terça-feira, 18 de maio de 2021

CARRO SOB MEDIDA?

OBS: Devido a problemas de saúde, só agora estou publicando a coluna que deveria ter sido lançada na última sexta-feira. Espero estar recuperado para postar a coluna da próxima sexta no seu dia de costume. Obrigado pela atenção.

Max Verstappen fez uma largada agressiva e tomou a ponta do GP da Espanha desde o início (acima), mas o holandês e a Red Bull acabaram pegos novamente no contrapé da estratégia da equipe Mercedes, que no final da corrida fez com que Lewis Hamilton superasse o holandês e rumasse para a vitória (abaixo).


            Findo o Grande Prêmio da Espanha, o que pudemos ver foi um xeque-mate estratégico aplicado pela Mercedes e por Lewis Hamilton em Max Verstappen e a Red Bull, que sofreram a segunda derrota consecutiva, e vê o heptacampeão começar a desgarrar na classificação do mundial, para muitos, já rumando definitivamente rumo à conquista de seu oitavo título, e acabando com os sonhos dos taurinos de serem novamente os reis da F-1, o que fizeram entre 2010 e 2013.

            E tivemos mais uma vez o embate direto entre Hamilton e Verstappen, enquanto Valtteri Bottas e Sergio Perez ficaram aquém de suas possibilidades. Se o finlandês ainda terminou em 3º, o resultado não aliviou muito a barra dele no time, apesar de se ele se recuperar, deve garantir a 3ª posição no campeonato. Mas a Mercedes quer mais: que Bottas ajude a emparedar Verstappen nas corridas, reduzindo suas opções de dar um contragolpe em Hamilton, algo que não é impossível de acontecer, mas o time germânico e o piloto tem conseguido evitar o pior até aqui.

            Como não poderia deixar de ser, Max começa a reclamar que está “sozinho” no duelo contra a Mercedes, que ao menos, ainda consegue resultados mais plausíveis de sua dupla de pilotos, enquanto no time dos energéticos, Sergio Perez até agora não conseguiu corresponder às expectativas de sua contratação, que era de alguém experiente e talentoso capaz de andar próximo de Verstapen. O mexicano fez uma excelente corrida no Bahrein, que largou em último após seu carro dar um apagão e quase tirá-lo da corrida, terminando em 5º, e brilhando na classificação de Ímola, onde largou na primeira fila mas errou várias vezes na corrida, ficando sem marcar pontos. E uma das hipóteses para explicar a disparidade de performance entre os pilotos, para muitos, é que o carro da Red Bull seria “feito” sob medida para o estilo de Max Verstappen pilotar, de modo que nenhum de seus companheiros de equipe seria capaz de obter os resultados cobrados de um monoposto com estas características.

            O quanto temos de verdade nisso? A favor da hipótese, temos que, depois de Daniel Ricciardo, nenhum outro piloto conseguiu andar próximo do holandês. Será que todos eles são assim tão ruins, se comparados a Max? A verdade é que a Red Bull por vezes parece ignorar que Verstappen é um caso raro entre os pilotos, um ás da velocidade, onde apenas Lewis Hamilton parece capaz de se igualar, ou superar. Não é tão fácil aparecerem pilotos assim a toda hora. Diante das críticas que Helmut Marko, que em carreira foi um piloto medíocre, e hoje se dá ao luxo de “ditar” todo tipo de ordens e considerações (nem sempre gentis) de como os pilotos dos dois times devem proceder (à exceção óbvia de Verstappen), guiar para a Red Bull tem se tornado mais um “fim” de carreira do que um “empurrão”... Quero ver a hora que algum piloto descontar nele todas as frustrações, e ver o que acontece...

            Contra a hipótese de carro “sob medida” para Verstappen, é preciso considerar o currículo de Adrian Newey na F-1, desde o primeiro carro projetado por ele a obter algum destaque, o March CG988, de 1988, que era bem agressivo na aerodinâmica, o que fez com que o modelo chegasse a surpreender em alguns GPs da segunda metade da temporada. Uma agressividade mantida para os dois anos seguintes, onde os carros não voltaram a mostrar um desempenho constante devido a essa radicalização da aerodinâmica, a área especializada de Newey. Em 1990, a March praticamente não se classificou para o GP do México, e na corrida seguinte, na França, quase venceu a corrida, uma vez que o piso liso de Paul Ricard combinava perfeitamente com o estilo do projeto do então March 901. Dali em diante, ele acabou contratado para projetar carros de times de ponta, como Williams, McLaren, e Red Bull. Mas, nestes times, com exceção da equipe taurina, Adrian tinha seus projetos “revisados” para evitar essa radicalização aerodinâmica, que até conferia uma velocidade ímpar ao bólido, mas comprometia sua estabilidade de desempenho. Essa ação “revisora” fez bem à Williams e McLaren, mas com o passar do tempo, o projetista inglês começava a se sentir “limitado” por ter de se submeter a critérios cujo objetivo era impedir que a escuderia ficasse refém de sua criatividade. Por isso, quando a Red Bull o contatou para redesenhar todo o grupo técnico da nova equipe Red Bull, ex-Jaguar, e com um belo salário, ele não pensou duas vezes.

            Os primeiros resultados apareceram em 2009, com as primeiras vitórias do time, que conquistaria os títulos da F-1 de 2010 a 2013. E ali, podíamos ver que, aos poucos, ele ia definindo o estilo de comportamento do carro, que acabava sendo melhor aproveitado por Sebastian Vettel do que por Mark Webber. Mas o carro não era “feito sob medida” para o alemão, mas ele tinha características que Vettel, um grande talento à época, deitasse e rolasse sobre o companheiro de equipe, e fosse tetracampeão sem muitas dificuldades. Em 2014, Newey mudou um pouco a concepção do carro, e o que vimos foi o australiano Daniel Ricciardo deixar o alemão na sobra, a ponto de ele sair para a Ferrari no ano seguinte. E, claro, apareceu Max Verstappen...

            Ávidos por garantir o controle sobre o piloto, que já atraia os olhares de todo mundo no paddock, o time defenestrou Danill Kvyat, e promoveu o holandês ao time principal dos energéticos, recheando-o com todos os mimos nos boxes. Na pista, o holandês mostrava-se um páreo realmente duro para Ricciardo, que se não mostrava a mesma velocidade bruta, compensava com visão de corrida, senso tático, e raramente se metia em confusões, ao passo que o holandês foi arrumando algumas brigas pelo caminho, e pior, a Red Bull ainda lhe passava a mão na cabeça, como se isso não fosse nada demais. Essa diferença de tratamento fez Daniel deixar o time, e desde então, todos os companheiros de Verstappen raramente conseguiram andar no ritmo do holandês e satisfazer as exigências da cúpula rubrotaurina, que nesse processo “fritou” Pierre Gasly e Alexander Alboon. Até aqui, apesar de alguns sinais promissores, Sergio Perez parece estar mais próximo de sofrer o mesmo destino do que contrariar a regra, ainda mais porque Marko teve de engolir a presença do mexicano, um piloto completamente estranho ao corpo da Red Bull, não fazendo parte de seu programa de formação de pilotos.

            Ainda é cedo para cravar que Perez será o mais novo piloto a ser rifado por Helmut Marko, até porque, piloto experiente, o mexicano já tem mais traquejo e equilíbrio mental para aguentar os desaforos proferidos por Marko, e assim que entender completamente o carro, o qual já admitiu que suas reações obrigam uma postura diferente da que ele aplicava em seus times anteriores, pode vir a reverter as expectativas de o time taurino contar apenas com Verstappen na luta contra as Mercedes. Isso indica que o carro rubrotaurino não é para qualquer um... Mas, é feito para Verstappen? Não exatamente: o carro tem um comportamento difícil, justamente porque Newey nunca abandonou algumas de suas idéias de radicalização aerodinâmica esses anos todos. Mas Verstappen, com seu imenso e ímpar talento, consegue ter um desempenho impressionante com o carro, o que seus colegas, obviamente por não serem ases fora de série como o holandês, não conseguem repetir. A exceção era Daniel Ricciardo, alguém que muitos hoje depreciam por ter “fugido” da Red Bull por ter “medo” de encarar o holandês, na opinião deles. Mas se esquecem que Daniel havia superado Sebastian Vettel na sua chegada à Red Bull, e formava junto com Max uma das duplas mais fortes do grid. O fato de ele andar na frente até do holandês, que é um piloto absurdamente rápido, comprova seu talento acima da média do grid atual. Talvez não seja tão bom quanto Max em capacidade total, mas sabia compensar isso com outras qualidades, e por isso mesmo, também andava forte quando estava no time taurino.

            E porque, então, a Red Bull continua concordando com o estilo de comportamento de seus carros concebidos por Newey, quando se vê que eles praticamente limitam parte do sucesso do time na pista? Ora, porque como Verstappen dá e sobra, para quê mudar a filosofia? O holandês rende o que eles esperam, e deixar os carros mais “dóceis”, de modo que os outros pilotos do time pudessem explorar o seu potencial, pode não trazer os resultados esperados. Também tem outra cisma, que é o tratamento da Red Bull para com o holandês, que hoje é a estrela “única” da escuderia. Com um carro mais “neutro”, imagine se o segundo piloto, por acaso, conseguir andar à frente de Max, e até conseguir, em alguma hipótese, subjuga-lo. Difícil, mas não impossível. Mas, caso isso acontecesse, como ficaria a situação do holandês perante o time? Embora Max tenha já afirmado várias vezes que não importa quem é seu companheiro de equipe, e que se preciso, ele os esmagaria a todos, mostrando não estar preocupado com isso, será que seu ego resistiria a um duelo interno dentro da Red Bull? Dizem que Verstappen ficou mais maduro, e está sabendo liderar o time como o grande piloto que é, mas será que isso não decorre do fato de não ter tido mais concorrência interna na escuderia? Quando era companheiro de Ricciardo, ele se metia em várias confusões, e já chegou a arrumar treta com o australiano em plena pista, arruinando a corrida de ambos. Será que isso não voltaria a acontecer, apesar de improvável? Por isso mesmo, será que a Red Bull aceitaria dar condições de competição de um carro tão boas para Max quanto para o outro piloto, e correr o risco de o holandês se desestabilizar na disputa de pista e de box?

            E ainda temos as ameaças veladas de Jos Verstappen, pai de Max, que volta e meia sempre pressiona o time a manter, e até ampliar os benefícios ao filho no time dos energéticos, sob o argumento de que se seu time não tratar seu filho como a única e maior prioridade, ele iria atrás de uma escuderia que o fizesse adequadamente. E, para a Red Bull ter renovado o contrato do holandês por várias temporadas, com considerável aumento salarial, a exemplo do que a Ferrari também fez com Charles LeClerc, sua nova estrela, indica que a escuderia não está indiferente à ameaça, porque sabe que, sem Verstappen, eles simplesmente desmoronam como time de ponta. Essa dependência do holandês é algo que precisa ser levado a série, como estamos vendo no Mundial da MotoGP, onde a Honda praticamente desapareceu das primeiras colocações no ano passado sem poder contar com sua grande estrela Marc Márquez, um talento já reconhecido como um dos maiores da história do motociclismo. Só que o fato do time nipônico ter uma moto arisca e nervosa, à qual apenas Márquez conseguia domar, e conquistar resultados, como vitórias e até o título, fez a marca ignorar as reclamações de seus outros pilotos por um equipamento mais equilibrado e menos ressabiado, uma reclamação que já vinha de várias temporadas na classe rainha do motociclismo.

O carro da Red Bull é feito para Verstappen apenas? Não exatamente: trata-se apenas de um modelo de comportamento nervoso que o piloto holandês consegue encarar com seu grande talento (acima), da mesma maneira que Marc Márquez (abaixo) fazia com a moto temperamental da Honda na MotoGP nos últimos anos.


            Mas, com Marquez ganhando tudo, e dominando o grid e o campeonato, para quê dar atenção às opiniões de seus outros pilotos? A “Formiga Atômica” deitava e rolava, então, isso bastava, e os demais pilotos que se virassem para competir naquelas condições. Mas, quando o piloto espanhol fraturou o braço em um acidente logo na primeira corrida de 2020, e teve de ficar afastado até o mês passado, a Honda implodiu na competição, disputando quase sempre as posições da segunda metade do grid para atrás. Só aí a fábrica nipônica, que havia sido campeã 6 vezes com Marquez, caiu na real, e procurou modificar um pouco o comportamento de seu equipamento, o que permitiu a seus piloto melhorarem seu desempenho na segunda metade da temporada. Esperava-se que a Honda melhorasse o comportamento de seu protótipo para esta temporada, mas pelo que se viu até aqui, os resultados ainda não foram os ideais, tanto que a Honda até agora não conseguiu nem encostar nas rivais Yamaha, Ducati, e Suzuki. E mesmo a volta de Marc Márquez, que demonstra ainda não estar recuperado em ritmo de corrida, mostra que a dependência extrema de um time a um equipamento que só seu principal piloto consegue andar no limite tem suas consequências negativas. É sempre uma aposta de risco. No caso da Honda, foram alguns anos arriscando tudo em cima de Márquez, e ignorando as necessidades do resto do plantel. Uma hora, claro, tudo poderia ir por água abaixo, e acabou indo, de modo que a Honda até agora não conseguiu reencontrar-se na MotoGP, e mesmo com o retorno de um Marc Márquez também ainda procurando se reencontrar na pista, dá para afirmar que a marca nipônica terá outro ano perdido na classe rainha do motociclismo.

            Na F-1, a insistência da Red Bull com seus carros mais nervosos, mas que conseguem ser habilmente pilotados por Max Verstappen, podem ser seu trunfo e grande ponto fraco. Um carro que nas mãos do holandês é extremamente veloz, mas que é incapaz de oferecer a mesma performance pela maioria dos demais pilotos do grid, e que já “vitimou” dois pilotos do programa de formação da Red Bull pela aparente falta de compreensão e paciência da cúpula rubrotaurina a este detalhe. Minha torcida, e a de muitos, é de que Pérez consiga entender-se melhor com o carro, e feito isso, comece a andar realmente bem mais próximo a Verstappen, do mesmo modo que Bottas por vezes faz em relação a Lewis Hamilton, e contrarie essa regra, e ajude a aumentar a disputa nas primeiras colocações entre Red Bull e Mercedes, ainda mais com o time alemão começando a mostrar que pode estar começando a escapar na liderança, e fulminar as expectativas que todos tinham de uma luta pelo título mais disputada entre os dois times e seus principais pilotos.

            Filosofia de concepção de carro de time para time, a Mercedes tem sido muito mais vitoriosa até aqui, com um carro muito mais ajustável e adaptável para seus dois pilotos, enquanto a rival Red Bull pode até ter ciência de que sua opção não é a melhor, mas que nem por isso parece disposta a mudar sua aposta, muito provavelmente no affair de não causar dissabores a Max Verstappen, mesmo que isso obrigue o holandês a ter de se virar sozinho contra Lewis Hamilton. Um detalhe que pode ser crucial nas chances dos taurinos em levar a cabo sua luta pelo título contra os alemães. E num campeonato tão disputado como este têm sido até o presente momento, são atenção aos detalhes que farão toda a diferença na competição. Detalhes aos quais a Mercedes parece estar dando muito mais atenção e cuidado do que a Red Bull, e sabendo tirar as devidas vantagens e lições a respeito.

            Por essas e outras, nunca é bom subestimar a Mercedes...

 

 

Enquanto a Mercedes parece ter conseguido encontrar o termo ideal de desenvolvimento de seu novo bólido, a Aston Martin parece incapaz de conseguir efetuar o mesmo procedimento no seu carro, inspirado no modelo alemão do ano passado. Tanto Lance Stroll quando Sebastian Vettel não têm conseguido extrair do carro a velocidade necessária para conseguir enfrentar os rivais, com a dupla de pilotos ficando fora da zona de pontos na corrida espanhola, lembrando que o circuito da Catalunha tem o mérito de expor as qualidades, mas também os defeitos de qualquer máquina a competir ali, o que demonstra que a performance do carro verde até aqui tem sido uma verdadeira decepção neste campeonato. O time vai ter muito trabalho para conseguir acertar o rumo de seu carro, para não falar de que isso também vem travando o desenvolvimento de Vettel ao carro, com o alemão não conseguindo mostrar uma recuperação de sua capacidade de pilotagem. Dias difíceis ainda esperam o tetracampeão alemão na F-1 este ano...

A Aston Martin ainda não conseguiu resolver os problemas de performance de seu novo carro de 2021.

 

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