridas da categoria, colheu suas primeiras vitórias, tendo finalizado 1996 na 3ª posição do certame, com 3 vitórias e 6 pole-positions. Zanardi foi vencer apenas na 9ª corrida, em Portland, e então, mostrou a que veio. Só não foi vice-campeão porque Michael Andretti, que acabou com os mesmos 132 pontos do italiano, tinha 5 vitórias no campeonato, levando o vice-título no critério de desempate. Jimmy Vasser aproveitou-se bem nas corridas em que Zanardi estava ainda pegando o jeito da coisa, e conquistou seu único título na competição, vencendo 4 provas, todas elas antes que o italiano conseguisse seu primeiro triunfo. Nos dois anos seguintes, entretanto, Zanardi não daria chances a ninguém na F-CART, conquistando um bicampeonato incontestável na categoria.

            Alçado à categoria de superpiloto, dadas as suas performances, ainda que tivesse um carro superior em um campeonato onde o equilíbrio de equipamento era muito maior do que na F-1, Zanardi ganhou o devido reconhecimento de sua antiga categoria, e contratado pela Williams, substituiria Jacques Villeneuve no time inglês em 1999, em um contrato válido por dois anos. Todo mundo achou que enfim o italiano ganharia uma chance à altura de seu talento, mesmo que o time de Frank não tivesse mais o poderio de dois anos antes, quando seus carros eram quase imbatíveis.

            Contudo, findo o certame deste ano, ao fim de 16 corridas, o resultado é algo completamente inesperado e frustrante: Alessandro Zanardi terminou o campeonato sem conseguir marcar um único ponto sequer. Seu companheiro de equipe, Ralf Schumacher, que pode ser considerado um bom piloto, mas longe de ter o talento e a capacidade do irmão mais velho, Michael, bicampeão de F-1 e considerado o melhor piloto da categoria, teve a honra de marcar todos os pontos do time inglês, terminando o ano em 6º lugar na classificação, com 35 pontos. A total falta de resultados por parte de Zanardi ajudou a deixar a Williams numa modesta 6ª posição na tabela de construtores, perdendo até mesmo da Stewart, time que foi uma das sensações da temporada, que até conseguiu marcar pole e vencer corrida, ainda que em circunstâncias excepcionais.

            Logo na primeira corrida, já havia a indicação de que a situação de Alessandro seria mais complicada do que todos esperavam: enquanto Ralf largava em 8º lugar no grid da Austrália, o italiano era apenas o 15º no grid. E, coroando o final de semana inaugural de 1999 com um péssimo resultado, Zanardi abandonou a corrida, enquanto Ralf terminou a prova do Albert Park num belo 3º lugar, indo ao pódio, e marcando seus primeiros pontos do ano e do time. Tudo bem, primeira prova de retorno, todos deram um desconto, afinal, correr na F-1 era ligeiramente diferente da F-CART, e depois do que se viu em 1993 com Michael Andretti, tal situação não deveria ser inesperada. O fato de Jacques Villeneuve não ter tido uma estréia ruim em 1996 foi até justificável dada a excelente forma da Williams naquele ano, além do fato de o canadense ter tido a chance de fazer vários treinos se acostumando ao monoposto. Mesmo assim, a sensação de desapontamento já se fazia presente, e a pergunta passava a ser quando Zanardi deslancharia. Talvez a partir da fase européia do campeonato, muitos especulavam. O buraco, entretanto, mostrou ser muito mais embaixo do que todos imaginavam...

            No GP do Brasil, justamente onde Zanardi havia conquistado seu melhor resultado na F-1 antes da fase da F-CART, o resultado foi praticamente igual ao de Melbourne: Zanardi largou em 16º, e novamente abandonou a corrida, enquanto Ralf Schumacher, largando em 11º, mais uma vez mostrou uma boa corrida e marcou pontos novamente, com um sólido 4º lugar na bandeirada. O que parecia ser apenas um início ruim de campeonato foi ganhando cada vez mais contornos de normalidade ao longo do ano, para infelicidade dos torcedores de Alessandro, e desilusão dentro da própria Williams, e da F-1 em geral. Se em San Marino Zanardi largou em 10º lugar, o que indicava uma melhora, ter finalizado a prova em 11º foi um balde de água fria. Só não foi pior por que Ralf, que largou em 9º, desta vez foi quem abandonou, mostrando que o modelo FW21 não era exatamente muito fiável.

            Em Mônaco, Zanardi finalmente se classificou à frente de Ralf, em 11º, enquanto o alemão foi apenas 16º no grid. O italiano terminou a corrida em 8º, resultado aceitável para a realidade da pista monegasca, sempre complicada para quem larga mais atrás. Outro abandono de Ralf dava a entender que o time inglês não iria maravilhar ninguém neste ano, ao contrário do que parecia sugerir os resultados obtidos na Austrália e no Brasil. Na Espanha, Ralf voltou a ficar bem à frente de Zanardi no grid de largada (10º contra 17º), e a terminar nos pontos, com um 5º lugar, enquanto Alessandro voltava a ficar pelo meio do caminho na corrida. Alessandro parece não ter conseguido se encontrar com o estilo de comportamento que o monoposto de F-1 apresenta, e sobretudo, mostrou-se incompatível com os pneus sulcados da Bridgestone, bem diferentes dos Firestones slick que estava acostumado a usar na F-CART. Seria questão de tempo se adaptar, todos nós pensávamos. O problema é que a temporada avançava, e a situação não parecia melhorar, mesmo com o início da temporada européia.

            Dali em diante, viu-se que Zanardi estava mesmo em uma situação complicada: além de na maioria das vezes perder para Ralf na posição de largada, também na maioria das vezes teve a falta de fiabilidade de seu carro a deixá-lo na mão, enquanto “Little” Schmmy conseguia terminar as corridas com mais freqüência: foram 10 abandonos de Zanardi no ano, contra apenas 4 desistências de Ralf. Na Itália, Alessandro ensaiou uma reação, ao largar na 4ª posição, e dar esperanças de finalmente enterrar as chances de passar o ano em branco. Nem isso conseguiu: terminou em 7º lugar, sua melhor classificação final em prova de todo o campeonato, mas sem conseguir marcar um ponto na melhor corrida que fez durante o ano. Pior foi ver que Ralf largou em 5º lugar e terminou num belíssimo 2º posto, a melhor posição de chegada de um carro de Frank Williams em todo o ano, o que só aumentou a sensação ruim que todos já viam. O que parecia ser uma reação de Zanardi, virou na verdade seu canto do cisne: foi a última vez que cruzou a linha de chegada em uma corrida este ano, pois nas corridas finais dos GPS da Europa, Malásia, e Japão, Zanardi voltou a abandonar as provas, vítima de problemas no carro.

            Encerrado o campeonato, o fiasco é tido como total. Nem na pior das hipóteses se imaginaria que o ano de Alessandro terminaria de maneira tão inglória e humilhante. E agora se perguntam o que o italiano fará no próximo ano. Apesar de ter firmado um contrato de 2 anos com a Williams, é praticamente certo de que o mesmo deverá ser rescindido. A Williams tem planos ousados de tentar recuperar seu poderio em sua nova associação com a BMW, e o que deveria ser o principal trunfo da escuderia, contar com o grande nome da F-CART dos últimos anos, tornou-se uma incógnita total. Até o fechamento desta coluna, ainda não estava definido qual seria o destino do piloto italiano para 2000: permanecerá na F-1, ou tentará um retorno à F-CART? Ambas as opções revelam complicações para a situação de Alessandro: Na F-1, depois do desaire que foi esta temporada, mesmo contando com um carro razoável, seu nome é praticamente descartado por todos os times que possuem equipamento razoavelmente competitivo, e duvido que o italiano, depois de provar as glórias na F-CART, aceite correr por qualquer time na categoria máxima do automobilismo; na F-CART, seu ex-time, a Ganassi, adoraria tê-lo de volta, mas já está fechada para o próximo ano, quando contará com Juan Pablo Montoya, que substituiu Zanardi no time, e foi campeão da categoria, e continuará firme com Jimmy Vasser. Seria o sonho ter tanto Zanardi quanto Montoya no mesmo time, mas parece difícil. Restará a Zanardi tentar a sorte, se for o caso, em achar outro time na F-CART, caso retorne à categoria americana.

            Realmente, fica complicado ver o balanço geral da temporada, e constatar que de campeão, aliás, bicampeão da F-CART, Zanardi tenha virado o maior fiasco do ano na F-1. Pelo talento que demonstrou na categoria americana, deveria ter tido condições de superar as dificuldades de condução do carro da Williams, mas acabou se mostrando incapaz de se adaptar, sobretudo, aos pneus com sulcos. Surpresas da vida...

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