E deu Ferrari de novo, no retorno da F-1 à Austrália, e a um renovado circuito do Albert Park. Charles LeClerc largou na pole-position, liderou a prova de ponta a ponta, e ainda marcou a volta mais rápida da corrida. Disparou na classificação do campeonato, com 71 pontos, e o massacre é mais visível quando Max Verstappen, o maior rival potencial do monegasco no grid, está apenas em 6º lugar, com 25 pontos. Em três corridas, já são duas vitórias de LeClerc, contra uma de Verstappen. Pintou o campeão de 2022? Ainda não, mas tudo indica que as chances são altas, para desespero dos concorrentes.
Um desespero que só não é maior porque Carlos Sainz Jr., companheiro de Charles no time de Maranello, teve um fim de semana para cair em desgraça em Melbourne. O espanhol, que estava andando pau a pau com o companheiro de equipe, deu azar na última parte do treino de classificação, quando houve uma bandeira vermelha, e perdeu sua chance de melhorar o tempo no grid, largando apenas em 9º lugar. Na largada, perdeu posições, e ao tentar a recuperação, errou uma freada, saiu da pista, e ficou atolado na caixa de brita, dando adeus à competição. E, pelo ritmo que LeClerc demonstrou durante a prova, tinha boas chances de Sainz chegar ao pódio. Mas, como não chegou, os rivais fizeram a festa. Ou quase: já que o principal rival, justamente Verstappen, ficou pelo caminho pela segunda corrida já neste início de temporada. O abandono do holandês, atual campeão mundial, foi o clímax do balde de água fria sofrido pela Red Bull na Austrália, que viu o piloto da Ferrari comandar a corrida com uma facilidade incrível, sem dar chance a ninguém na pista. E, com o abandono de Max, que tinha tudo para terminar em 2º lugar, Charles tem uma vantagem de 46 pontos para o piloto da Red Bull, o que dá quase duas vitórias de pontuação. É mole?
Pior que pode ficar ainda mais difícil. A Ferrari mostrou que acertou a mão no projeto do SF-75. O carro já tinha mostrado potencial na pré-temporada, mas escaldada pelos acontecimentos dos últimos anos, a escuderia rossa preferiu não ficar de queixo alto. Mas está se vendo que a performance do novo carro é esplendorosa, especialmente nas mãos de LeClerc, uma vez que o próprio Sainz declara que ainda precisa se achar melhor no novo carro, dando a entender que pode melhorar sua performance. Mas o que deixa a concorrência arrepiada é que já foram três corridas, em três pistas com características distintas, e em todas elas a Ferrari foi extremamente competitiva. O carro se mostrou forte na pista de Sakhir, nas ruas de Jeddah, e no Albert Park, e olhe que nesta última pista, ainda tinha um trecho onde se podia ver nitidamente o carro sofrendo o porpoising, a quicagem proporcionada pelo efeito-solo que está afetando quase todo mundo no grid, até com certa intensidade, mas nem por isso perdendo performance. Na verdade, o carro poderia ser até mais veloz, se eles conseguirem neutralizar esse problema. No geral, isso pode ser o maior incômodo dos ferraristas no momento, já que o carro vermelho mostrou também outra característica muito apreciável pelo time, e desespero dos rivais: fiabilidade. Não houve nenhum problema nos carros nas três corridas disputadas até agora. E o abandono de Sainz na Austrália foi mais um erro do piloto que um problema do carro.
Pior para a Red Bull, que já viu três abandonos até aqui, dois com Max Verstappen, e um com Sergio Pérez. O mexicano, aliás, salvou o fim de semana dos rubrotaurinos em Melbourne, terminando em 2º. Ele é o 4º colocado no campeonato, com 30 pontos. O modelo RB18 tem se mostrado rápido, mas não tanto quanto o SF-75. E só o talento de Verstappen pode não ser o suficiente para equilibrar a contenda neste ano. O holandês, aliás, saiu desolado de Melbourne, e cuspindo marimbondos sobre a situação, a ponto até de afirmar que nem dá para pensar em luta pelo título no momento. Exagero? Mais ou menos.
Ainda temos muito chão pela frente. Serão 23 corridas na temporada, e ainda temos 20 até o fim de novembro. A vantagem aberta por LeClerc é importante, porque vai permitir ao monegasco administrar a situação, quando as circunstâncias se apresentarem adversar para ele. E em um campeonato tão longo, impossível dizer que em algum momento a Ferrari não terá problemas. Em Melbourne, Carlos Sainz ficou zerado. Quem garante que Charles não terá também o seu momento de calvário nas próximas corridas? O problema é que não se pode garantir que isso aconteça de fato. Como também não se pode afirmar que a Red Bull tem um carro com problemas insolúveis. Mas a fiabilidade começa a preocupar, ainda mais porque o time, a exemplo do ocorrido no Bahrein, está demorando a conseguir identificar os problemas que causaram o abandono de Max. E, quanto mais trabalho para se verificar isso, recursos se perdem na solução de problemas quando poderiam ser gastos na evolução do carro, lembrando que o teto orçamentário é um problema que pode virar pesadelo dependendo dos problemas que possam vir a acontecer.
O carro da Ferrari parece bem nascido em todos os aspectos: mostra excelente confiabilidade; consome muito pouco pneu; é equilibrado, e mesmo com o efeito do porpoising, ainda é extremamente rápido, além de ser um dos bólidos mais elegantes de todo o grid. No caso da Red Bull, o carro de Adrian Newey está um pouco acima do peso mínimo, e apesar de ter se mostrado o menos afetado pelo porpoising, ainda tem um comportamento um pouco irregular e instável, como Verstappen mencionou no Albert Park, sentindo que não tinha conseguido extrair tudo o que podia do carro, mas sem conseguir apontar uma causa mais exata. E, pior: a confiabilidade, um dos adjetivos mais caros a um bólido de competição, está tirando o sono de Christian Horner & Cia. As unidades de potência da Honda, agora rebatizadas de RBP – Red Bull Powertrain, mantiveram a excelente performance vista no ano passado, mas ao que parece, já ficam devendo para as unidades de potência de Maranello. E, além da potência levemente inferior, as quebras vistas até agora podem comprometer a disputa pelo título de Max. E não é só a Red Bull que sente os efeitos: a Alpha Tauri, o time B da Red Bull, também já sentiu os efeitos da falta de fiabilidade do equipamento. No lado ferrarista, tudo parece em ordem, até demais, tanto que se fala que na corrida australiana, os engenheiros, já mais cientes da confiabilidade de sua nova UP, teriam liberado um pouco mais de potência, certos de que não arriscariam a durabilidade da unidade. E que podem ir soltando mais cavalaria, dependendo dos dados acumulados nas corridas.
A
se confirmarem estas informações, o panorama é duplamente ruim para a Red Bull,
que além de ver suas unidades de potência não se mostrarem fiáveis como se
deveria esperar, ainda podem ver os italianos mostrarem mais força do que já
exibem atualmente. Um panorama já visto em anos recentes, quando a Mercedes
dava as cartas, e nunca jogava toda a potência disponível, a fim de não
comprometer a fiabilidade do equipamento. A tranquilidade no time rosso é tal
que eles anunciaram que não terão atualizações no carro na próxima corrida, em
Ímola, mesmo sendo a pista mais próxima da sede da escuderia, e um palco
sagrado para os tiffosi, que a esta altura estão mais do que eufóricos com a
liderança da escuderia no campeonato, e desde já, franca favorita para repetir
a dose “em casa”. Mas impressiona o tom de evitar a euforia no time italiano,
para não entrarem no clima de “já ganhou”, que pode gerar um efeito negativo na
equipe, e um salto alto perigoso, em uma altura do campeonato ainda muito no
seu começo, pois a Red Bull, mesmo batida, não está morta, e muito menos
enterrada, como parece depois do que vimos no Albert Park.
Aliás, fica a dúvida de quando a Mercedes conseguirá chegar mais à frente. O modelo W13 tem tido uma performance irregular até aqui, mas não está tão ruim quando se poderia afirmar. É verdade que ainda está tomando um temporal da Ferrari, mas parece estar trabalhando duro para se acertar. Em Melbourne, pelo menos na corrida, o ritmo tanto de George Russel quanto de Lewis Hamilton foi bem mais promissor, chegando até mesmo a dificultar as coisas para Sergio Pérez, que teve de se desvencilhar da dupla prateada com certa dificuldade em parte da corrida. E, se falta performance, pelo menos a fiabilidade não tem faltado, e um pouco de sorte também, a ponto de o time campeão de construtores dos últimos oito anos ocupar a vice-liderança do campeonato de construtores, atrás somente da Ferrari, e à frente da Red Bull. Cientes de que estão fora da briga no momento, o negócio é minimizar os prejuízos, e pelo menos nisso, eles tem conseguido aproveitar quase todas as oportunidades: George Russel é o vice-líder, com 37 pontos; e Lewis Hamilton é o 5º colocado, com 28 pontos, à frente de Verstappen. Já são dois pódios, e se a equipe de Brackley resolver seus problemas, e encostar mais à frente, pode até complicar as coisas para a Red Bull, se esta ver a Ferrari escapando cada vez mais à frente. O incômodo que tal situação poderia gerar ficou claro na frase de Horner, que disse preferir um carro rápido, mesmo que quebre, a um carro lento que não quebre, numa óbvia alfinetada na Mercedes.
Pode ser esperançoso demais achar que a Mercedes vai entrar na luta pelo título. O déficit de performance para a Red Bull é considerável, e para a Ferrari, até maior. Mas, se conseguir encostar um pouco mais à frente, pode vir a atrapalhar o time dos energéticos, dependendo das oportunidades. Não é impossível, embora possa ser difícil no momento. Mas, com ajustes melhores nos carros, melhoras podem ser conseguidas, e vale lembrar que, apesar de já estarmos com três provas realizadas, os times ainda estão descobrindo como acertar melhor seus novos projetos, conhecendo os carros cada vez mais a cada etapa. E quanto mais conhecem seus bólidos, podem melhorar os carros, independente das evoluções que vão criar. Evoluir os acertos, se possível, pode trazer mais retorno que as melhorias técnicas que os departamentos de engenharia irão produzir, dependendo do caso de cada carro. Não por acaso, a Mercedes declarou que antes de produzir melhorias para seu modelo W13, o time primeiro tem de entender o carro mais a fundo, sob o risco de se produzir evoluções que se mostrem inúteis ou contraproducentes. E nessa tentativa de conhecer melhor o seu bólido, justifica-se o comportamento apenas mediano nos treinos livres, pois a escuderia vai testando ajustes e configurações na tentativa de se chegar a algum lugar. O problema é o tempo que vai levar para isso. Por enquanto, fiabilidade é a única qualidade do time, o que é importante, mas não basta se quiser lutar pelo título. Se a Red Bull acertar sua fiabilidade, eles poderão ter mais tranquilidade para atacar a Ferrari à frente, e conseguir equilibrar, senão virar o jogo até.
Quando isso acontecerá? Não dá para saber, mas paciência é algo que a Red Bull, e por tabela, a Mercedes, por mais que precisem cultivar, é algo que joga mais contra do que a favor, pois cada oportunidade perdida é uma chance a menos no campeonato. Mas, muita água vai rolar até o fim do ano, e nada de se achar que a disputa já acabou antes da hora, por mais que as evidências possam indicar o contrário...
Sebastian Vettel não vai guardar boas lembranças do seu retorno à Austrália em 2022. O tetracampeão mundial, que havia ficado de fora das duas primeiras provas do ano por ter testado positivo para Covid-19, teve problemas já no primeiro treino livre, com um defeito no seu carro que acabou inclusive impossibilitando sua participação no segundo treino livre de sexta. No sábado, mais problemas, com uma batida no TL3, que arruinou sua participação no treino de classificação, que só não foi um desastre completo porque houve uma colisão entre os canadenses Nicholas Latifi, da Williams, e Lance Stroll, da Aston Martin, que acabou provocando uma bandeira vermelha no Q1, permitindo aos mecânicos terminarem os reparos no carro do alemão, que foi à pista, mesmo que para conseguir largar só na penúltima fila. E, na corrida, mais uma batida de Vettel, provocando a entrada do Safety Car na prova. Como desgraça pouca é bobagem, Sebastian ainda foi multado em 5 mil euros por ter voltado aos boxes após o TL1 de sexta-feira dirigindo uma scooter de um fiscal de pista, pelo circuito, infringindo uma regra do estatuto que proíbe a entrada e permanência de pilotos na pista nos primeiros minutos após o encerramento de um treino. Ao menos, o piloto fez a alegria dos torcedores naquele momento, voltando para os boxes e acenando para o público presente no circuito australiano, que aliás, mostrou como estava com saudade da F-1: o público total no fim de semana de GP chegou a cerca de 419 mil pessoas, lembrando que há dois anos atrás, a prova foi cancelada às vésperas do primeiro treino oficial de sexta-feira, diante do surgimento dos primeiros casos de Covid-19 no paddock, com o início da pandemia do coronavírus que varreria o mundo desde então.
Perdida nas primeiras duas provas do ano, a McLaren conseguiu reagir na Austrália, com boas performances tanto de Lando Norris quanto de Daniel Ricciardo, que chegaram inclusive ao Q3 na classificação, largando respectivamente em 4º e 7º lugares. Mas, mais do que boas posições no grid, a dupla manteve bom ritmo de corrida na prova do Albert Park, terminando em 5º e 6º lugares, e espantando um pouco a má fase que vinha desde a segunda sessão de testes da pré-temporada. Com um conhecimento melhor do carro, a McLaren conseguiu evoluir no acerto do MCL36, embora admitam que o carro também se adaptou bem ao circuito do Albert Park. Mesmo assim, a escuderia prefere não ficar muito empolgada: Lando Norris, apesar do excelente 5º posto, disse que o ritmo do carro na prova não era o esperado, e que o time vai penar um pouco para conseguir mostrar mais do que se viu em Melbourne. O resultado coloca a McLaren em 4º no campeonato, com 24 pontos, atrás apenas de Ferrari, Mercedes, e Red Bull, e à frente da Alpine, que ensaiava um excelente final de semana em Melbourne, mas ficou aquém do que poderia conseguir.
O time francês, aliás, vinha assombrando a concorrência com Fernando Alonso, onde o espanhol começou a andar forte já nos treinos livres, e tinha tudo para até largar na primeira fila do GP australiano. Mas um problema no sistema hidráulico do carro do bicampeão o fez sair da pista numa curva e bater, relegando-o à 10ª posição do grid. Depois, na corrida, a estratégia de pneus infelizmente não deu os resultados esperados, e o carro também não se comportou bem com um jogo de pneus, obrigando Alonso a fazer uma segunda parada, fazendo o espanhol cair para a última colocação, onde recebeu a bandeirada. Restou contar com Esteban Ocón, que terminou em 7º lugar, uma posição nada ruim, mas fica-se na dúvida de onde Alonso poderia ter chegado, não tivesse tido os azares que teve. Ao menos, a Alpine parece ter dado uma boa evolução de performance em relação ao ano passado, credenciando-se para ser a melhor do “segundo pelotão” da F-1, com vistas a desafiar também a no momento claudicante Mercedes. Mas resta saber se a excelente performance demonstrada pelo bicampeão espanhol no Albert Park vai se repetir nas outras pistas daqui para frente...
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