quarta-feira, 12 de agosto de 2020

A TRAJETÓRIA DOS CIRCUITOS DA F-1 – DETROIT


            Voltando a trazer mais um texto sobre as pistas que sediaram provas da Fórmula 1, hoje falarei um pouco de Detroit, cidade que teve o privilégio de assistir a sete edições de um Grande Prêmio de F-1, nos anos 1980. Recebida com certa expectativa quando estreou na competição, logo pilotos e equipes viram que a prova na “capital” mundial do automóvel não seria exatamente o evento mais esperado do calendário da categoria máxima do automobilismo. Confiram no texto abaixo, e boa leitura a todos...


DETROIT

            Nação mais rica do mundo, fica difícil de entender porque os Estados Unidos tiveram tantas dificuldades em certas épocas de se manterem no calendário da F-1. Um imenso mercado que, em várias temporadas, não esteve presente no calendário da categoria máxima do automobilismo. Mas, com um automobilismo nacional pujante, quem precisava da F-1, afinal? Campeonatos como a Nascar e a própria F-Indy já davam conta de entreter o público ianque, e assim por muitos anos, desde que a F-1 saiu de Watkins Glen, os Estados Unidos marcaram presença ainda por vários anos em pistas que ficaram marcadas pela ojeriza e raiva dos pilotos. Afinal, em um país que contava com excelentes pistas como a já citada Watkins Glen, e circuitos como Elkhart Lake, a teimosia da F-1 em continuar se aventurando em pistas de rua era meio incompreensível. Talvez o charme e sucesso da corrida disputada nas ruas de Long Beach, balneário ao sul de Los Angeles, tenha deixado a turma achando que bom mesmo era correr nas ruas das cidades norte-americanas. Bom, Long Beach até tinha seu charme, mas ficou por aí. Outras pistas, como Las Vegas e Dallas, foram um horror, e quem teve chance de correr nelas nunca morreu de saudade quando as mesmas deixaram de fazer parte do mundial.
            E olhe que a F-1 até que foi bem condescendente com as pistas norte-americanas de rua na década de 1980, a ponto de incluir Detroit, a capital mundial do automóvel, no calendário do campeonato de 1982, fazendo com que os Estados Unidos sediassem naquele ano nada menos do que três corridas: além da nova pista de Detroit, tínhamos também a já mencionada Long Beach, e a prova de Las Vegas. A corrida em Detroit foi uma jogada para melhorar a imagem da cidade, cuja fama de capital mundial do automóvel já começava a decair, com consequências bem mais nefastas que viriam a se consolidar anos mais tarde.
            O circuito foi montado no centro de Detroit, para variar, mais uma pista de rua, localizada ao lado do Renaissance Center, ao lado do Rio Detroit. Com uma extensão de 4,168 Km, e cerca de 20 curvas, a maioria em 90º, o traçado até foi recebido com certa moderação pelos pilotos, mas não demorou para o circuito definitivamente não agradar aos pilotos. Além do piso irregular, para não mencionar nos afamados bueiros que as ruas possuíam, o traçado era estreito, e tal qual Mônaco, os guard-rails não perdoavam erros dos pilotos, nas curvas apertadas e às vezes cegas do traçado. Isso para não mencionar as já conhecidas dificuldades de ultrapassagem que uma pista destas apresentava, uma vez que seus trechos de reta eram curtos, e quem quisesse ganhar posição tinha que ir na raça e no risco, torcendo para o piloto da frente não complicar a situação. Logo Detroit se tornou a pista mais extenuante e complicada do calendário, pois além das dificuldades impostas pelo traçado, o forte calor na época de disputa do GP tornava a prova ainda mais desafiadora, com os carros a serem levados ao limite de suas resistências mecânicas, isso quando os pilotos não erravam as freadas e carimbavam seus bólidos nos muros. Ou quando tentativas de ultrapassagem não eram bem sucedidas, e os pilotos acabavam se enroscando uns nos outros, oferecendo a seus mecânicos motivos para também detestarem a pista. Mas, Mônaco era também desafiadora a tal ponto. Qual o problema de Detroit? Talvez o fato de não ter nem um décimo do charme de Monte Carlo. Na verdade, não tinha charme algum, na opinião de muitos. Mas a F-1 correndo na “capital” mundial do automóvel era uma boa ferramenta de marketing, não? Portanto, lá iam os pilotos e seus times para correr no fim de semana.
            Pelas dificuldades que o circuito impunha a carros e pilotos, por vezes algumas surpresas apareciam. Na primeira corrida, disputada em 1982, a vitória ficou com John Watson, com McLaren/Ford, após ter largado em 17º. A pole-position tinha sido de Alain Prost, com Renault, com o tempo de 1min48s537, com o francês também marcando a volta mais rápida da corrida, com a marca de 1min50s438. A corrida de 1982, contudo, foi a única disputada na configuração original do circuito. Para 1983, visando deixar a pista mais rápida e menos travada, uma chicane foi abolida, criando um trecho mais “reto” no que virou a nova curva 5 do traçado, que passou a ter 18 curvas no total, e uma extensão um pouco menor, de 4,023 Km.
            Com a nova configuração, a pista ficou de fato mais veloz (ou menos lenta, como preferirem). A pole em 1983 foi de René Arnoux, com Ferrari, com o tempo de 1min44s734, quase 4s mais rápido do que no ano anterior. A nova melhor volta foi de John Watson, com o tempo de 1min47s668. O que não deu foi tornar a pista mais agradável a equipes e pilotos, que continuaram não gostando do local. Até 1984, o circuito abrigou o GP dos Estados Unidos-Leste, uma vez que até 1983, a prova em Long Beach era chamada de GP dos Estados Unidos-Oeste. Em 1984, a prova de Dallas levou o nome de Grande Prêmio dos Estados Unidos, nome que passou a ser do GP em Detroit a partir de 1985. E assim foi até 1988, quando Detroit sediou pela última vez seu GP de F-1. A FIA exigia melhorias no circuito, além de estruturas permanentes de boxes, o que a cidade definitivamente não tinha interesse em providenciar, de modo que o circuito citadino à beira do Rio Detroit nunca mais viu os carros da categoria máxima do automobilismo.
       Tentou-se fazer um acordo para transferir o local da prova para uma pista que seria montada no Belle Isle Park, em uma ilha no meio do Rio Detroit, mas as conversas não chegaram a um acordo. Curiosamente, assim como ocorrera com a prova de Long Beach, a pista de Detroit também passou a sediar corridas da antiga F-Indy, utilizando praticamente o mesmo traçado da F-1, com exceção da chicane do meio da reta dos boxes, que providenciou uma excelente reta que poderia ter agradado ao pessoal da F-1 quando de suas provas. Mas mesmo a turma da F-Indy não curtiu por muito tempo a pista no centro da cidade, e no início da década de 1990, as corridas passaram a ser realizadas na Belle Isle, em um acordo que finalmente permitiu a realização de corridas no local, mas com a F-Indy. Hoje, o traçado montado na Belle Isle ainda está presente no calendário da atual Indycar.
            Quando à F-1, esta deixou Detroit para nunca mais retornar, e foi se aventurar em outra pista de rua (mais uma) que também não deixaria saudades em ninguém na categoria, montada nas ruas da cidade de Phoenix, no Estado do Arizona, que também durou muito pouco tempo, e falarei dela em outro momento. Em relação à pista de Detroit, os brasileiros tiveram seus momentos nela. Nélson Piquet, apesar de detestar aquela pista, conseguiu uma bela vitória com a Brabham/BMW em 1984, numa corrida que “demoliu” a maior parte dos concorrentes, com apenas cinco carros a cruzarem a linha de chegada. Já Ayrton Senna foi o vencedor das últimas três edições da corrida, de 1986 a 1988, primeiro com a Lotus/Renault, e depois com Lotus/Honda, e por fim, com McLaren/Honda. O recorde da pole-position é de Senna, com a marca de 1min38s301, obtido em 1986. Já o recorde da melhor volta em corrida também pertence ao brasileiro, com o tempo de 1min40s464, obtido em 1987. O fato das marcas mais velozes não terem sido obtidas na última corrida tem a ver com o estado do piso do traçado, que em 1988 estava muito, muito ruim, tendo recebido várias críticas dos pilotos, e este foi outro dos motivos pelos quais a corrida não foi mais realizada na cidade.
            No ano em que venceu a prova, Nélson Piquet também largou na pole-position. Já Ayrton Senna marcou a pole em três oportunidades, em 1985, 1986, e 1988. Em 1985, a vitória acabou com Keke Rosberg, da Williams/Honda. Em 1983, outra surpresa na corrida de Detroit foi a vitória de Michele Alboreto, no que foi a última vitória da história da equipe Tyrrel, e por algum tempo a última vitória do clássico motor Ford Cosworth na F-1.

Ayrton Senna largou na pole em Detroit em 1986 (acima), e venceu sua primeira corrida no circuito citadino. Em 1988 (abaixo), o brasileiro repetiria a dose, naquela que foi a última apresentação da F-1 na “capital” mundial do automóvel. 
 

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