O visual do pôr-do-sol em Abu Dahbi é uma das cenas mais bonitas do encerramento da temporada da F-1 2015. Pena que o restante do GP tenha sido novamente uma chatice daquelas... |
O campeonato de 2015
da Fórmula 1 terminou com mais uma prova sem grandes atrativos na pista, fora
alguns percalços isolados. Em se tratando da corrida dos Emirados Árabes,
disputada no circuito de Yas Marina, seria surpreendente se a corrida fosse
boa, pois não é de hoje que pilotos e equipes, além da imprensa especializada,
considera o belo autódromo de Abu Dhabi um esplendor visual e um pesadelo de
traçado, que incentiva corridas sem maiores disputas de posição. E este ano não
foi diferente.
Como se não bastasse
mais uma prova monótona para fechar o campeonato, a própria F-1 deu mostras, na
semana passada, de que vai ter problemas para se achar uma solução que ajude a
recuperar a sua popularidade. O Grupo de Estratégia vetou sumariamente a
proposta de adoção de motores alternativos para a categoria máxima do
automobilismo a partir de 2017. Com isso, os times continuam reféns das
montadoras Mercedes, Renault, Honda e Ferrari em termos de opções de motorização.
As empresas, claro, tentando fazer um meio-termo a fim de não serem acusadas de
nada fazer para favorecer a competição, se comprometeram a apresentar em
janeiro uma proposta de redução de custos a fim de tornar mais viável seu
fornecimento de motores. Acredite se quiser...
Pior de tudo é que
havia interessados em fornecer este motor mais barato para a F-1, com propostas
da Mecachrome, Ilmor, e a AER. O que pode ser considerado até um excelente
número, pois o pessoal do site especializado Grande Prêmio
(www.grandepremio.uol.com.br) chegou a fazer um levantamento com montadoras que
já passaram e/ou poderiam ter interesse em ingressar na F-1, produzindo as
atuais unidades de força descritas pelo regulamento técnico, e que resultou em
negativas de praticamente todos os contatados, algo extremamente preocupante no
que se refere ao interesse que estas grandes empresas do setor automotivo
poderiam ter pela categoria máxima do automobilismo.
Quem já esteve lá,
como Toyota, BMW, e Peugeot, simplesmente não tem a F-1 em seu leque de
interesses, preferindo centrar seus esforços em outros campeonatos. A marca
nipônica correu várias temporadas na década passada com time próprio,
enterrando milhões e milhões de dólares numa estrutura de ponta que nunca
conseguiu resultados à altura dos investimentos. E isso ainda foi feito numa
época onde os motores utilizados eram muito mais simples e produzidos com uma
tecnologia amplamente conhecida por todos. Com um investimento
consideravelmente menor, a Toyota já conseguiu ser campeã no Mundial de
Endurance, e embora tenha feito uma temporada ruim este ano, é lá que pretendem
ficar, onde há um regulamento e regras técnicas que no atual momento é o que
lhes agrada para competir. E a marca japonesa ainda confirmou que retornará ao
Mundial de Rali em 2017, mostrando que eles têm interesse em participar das
competições automobilísticas. Mas que não são a F-1. A BMW chegou a comprar a
equipe Sauber, mas pulou fora do barco após seu primeiro ano de vacas magras,
competindo na mesma época em que a Toyota também esteve por lá. O motivo mais
forte teria sido a crise mundial que assolou o mundo em 2008. Como a fábrica
bávara investia forte no certame, e também não conseguiu os resultados que
esperava, fora uma vitória isolada de Robert Kubica, consideraram a relação
custo/benefício não atrativa. Nada incomum eles preferirem ficar onde estão do
que gastar novamente rios de dinheiro na F-1 em fornecimento de motor que, caso
apresente problemas, não possa ser corrigido a contento, obrigando o fabricante
a se manter firme na competição mesmo apresentando resultados completamente
medíocres, a exemplo do que vimos acontecer com a Honda este ano.
Fábricas que até pouco tempo atrás competiam na F-1 hoje não querem nem ouvir falar da categoria, como a Toyota, que está feliz disputando o Mundial de Endurance. |
Com relação à Peugeot,
a marca francesa também não guarda boas lembranças de quando lá esteve, tendo
tido seus melhores resultados justamente em seu primeiro ano na competição, em
1994, equipando justamente a McLaren. Ron Dennis, porém, dispensou os franceses
logo após o primeiro ano para aceitar de mala e cuia os propulsores alemães da
Mercedes. Restou à marca francesa equipar times médios como Jordan e Prost, e
ver resultados apenas ocasionais, mesmo apresentando um excelente propulsor.
Eles preferem manter seus investimentos nas categorias off-road, cujo
custo-benefício lhes é muito conveniente. Ah, e ver como seus rivais históricos
da Renault andam apanhando nos últimos dois campeonatos com um projeto que se
revelou até agora muito pouco competitivo, apesar dos altíssimos investimentos,
só os ajuda a verem que o atual panorama técnico imposto pela F-1 definitivamente
não lhes agrada.
A Volkswagen até tinha
algum interesse em ingressar na categoria, mas um recente escândalo envolvendo
manipulação de dados de motores de vários de seus modelos de carros de rua
jogou a empresa alemã numa encrenca da qual precisará envolver todos os seus
recursos para corrigir a situação, para não falar no pagamento de multas
pesadíssimas. Então, por hora, o mais lógico e manter firme sua participação
nos campeonatos onde tem excelente performance, como o Mundial de Rali, cujo retorno
tem sido garantido nos últimos tempos. Não haverá tempo ou recursos para
desperdiçar com “aventuras” em outras paragens.
Cortejada há anos
pelos times da F-1, a Audi tem resistido ao canto da sereia que lhes é feito
insistentemente nos últimos tempos. Mas o enfoque das quatro argolas é se
manter firme no Mundial de Endurance, onde espera recuperar sua coroa perdida
em 2014 para a Toyota, e este ano para a Porsche. Mesmo com a adoção de motores
híbridos pela F-1, que é uma tecnologia conhecida e utilizada pela Audi na
Endurance, o interesse de entrar na competição não aumentou, ou cresceu de
forma apenas marginal. A verdade é que o Mundial de Endurance já fornece à
marca alemã todos os desafios que ela busca no campo das competições
automobilísticas, apresentando um regulamento sem as restrições que tem
praguejado na F-1 nos últimos tempos.
Realmente, dá para
acreditar que a F-1, teoricamente a categoria automobilística mais importante
do planeta, está sendo rejeitada sumariamente por várias montadoras de renome
mundial? Pois é a mais pura verdade. Podem dizer que sempre houve fábricas que
nunca tiveram interesse pela categoria, preferindo outras competições. Claro
que cada uma tem seus próprios projetos e objetivos, e a F-1 pode mesmo não ser
o foco adequado para eles investirem em busca destas metas. Mas é um sinal
extremamente claro de que o campeonato não gera por parte deles interesse
viável. E se isso chegar a acontecer com os fabricantes atuais? A Renault,
depois das críticas que levou de seus times, em especial da Red Bull, este ano,
devido à falta de performance de suas unidades de potência, poderia muito bem
pular fora da competição e deixar a F-1 chupando o dedo. Para sorte da FIA e de
Bernie Ecclestone, a empresa ainda tem interesse em manter-se na categoria,
mesmo com as opiniões contrárias de Carlos Ghosn de que o investimento na F-1 é
dispensável para os objetivos de fortalecimento da marca no mundo.
Há 15 anos atrás, a
F-1 foi tomada de assalto pelas montadoras, ávidas em marcar terreno e presença
na categoria. Tínhamos a Ford, BMW, Renault, Honda, Mercedes, Ferrari, e até a
Peugeot ainda estava por lá, fosse em parcerias oficiais ou semi-oficiais.
Parecia o sonho para a FIA e FOM. Hoje, a F-1 precisa fazer força para atrair
alguém, e ainda temos problemas sérios quando o assunto é arrumar
patrocinadores para sustentar essa gastança toda que a categoria necessita.
Basta ver a situação da McLaren, que está ficando literalmente sem apoios de
2014 para cá, e deve ficar com o carro ainda mais limpo em 2016. Ron Dennis,
lamentavelmente, se comporta como se ainda estivesse em tempos áureos da
economia mundial, onde patrocínios existiam aos montes, mas desde a crise
econômica de 2008, o pessoal ficou muito mais seletivo no que gastar, e o
automobilismo como um todo foi duramente afetado. Dennis continua exigindo
valores irreais para patrocínio do time inglês, e se continuar nessa toada, vai
ficar absolutamente sem nada.
Mesmo os times médios, que já tem valores
mais baixos a cobrar na hora de conseguir apoios, estão com dificuldades para
fechar seus pacotes. Vejam a Sauber, que nos últimos anos pouco conseguiu em
termos de patrocínios próprios, ficando a maioria deles sendo trazida por
pilotos pagantes, como a atual dupla titular, Felipe Nasr e Marcus Ericsson,
que contribuíram com a maioria do orçamento que o time teve disponível para o
campeonato, e que mesmo assim foi pouco, pois o carro praticamente não foi
desenvolvido quase durante o ano. Não é um problema restrito à F-1, mas pelos
seus custos mais altos, é a que sente mais os efeitos. E, com corridas sem
emoção, as audiências caem, e com os índices despencando, os times não tem
argumentos para manter os valores cobrados pelo patrocínio. E, é claro, as
empresas não vão aceitar pagar caro por um produto ruim.
Pior de tudo, ainda, são os excessos de
punições que a categoria anda aplicando. Em Abu Dhabi, Fernando
Alonso criticou a punição que recebeu por ter sido considerado culpado em toque
dado em Pastor
Maldonado, mas o espanhol havia sido tocado antes por Felipe
Nasr, o que deu origem à confusão. Foi um incidente de corrida, mas claro que
os fiscais, ávidos por marcar presença, tascaram uma punição no piloto da
McLaren. O público quer, acima de tudo, ver disputa na pista, e no
automobilismo, toques e empurrões são acontecimentos comuns. Os pilotos, por
sua vez, não são competidores de derbys de demolição, mas qualquer toque hoje
em dia, ou acontecimentos com potencial de acidentes, são motivos de punição
pelos fiscais. O público está de saco cheio disso, e a situação é ainda pior
quando se trata de punições por motivos técnicos, das quais o lance da medição
das temperaturas e pressão dos pneus são mais uma frescura à qual eles não
estão nem aí, que causou a desclassificação de Felipe Massa em Interlagos.
É preciso mudar uma
série de itens no regulamento da categoria para acabar com estas frescuras
todas, e principalmente, destravar os pontos do regulamento técnico que impedem
um melhor desenvolvimento dos monopostos, em especial as unidades de potência
híbridas. Bernie Ecclestone e Jean Todt, descontentes com a posição das
montadoras, que estão fazendo uso de sua posição de veto no Conselho
Estratégico, resolveram dar um basta nesta última quarta-feira, e com uma
“autorização” do Conselho Mundial de Automobilismo e da FIA, conseguiram carta
branca para propor uma série de mudanças sem precisar da concordância das
escuderias e montadoras. Na prática, eles terão o poder de impor as regras que
acharem necessárias para retomar o controle da competição, e em tese,
proporcionar as correções necessárias para que a F-1 volta a ser atrativa.
Isso pode ser bom, mas
também pode ser ruim. Muita gente considera que tanto Jean Todt, e
principalmente Bernie Ecclestone, apesar de toda uma vida dedicada ao
automobilismo, e de conhecerem a categoria como ninguém, tem uma visão arcaica
de certos aspectos que não ajudam em nada a F-1 a ficar mais agradável. Bernie,
por exemplo, é terminantemente contra o uso das redes sociais e da internet,
mais por birra de não ter como “controlar” o uso de material sobre a categoria,
do que por qualquer outra coisa, desprezando o alcance que a rede mundial de
computadores tem e sua atratividade especialmente sobre os jovens, que na
opinião do diretor da FOM, não tem dinheiro para comprar os produtos que a F-1
divulga, preferindo se cercar de velhos endinheirados que possam fazê-lo.
Talvez quando o momento for mais desesperador, Bernie resolva ceder, mas até
lá, podem apostar que ele vai se manter firme às suas preferências.
Jean Todt e Bernie Ecclestone acabam de "ganhar" carta branca da FIA para mudar as regras sem prestar contas às equipes e montadoras na F-1. Resta saber se tomarão as medidas certas e necessárias. |
De Jean Todt, basta
lembrar que, no período áureo de dominação da Ferrari na década passada, era
por ordem dele que os pilotos do time italiano nunca duelariam entre si na
pista, para garantir os interesses corporativos da escuderia, também por
política de Luca de Montezemolo. Com Michael Schumacher deitando e rolando, e
sem permitir que Rubens Barrichello pudesse disputar o título, Todt contribuiu
para eliminar uma disputa que poderia ter ajudado a deixar a competição mais
disputada. Não que Barrichello fosse ser melhor que Schumacher, mas poderia ter
feito corridas melhores, e ter dado graça a algumas etapas. Pelo contrário,
Todt foi o principal responsável por cenas deprimentes como a da Áustria de
2002, quando o piloto brasileiro foi forçado a entregar a vitória a Michael
Schumacher, depois de dominar todo o fim de semana, levando o time italiano a
ser vaiado na cerimônia do pódio e até na entrevista coletiva pouco depois.
Naquele ano, como em 2004, pela superioridade da Ferrari, praticamente não
houve competição, a ponto de Schumacher ter conseguido fechar a conquista do
título praticamente quase a meio campeonato de disputa apenas. Claro que isso
também contribuiu para corridas chatas e um campeonato dos mais previsíveis e
chatos. Por aí então, Todt vai ter de trabalhar muito para pagar seus pecados
passados e permitir que a F-1 recupere um pouco de seu espírito original. Até
porque, desde que assumiu a presidência da FIA, ele pouco fez pelo
desenvolvimento da categoria em si, tendo sido acusado de ser muito conivente
com os times grandes, e desdenhado das solicitações das escuderias menos
abastadas.
Há muito a ser feito
para trazer a F-1 de volta a seu bom caminho. Há muitos interesses envolvidos,
e mesmo que Bernie e Todt façam opção pelas medidas corretas que são necessárias,
as equipes e montadoras vão chiar à sua perda de poder, o que pode dar início a
uma bela queda de braço para ver quem fica e quem sai neste jogo. Espero que
todos cedam o necessário para se salvar a categoria como um todo, e não fiquem
em sua guerra de egos que nada de positivo irá trazer neste momento delicado
que a F-1 está vivendo. E é preciso lembrar que, quando todo mundo briga com
todo mundo, só há perdas, e a crise que a F-1 atravessa pode ficar ainda muito
pior. Para baixo, todo santo ajuda...
Então, que todos
consigam se unir para evitar o pior, e que consigam salvar a F-1 enquanto ainda
podem...
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