O momento fatídico do GP da Grã-Bretanha, entre Max Verstappen e Lewis Hamilton. Incidente de corrida, com culpa de ambos os pilotos. |
Lewis Hamilton teve o fim de semana dos sonhos no Grande Prêmio da Grã-Bretanha: venceu a corrida, viu Max Verstappen zerar, e está de novo no páreo, ou parece estar, na luta pelo título da temporada 2021 da Fórmula 1. Seria o palco dos sonhos também da categoria em si, não fosse o assunto que fez pegar fogo, até com alguns exageros, as discussões do fim de semana da corrida em Silverstone: Lewis Hamilton agiu de forma premeditada para jogar Verstappen para fora da corrida? Pelo bafafá gerado na Red Bull, time do piloto holandês, Hamilton virou o mal encarnado, com obrigação de ser até suspenso da F-1, e que deveria ter seu triunfo em Silverstone cassado, entre outras punições que só faltariam mandar queimá-lo em praça pública...
Olhando de vários ângulos os movimentos que levaram ao toque entre ambos na curva Copse, concordo que foi um incidente de corrida. Hamilton deu um drible em Verstappen na tentativa de chegar à frente na curva, e teve sua trajetória fechada pelo holandês, que entrou nela como se ninguém mais estivesse por ali. Errou feio, ou tentou intimidar Lewis, que precisaria frear forte para impedir a colisão, que no final, foi de leve, mas suficiente para arruinar com a corrida de Max, e ainda acabar lançando-o fora da pista. Hamilton errou porque poderia ter tentado vir um pouco mais para dentro, mas Verstappen, fiel a seu estilo agressivo, também se equivocou, pois poderia ter tentado entrar um pouco mais aberto, de forma a evitar o choque. Lance de corrida, que poderia ter terminado muito mal para ambos, o que de certa forma desmistifica a afirmação que o heptacampeão jogou sujo com dolo de jogar o rival para fora da pista como única forma de vencer a prova. Com 34 pontos de desvantagem para o holandês, seria muita ingenuidade achar que o inglês seria tão incauto de proporcionar um acidente monstruoso, como fazem questão de afirmar. Até mesmo Masashi Yamamoto, chefe da Honda, fornecedora de motores para a Red Bull e Alpha Tauri, afirmou ter sido um incidente de corrida, na opinião dele. E olha que a Honda é parceira do time austríaco, mas não embarcou no clima belicoso que se instalou.
Automobilismo é um esporte perigoso, e portanto, sujeito a incidentes como o que vimos domingo passado. É verdade que as consequências poderiam ter sido mais graves para Verstappen, mas acusar Hamilton de todo tipo de baixarias de pilotagem só serve para a turma dos anti-Hamilton destilar todo o ódio e raiva que sentem pelo piloto inglês, como se ele fosse a maior fraude da história da F-1, só por ter se beneficiado do período de hegemonia da Mercedes na F-1 desde 2014, e que parece finalmente colocada em xeque este ano. Se fosse assim, Michael Schumacher também não passaria de uma fraude, em virtude do período de domínio da Ferrari entre 2000 e 2004, e nem Ayrton Senna escaparia, uma vez que seu tricampeonato fora obtido em temporadas onde a McLaren era o carro a ser batido, entre 1988 e 1991.
Lewis Hamilton foi para cima de Max Verstappen desde a primeira curva, com o holandês fechando a porta de todas as maneiras. Uma hora iriam se estranhar...
Por mais que todo
mundo tenha direito a ter sua opinião e ponto de vista sobre o acidente, o
comportamento de muitos torcedores tem se mostrado execrável, com direito a
muitos cretinos destilando ódio racista contra o piloto inglês, atitude que,
logicamente, foi repudiada tanto pela Mercedes quanto pela Red Bull, algo
elogiável, mas também óbvio, do que deveria ser feito. Mas o time dos
energéticos, que estreou na F-1 sendo o time mais descontraído do paddock, e
ajudando a arejar o ambiente carregado da categoria máxima do automobilismo,
virou a casaca completamente desde que conquistou seu primeiro título, em 2010,
com Sebastian Vettel. Defenestrou a Renault, parceira de vitórias entre 2009 e
2013, de forma veemente e pública há alguns anos, de forma que causaria até
inveja em Fernando Alonso, que nas temporadas de 2015 e 2016 arrastou-se pelas
pistas com uma unidade de potência da Honda que em nada se parecia com os
propulsores vitoriosos que a marca nipônica produziu nos anos 1980 e início dos
anos 1990. E agora, parece perder completamente a compostura no que tange ao
ocorrido com seu piloto domingo passado, revelando um festival de chororô
lamentável.
Não que era para estarem felizes pelo ocorrido, até porque o acidente acabou sendo forte, e felizmente, Verstappen não se feriu, graças à incrível resistência e dispositivos de segurança que os bólidos atuais dispõem. Mas, quando Helmut Marko declarou que iam contratar um advogado para tomarem providências nos tribunais esportivos, tenha paciência... E, depois, ainda falam que não irão se “rebaixar” ao nível da Mercedes... Difícil dizer o que soa mais patético em tais declarações.
O comportamento de muitos “torcedores” também deixa muito a desejar, e dos dois lados. Da mesma forma que muitos torcedores do piloto inglês “comemoraram” o acidente de Verstappen, ouvir os ataques dos fãs de Max contra Hamilton, com alguns planejando até algum tipo de agressão por ocasião do GP da Holanda, em Zandvoort, em setembro, só mostra uma insensatez atroz de gente que não merece ser chamada de fã do esporte. Não falo de críticas simples, mas de ataques raivosos e com ódio espumante, sem espaço para bom senso e comedimento nas falas. Isso é preocupante, porque um dos ideais do esporte, a união entre os povos, e um dos motes dos Jogos Olímpicos, que começaram oficialmente hoje em Tóquio, parece estar sendo jogado na vala do radicalismo que vem impregnando o mundo em tempos recentes.
O mais engraçado é quando as críticas têm dois pesos e duas medidas. Desde que estreou na F-1, Max Verstappen vem se notabilizando por arrumar encrenca na pista devido ao seu estilo agressivo de pilotar. Um estilo, aliás, considerado agressivo até demasiado, por efetuar manobras consideradas arriscadas e exageradas, com algumas delas tendo resultado em acidentes, devido ao ímpeto arrojado do holandês. Em uma Fórmula 1 que se acostumou com posturas por vezes burocráticas e demasiado cerebrais de alguns pilotos nos últimos tempos, ter um piloto que foge deste padrão, mesmo que tomando atitudes beirando a irresponsabilidade, e propícias a causar acidentes desnecessários, cativou o público, que quer ver os pilotos “se pegando” na pista, lutando por posições de forma mais furiosa e decidida, e cansado de performances baseadas mais na estratégia de prova do que na luta por posições em si na pista. Max Verstappen acabou endeusado por muitos por estas características: o piloto que não se intimida, que luta o tempo todo, vai para cima, mostrando uma rapidez impressionante. E o que isso tem de errado? O público estava cansado da mesmice de sempre na maioria das corridas, e tinha todo o direito de achar a pilotagem por vezes tresloucada de Verstappen um primor, de elevar o holandês ao patamar de um dos mitos do esporte a motor, um gênio e campeão em potencial.
A pancada na barreira de pneus foi forte, mas felizmente Verstappen não se feriu.
Por outro lado, o
estilo muito agressivo de Verstappen o levou a acumular desafetos, já que sua
pilotagem acabou resultando em alguns acidentes onde as manobras não foram
felizes. Felizmente ninguém saiu ferido nestes incidentes, mas a Red Bull
sempre passou uma imagem de omissão em tentar colocar um pouco de juízo na
cabeça de seu piloto, que chegou a bater até no próprio companheiro de equipe
com seu excesso de agressividade. Ao passar a mão na cabeça de seu piloto, a
Red Bull pareceu dizer que não ser agressivo é ser menos rápido, e isso,
portanto, não é aceitável. Então, Max nunca mudou muito o seu estilo. E cada
vez mais, o piloto foi atraindo fãs, e se tornando o queridinho de muitos, em
especial daqueles que, cansados do domínio de Lewis Hamilton na F-1 nos últimos
anos, clamavam pela possibilidade do holandês destronar, e até destroçar o
piloto inglês na pista. Para muitos, Hamilton já não seria o melhor piloto do
grid, e Verstappen seria o destinado a vencê-lo.
Nada de errado nessa expectativa. Todo grande campeão gera esse tipo de desejo. Fernando Alonso foi louvado por acabar com a “dinastia” de Michael Schumacher, por exemplo. Caberia a Verstappen fazer o mesmo com Lewis, e este ano, com a Red Bull a ter um carro capaz de fazer frente, e até superar a até então campeoníssima Mercedes, era a hora do holandês “cumprir” com sua missão, e demolir a hegemonia do piloto inglês. E poderíamos ter de fato um grande campeonato, e foi o que vimos nas primeiras corridas, onde mesmo com a Mercedes ameaçando retomar o domínio, nada estava garantido, como vimos Verstappen e a Red Bull virarem o jogo depois, passando a dominar as rédeas do mundial.
E competições acirradas sempre estão expostas a correrem mais riscos. Verstappen, como todos sabem, foi extremamente agressivo em Ímola e em Barcelona, onde Hamilton precisou frear para não baterem, devido às manobras agressivas do holandês. E com todo mundo aplaudindo isso. Mas, e quando Hamilton resolvesse não dar mais moleza a Verstappen? O holandês se acostumou a intimidar seus adversários, muitas vezes até jogando o carro quase em cima, com sua agressividade. E acreditar que os rivais sempre vão tirar o pé é um jogo perigoso, onde você pode ser pego no contrapé inesperadamente. Foi o que vimos em Silverstone, onde Hamilton foi para cima desde a primeira curva, com Verstappen chegando até a ziguezaguear na frente do rival para bloquear sua passagem. O holandês tentou dar uma fechada ao fazer a tangência na Copse acreditando que Hamilton tiraria o pé, mas Lewis não aliviou, e deu no que deu. Para muitos, estava até demorando para isso acontecer.
A direção de prova poderia ter deixado a situação como estava, mas para muitos, estaria sendo conivente com Hamilton, crítica que já não vem de hoje, e que alimentaria ainda mais críticas à atuação dos comissários e da direção de prova. A punição, que para muitos foi injusta, por ser de fato um incidente de corrida, foi dada, e nem isso aplacou a ira dos críticos de Hamilton, para os quais o piloto deveria ser desclassificado, e para alguns, até preso por tentativa de assassinato. Cruzes... E sobrou até para a comemoração de Hamilton com a bandeira britânica, que foi alvo de críticas por parte de Max Verstappen, que a achou “desrespeitosa”... Nossa, Ayrton Senna, então, estaria dando uma bofetada na cara de todo mundo em todas as vezes que desfilou com bandeira brasileira em suas vitórias na F-1...
O chororô da Red Bull ficou irritante mesmo. Praguejar contra Hamilton encontrou eco fértil em muitos “fãs”, que chegaram a declarar que o inglês abalroou o carro de Verstappen, algo que as imagens claramente contradizem, mostrando um toque de leve, e não o inglês atravessando o carro do adversário, como se Lewis tivesse jogado o carro em cima de Max. Levantaram contra Hamilton o fato de ele ter “jogado” para fora da pista Alex Albon, outro piloto da Red Bull, aqui em Interlagos e na Áustria, no ano passado, como se ele fizesse isso em todas as corridas, e fosse um piloto sujo, trapaceiro e desleal, entre outros adjetivos menos elogiosos. É verdade que Lewis já teve épocas onde arrumava confusão na pista, e teve algumas atitudes questionáveis. Teve uma temporada onde o inglês chegou a se enroscar na pista várias vezes com Felipe Massa, e já chegou a fechar um companheiro de equipe. E em várias ocasiões ele acabou punido por isso devidamente. Mas esse tempo ficou para trás. Mas, enquanto pintam um quadro negro de Hamilton pelas poucas vezes que isso aconteceu nos últimos anos, também passam a borracha nas confusões de Verstappen.
É realmente ridículo: o holandês teria licença para fazer o que bem entendesse na pista, e a hora que Hamilton resolve impor respeito, o inglês é crucificado por mostrar que pode ser agressivo também na pista. Se a situação fosse contrária, com Verstappen tendo feito com Hamilton o que este fez, e jogado o inglês nos pneus, muitos estariam louvando o atrevido e imparável piloto holandês, com sua coragem e espírito destemido. Pergunto a muitos destes “fãs”: Ayrton Senna teria aliviado naquela disputa de posição? Ou Michael Schumacher? De modo algum. Em 1993, lá mesmo em Silverstone, vimos Ayrton Senna fazer defesas extremamente agressivas para impedir que Alain Prost o ultrapassasse no início da corrida. Mas o francês, que dispunha de um carro superior, soube ser paciente, e algumas voltas depois, fez bom uso de seu melhor equipamento para retomar a liderança e vencer a corrida. Verstappen poderia até ter cedido a liderança para Hamilton, e com certeza, por dispor de um carro melhor, como vimos na corrida de classificação no sábado, algumas voltas depois teria toda condição de retomar a ponta e conseguir vencer a corrida. Ele fizera isso em Paul Ricard, no mês passado, poderia muito bem ter feito isso novamente. Mas faltou paciência.
Sorrisos e cumprimentos? Hamilton e Verstappen devem acirrar os ânimos e a disputa no restante do campeonato.
Seja como for, como
fica a situação agora? Para alguns, o “pau vai comer” na pista, com Max e Lewis
dividindo cada vez mais as freadas, se os carros de ambos se equivalerem,
embora isso certamente vai acontecer da mesma forma se um ou outro estiver com
vantagem de performance. Apesar da melhora da Mercedes, a Red Bull ainda
aparece com vantagem de performance. Basta que Verstappen mantenha a cabeça no
lugar, e não pise em falso, especialmente na visão de corrida e de disputa de posições.
É fácil competir quando você é o franco-atirador, pois está mais disposto a arriscar,
enquanto o líder precisa avaliar os riscos de certas manobras, e na pior das
hipóteses, minimizar os prejuízos que podem ocorrer. Max se acostumou a ser o
franco-atirador, aquele que podia atacar com mais avidez e sem pensar tanto nas
consequências, mas agora essa é a posição de Hamilton, que tem a seu favor a maior
experiência, e pode pressionar com mais liberdade, levando o rival ao risco de
cair em armadilhas no desenrolar da corrida. Por outro lado, Verstappen também
pode ligar o foda-se, e ser ainda mais aguerrido e selvagem na disputa de
posições. Embora ambos digam que não querem novos acidentes, nada impede que
novos incidentes possam ocorrer, dada a competitividade de ambos.
No fundo, é a pimenta que estava faltando no campeonato, com os postulantes ao título em clima de guerra declarada, assim como seus times. O público quer ver disputa, briga, e se necessário, que o pau realmente coma solto nas corridas, guardadas as proporções e bom senso, claro. Mas poderá ser difícil de domar estes dois leões da velocidade. É o embate clássico, com o rei dominante sendo desafiado pelo candidato a novo rei. E, se até chegarmos a Silverstone o duelo pendia de forma até desigual para Verstappen e a Red Bull, agora temos uma situação mais equalizada, com Hamilton apenas 8 pontos atrás. E da mesma forma, no mundial de construtores, devido ao dia totalmente desfavorável que a Red Bull sofreu na corrida em solo inglês, o time dos energéticos também perdeu sua grande vantagem, reduzida a apenas 4 pontos para a rival Mercedes. A Red Bull ainda está um passo à frente do time alemão, mas precisa recobrar os brios, dentro e fora do box, para retomar o controle, e impedir que a Mercedes e Hamilton, apesar da desvantagem técnica, consigam virar o jogo.
Uma virada que certamente não deverá ocorrer na próxima corrida, na Hungria, na semana que vem, onde a Red Bull é vista como franca favorita, devido ao traçado travado da pista húngara, se lembrarmos do que vimos em Mônaco. Mesmo assim, o time austríaco não poderá baixar a guarda, sob o risco de sofrer um novo revés, por mais improvável que possa ser. Max Verstappen e a Red Bull podem ser campeões em 2021, mas a disputa deverá ser forte até o fim, dentro e fora das pistas. Hamilton e a Mercedes ainda podem endurecer a disputa, e não é necessário apelar para jogar o rival fora da pista para conseguir isso, e nem é desejável que isso aconteça, por parte de ambos, e dos fãs, que querem ver o duelo na pista, e tão limpo quando possa ser, mesmo que muitos queiram mesmo é que o pau coma solto, e que a briga pegue fogo com tudo...
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