sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

LADEIRA ABAIXO - III


O visual do pôr-do-sol em Abu Dahbi é uma das cenas mais bonitas do encerramento da temporada da F-1 2015. Pena que o restante do GP tenha sido novamente uma chatice daquelas...

            O campeonato de 2015 da Fórmula 1 terminou com mais uma prova sem grandes atrativos na pista, fora alguns percalços isolados. Em se tratando da corrida dos Emirados Árabes, disputada no circuito de Yas Marina, seria surpreendente se a corrida fosse boa, pois não é de hoje que pilotos e equipes, além da imprensa especializada, considera o belo autódromo de Abu Dhabi um esplendor visual e um pesadelo de traçado, que incentiva corridas sem maiores disputas de posição. E este ano não foi diferente.
            Como se não bastasse mais uma prova monótona para fechar o campeonato, a própria F-1 deu mostras, na semana passada, de que vai ter problemas para se achar uma solução que ajude a recuperar a sua popularidade. O Grupo de Estratégia vetou sumariamente a proposta de adoção de motores alternativos para a categoria máxima do automobilismo a partir de 2017. Com isso, os times continuam reféns das montadoras Mercedes, Renault, Honda e Ferrari em termos de opções de motorização. As empresas, claro, tentando fazer um meio-termo a fim de não serem acusadas de nada fazer para favorecer a competição, se comprometeram a apresentar em janeiro uma proposta de redução de custos a fim de tornar mais viável seu fornecimento de motores. Acredite se quiser...
            Pior de tudo é que havia interessados em fornecer este motor mais barato para a F-1, com propostas da Mecachrome, Ilmor, e a AER. O que pode ser considerado até um excelente número, pois o pessoal do site especializado Grande Prêmio (www.grandepremio.uol.com.br) chegou a fazer um levantamento com montadoras que já passaram e/ou poderiam ter interesse em ingressar na F-1, produzindo as atuais unidades de força descritas pelo regulamento técnico, e que resultou em negativas de praticamente todos os contatados, algo extremamente preocupante no que se refere ao interesse que estas grandes empresas do setor automotivo poderiam ter pela categoria máxima do automobilismo.
            Quem já esteve lá, como Toyota, BMW, e Peugeot, simplesmente não tem a F-1 em seu leque de interesses, preferindo centrar seus esforços em outros campeonatos. A marca nipônica correu várias temporadas na década passada com time próprio, enterrando milhões e milhões de dólares numa estrutura de ponta que nunca conseguiu resultados à altura dos investimentos. E isso ainda foi feito numa época onde os motores utilizados eram muito mais simples e produzidos com uma tecnologia amplamente conhecida por todos. Com um investimento consideravelmente menor, a Toyota já conseguiu ser campeã no Mundial de Endurance, e embora tenha feito uma temporada ruim este ano, é lá que pretendem ficar, onde há um regulamento e regras técnicas que no atual momento é o que lhes agrada para competir. E a marca japonesa ainda confirmou que retornará ao Mundial de Rali em 2017, mostrando que eles têm interesse em participar das competições automobilísticas. Mas que não são a F-1. A BMW chegou a comprar a equipe Sauber, mas pulou fora do barco após seu primeiro ano de vacas magras, competindo na mesma época em que a Toyota também esteve por lá. O motivo mais forte teria sido a crise mundial que assolou o mundo em 2008. Como a fábrica bávara investia forte no certame, e também não conseguiu os resultados que esperava, fora uma vitória isolada de Robert Kubica, consideraram a relação custo/benefício não atrativa. Nada incomum eles preferirem ficar onde estão do que gastar novamente rios de dinheiro na F-1 em fornecimento de motor que, caso apresente problemas, não possa ser corrigido a contento, obrigando o fabricante a se manter firme na competição mesmo apresentando resultados completamente medíocres, a exemplo do que vimos acontecer com a Honda este ano.
Fábricas que até pouco tempo atrás competiam na F-1 hoje não querem nem ouvir falar da categoria, como a Toyota, que está feliz disputando o Mundial de Endurance.
            Com relação à Peugeot, a marca francesa também não guarda boas lembranças de quando lá esteve, tendo tido seus melhores resultados justamente em seu primeiro ano na competição, em 1994, equipando justamente a McLaren. Ron Dennis, porém, dispensou os franceses logo após o primeiro ano para aceitar de mala e cuia os propulsores alemães da Mercedes. Restou à marca francesa equipar times médios como Jordan e Prost, e ver resultados apenas ocasionais, mesmo apresentando um excelente propulsor. Eles preferem manter seus investimentos nas categorias off-road, cujo custo-benefício lhes é muito conveniente. Ah, e ver como seus rivais históricos da Renault andam apanhando nos últimos dois campeonatos com um projeto que se revelou até agora muito pouco competitivo, apesar dos altíssimos investimentos, só os ajuda a verem que o atual panorama técnico imposto pela F-1 definitivamente não lhes agrada.
            A Volkswagen até tinha algum interesse em ingressar na categoria, mas um recente escândalo envolvendo manipulação de dados de motores de vários de seus modelos de carros de rua jogou a empresa alemã numa encrenca da qual precisará envolver todos os seus recursos para corrigir a situação, para não falar no pagamento de multas pesadíssimas. Então, por hora, o mais lógico e manter firme sua participação nos campeonatos onde tem excelente performance, como o Mundial de Rali, cujo retorno tem sido garantido nos últimos tempos. Não haverá tempo ou recursos para desperdiçar com “aventuras” em outras paragens.
            Cortejada há anos pelos times da F-1, a Audi tem resistido ao canto da sereia que lhes é feito insistentemente nos últimos tempos. Mas o enfoque das quatro argolas é se manter firme no Mundial de Endurance, onde espera recuperar sua coroa perdida em 2014 para a Toyota, e este ano para a Porsche. Mesmo com a adoção de motores híbridos pela F-1, que é uma tecnologia conhecida e utilizada pela Audi na Endurance, o interesse de entrar na competição não aumentou, ou cresceu de forma apenas marginal. A verdade é que o Mundial de Endurance já fornece à marca alemã todos os desafios que ela busca no campo das competições automobilísticas, apresentando um regulamento sem as restrições que tem praguejado na F-1 nos últimos tempos.
            Realmente, dá para acreditar que a F-1, teoricamente a categoria automobilística mais importante do planeta, está sendo rejeitada sumariamente por várias montadoras de renome mundial? Pois é a mais pura verdade. Podem dizer que sempre houve fábricas que nunca tiveram interesse pela categoria, preferindo outras competições. Claro que cada uma tem seus próprios projetos e objetivos, e a F-1 pode mesmo não ser o foco adequado para eles investirem em busca destas metas. Mas é um sinal extremamente claro de que o campeonato não gera por parte deles interesse viável. E se isso chegar a acontecer com os fabricantes atuais? A Renault, depois das críticas que levou de seus times, em especial da Red Bull, este ano, devido à falta de performance de suas unidades de potência, poderia muito bem pular fora da competição e deixar a F-1 chupando o dedo. Para sorte da FIA e de Bernie Ecclestone, a empresa ainda tem interesse em manter-se na categoria, mesmo com as opiniões contrárias de Carlos Ghosn de que o investimento na F-1 é dispensável para os objetivos de fortalecimento da marca no mundo.
            Há 15 anos atrás, a F-1 foi tomada de assalto pelas montadoras, ávidas em marcar terreno e presença na categoria. Tínhamos a Ford, BMW, Renault, Honda, Mercedes, Ferrari, e até a Peugeot ainda estava por lá, fosse em parcerias oficiais ou semi-oficiais. Parecia o sonho para a FIA e FOM. Hoje, a F-1 precisa fazer força para atrair alguém, e ainda temos problemas sérios quando o assunto é arrumar patrocinadores para sustentar essa gastança toda que a categoria necessita. Basta ver a situação da McLaren, que está ficando literalmente sem apoios de 2014 para cá, e deve ficar com o carro ainda mais limpo em 2016. Ron Dennis, lamentavelmente, se comporta como se ainda estivesse em tempos áureos da economia mundial, onde patrocínios existiam aos montes, mas desde a crise econômica de 2008, o pessoal ficou muito mais seletivo no que gastar, e o automobilismo como um todo foi duramente afetado. Dennis continua exigindo valores irreais para patrocínio do time inglês, e se continuar nessa toada, vai ficar absolutamente sem nada.
Mesmo os times médios, que já tem valores mais baixos a cobrar na hora de conseguir apoios, estão com dificuldades para fechar seus pacotes. Vejam a Sauber, que nos últimos anos pouco conseguiu em termos de patrocínios próprios, ficando a maioria deles sendo trazida por pilotos pagantes, como a atual dupla titular, Felipe Nasr e Marcus Ericsson, que contribuíram com a maioria do orçamento que o time teve disponível para o campeonato, e que mesmo assim foi pouco, pois o carro praticamente não foi desenvolvido quase durante o ano. Não é um problema restrito à F-1, mas pelos seus custos mais altos, é a que sente mais os efeitos. E, com corridas sem emoção, as audiências caem, e com os índices despencando, os times não tem argumentos para manter os valores cobrados pelo patrocínio. E, é claro, as empresas não vão aceitar pagar caro por um produto ruim.
Pior de tudo, ainda, são os excessos de punições que a categoria anda aplicando. Em Abu Dhabi, Fernando Alonso criticou a punição que recebeu por ter sido considerado culpado em toque dado em Pastor Maldonado, mas o espanhol havia sido tocado antes por Felipe Nasr, o que deu origem à confusão. Foi um incidente de corrida, mas claro que os fiscais, ávidos por marcar presença, tascaram uma punição no piloto da McLaren. O público quer, acima de tudo, ver disputa na pista, e no automobilismo, toques e empurrões são acontecimentos comuns. Os pilotos, por sua vez, não são competidores de derbys de demolição, mas qualquer toque hoje em dia, ou acontecimentos com potencial de acidentes, são motivos de punição pelos fiscais. O público está de saco cheio disso, e a situação é ainda pior quando se trata de punições por motivos técnicos, das quais o lance da medição das temperaturas e pressão dos pneus são mais uma frescura à qual eles não estão nem aí, que causou a desclassificação de Felipe Massa em Interlagos.
            É preciso mudar uma série de itens no regulamento da categoria para acabar com estas frescuras todas, e principalmente, destravar os pontos do regulamento técnico que impedem um melhor desenvolvimento dos monopostos, em especial as unidades de potência híbridas. Bernie Ecclestone e Jean Todt, descontentes com a posição das montadoras, que estão fazendo uso de sua posição de veto no Conselho Estratégico, resolveram dar um basta nesta última quarta-feira, e com uma “autorização” do Conselho Mundial de Automobilismo e da FIA, conseguiram carta branca para propor uma série de mudanças sem precisar da concordância das escuderias e montadoras. Na prática, eles terão o poder de impor as regras que acharem necessárias para retomar o controle da competição, e em tese, proporcionar as correções necessárias para que a F-1 volta a ser atrativa.
            Isso pode ser bom, mas também pode ser ruim. Muita gente considera que tanto Jean Todt, e principalmente Bernie Ecclestone, apesar de toda uma vida dedicada ao automobilismo, e de conhecerem a categoria como ninguém, tem uma visão arcaica de certos aspectos que não ajudam em nada a F-1 a ficar mais agradável. Bernie, por exemplo, é terminantemente contra o uso das redes sociais e da internet, mais por birra de não ter como “controlar” o uso de material sobre a categoria, do que por qualquer outra coisa, desprezando o alcance que a rede mundial de computadores tem e sua atratividade especialmente sobre os jovens, que na opinião do diretor da FOM, não tem dinheiro para comprar os produtos que a F-1 divulga, preferindo se cercar de velhos endinheirados que possam fazê-lo. Talvez quando o momento for mais desesperador, Bernie resolva ceder, mas até lá, podem apostar que ele vai se manter firme às suas preferências.
Jean Todt e Bernie Ecclestone acabam de "ganhar" carta branca da FIA para mudar as regras sem prestar contas às equipes e montadoras na F-1. Resta saber se tomarão as medidas certas e necessárias.
            De Jean Todt, basta lembrar que, no período áureo de dominação da Ferrari na década passada, era por ordem dele que os pilotos do time italiano nunca duelariam entre si na pista, para garantir os interesses corporativos da escuderia, também por política de Luca de Montezemolo. Com Michael Schumacher deitando e rolando, e sem permitir que Rubens Barrichello pudesse disputar o título, Todt contribuiu para eliminar uma disputa que poderia ter ajudado a deixar a competição mais disputada. Não que Barrichello fosse ser melhor que Schumacher, mas poderia ter feito corridas melhores, e ter dado graça a algumas etapas. Pelo contrário, Todt foi o principal responsável por cenas deprimentes como a da Áustria de 2002, quando o piloto brasileiro foi forçado a entregar a vitória a Michael Schumacher, depois de dominar todo o fim de semana, levando o time italiano a ser vaiado na cerimônia do pódio e até na entrevista coletiva pouco depois. Naquele ano, como em 2004, pela superioridade da Ferrari, praticamente não houve competição, a ponto de Schumacher ter conseguido fechar a conquista do título praticamente quase a meio campeonato de disputa apenas. Claro que isso também contribuiu para corridas chatas e um campeonato dos mais previsíveis e chatos. Por aí então, Todt vai ter de trabalhar muito para pagar seus pecados passados e permitir que a F-1 recupere um pouco de seu espírito original. Até porque, desde que assumiu a presidência da FIA, ele pouco fez pelo desenvolvimento da categoria em si, tendo sido acusado de ser muito conivente com os times grandes, e desdenhado das solicitações das escuderias menos abastadas.
            Há muito a ser feito para trazer a F-1 de volta a seu bom caminho. Há muitos interesses envolvidos, e mesmo que Bernie e Todt façam opção pelas medidas corretas que são necessárias, as equipes e montadoras vão chiar à sua perda de poder, o que pode dar início a uma bela queda de braço para ver quem fica e quem sai neste jogo. Espero que todos cedam o necessário para se salvar a categoria como um todo, e não fiquem em sua guerra de egos que nada de positivo irá trazer neste momento delicado que a F-1 está vivendo. E é preciso lembrar que, quando todo mundo briga com todo mundo, só há perdas, e a crise que a F-1 atravessa pode ficar ainda muito pior. Para baixo, todo santo ajuda...
            Então, que todos consigam se unir para evitar o pior, e que consigam salvar a F-1 enquanto ainda podem...

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