sexta-feira, 2 de março de 2012

LAVANDO A ROUPA SUJA


            O espanhol Jaime Alguerssuari mostrou nesta última semana como ficou entalada na garganta a sua demissão sumária da Toro Rosso no fim do ano passado, e disparou contra a Red Bull e sua política de apoio a pilotos, pra não mencionar Helmut Marko, homem forte da organização neste programa, e consultor da escuderia de F-1 das bebidas energéticas. O que o espanhol falou não é necessariamente nenhuma novidade, mas dá para ver que a Red Bull, que chegou à F-1 tencionando mostrar uma imagem diferente, tentando mostrar que não precisava ser como as outras escuderias, com seu clima de cobrança desenfreada, politicagens, etc, para fazer sucesso na categoria, acabou se rendendo ao clima nada amistoso e por vezes, antiético que costuma reinar nos bastidores do “circo”. Uma pena, infelizmente.
            Diria que o sucesso pode ter feito mal ao espírito diferente que a Red Bull dizia defender. Claro, dava para duvidar quando eles afirmavam que o esporte ainda fazia mais parte da motivação do que o lado “negócio”, e até poderíamos acreditar que, em 2010, haveria mesmo um clima de liberdade de competição no time, quando Mark Webber, em boa parte da temporada, parecia o mais provável campeão do ano que Sebastian Vettel, o queridinho da escuderia, e principalmente de Helmut Marko. E, por aí, pode até começar a surgirem hipóteses de que o time teria “podado” Mark Webber no ano passado, para que Vettel não tivesse oposição dentro do time, que assim dominou como quis a temporada. Mas o assunto aqui é mais sobre o tratamento que Alguerssuari diz que a Red Bull dá a seus pilotos, e isso, infelizmente, desfaz as esperanças de que o time poderia ter sucesso sem se “corromper” ao ambiente hostil, de rivalidades declaradas, falta de transparência, etc. Hoje, podemos dizer que infelizmente a F-1 dominou o ambiente na Red Bull.
            Na teoria, tudo parece interessante: um time “titular”, onde correm os melhores pilotos apoiados pela marca; e um time “satélite”, onde os novatos ganham a chance de poderem mostrar o que sabem, com vistas a serem promovidos ao time “titular” se mostrarem valer o prêmio. Até aí, nada a questionar. Poderia dizer que é a iniciativa mais louvável de todas, pois nenhum outro time tem tal desenvoltura exposta para promover seus talentos potenciais. Outras organizações, como a Mercedes, por exemplo, banca um de seus pilotos em outro time – no caso, Paul Di Resta, na Force Índia, onde fornece os motores ao time indiano; tática esta mais comum.
            Só que a realidade está mostrando que a Red Bull, na prática, está se esmerando em fazer fama também como “moedor de carne”, expressão muitas vezes usada para mostrar como a F-1, na maior parte de sua história, destruiu carreiras de pilotos promissores com politicagem, cobranças desmedidas, pressão extrema, entre outros artifícios. Não há segredo: são “apenas” 4 vagas, e a Red Bull tem um programa de apoio a diversos pilotos, e logicamente, não tem vaga para todo mundo. Muitos sabem que ficarão pelo caminho, e sabem que apenas alguns poucos conseguirão o “prêmio” maior, que é ser titular da equipe Red Bull, no momento a melhor equipe da categoria, ou pelo menos a que tem o melhor carro. É um jogo onde todos sabem o que está sendo disputado, e os riscos que envolvem a disputa. Eles sabem que não há garantias ao longo do caminho, e precisam dar tudo por tudo para serem os melhores. Mas, claro, mesmo nessa competição, por vezes, desumana, alguns critérios podem ser seguidos de forma a melhorar o ambiente sem desmerecer a situação, por mais que o automobilismo seja um esporte dos mais injustos, pois sempre haverá poucos vencedores para muitos competidores.
            Já considerei a maneira como a Toro Rosso despediu sua dupla de 2011 profundamente errado: o fez no final do ano, sem ter dado nenhum indício de que não tinha planos de contar com ambos para 2012. Isso os deixou sem opções para se lançarem no mercado. Sebastien Buemi ainda conseguiu se tornar piloto reserva da Red Bull, mas Alguerssuari ficou na mão. Claro que a Toro Rosso tinha o direito de demitir seus pilotos se não estava satisfeita com eles, mas poderia ter comunicado isso em momento mais adequado, como por exemplo outubro, de forma a lhes dar chance de conseguirem outro lugar para competirem. Uma forma de mostrar respeito por eles, após todo o apoio dado para chegar à F-1, e tentarem fazer o melhor. Descartá-los de um momento para o outro, sem maiores justificativas apenas indica que a Red Bull os lhes dá valor algum. As justificativas vieram depois, alegando que eles não mostraram nada de diferenciado, e que não eram bons o “suficiente” para correrem na Red Bull. Piorou a declaração de Helmut Marko, de que ele teria dito que apenas aqueles que vencessem com a Toro Rosso mostrariam estar à altura de conduzirem os carros da “matriz”. No que foi amplamente defendido por Franz Tost, chefe da equipe satélite.
            Marko citou o exemplo de Sebastian Vettel, que venceu o GP da Itália de 2008, e por isso, ganhou o direito de guiar a Red Bull a partir de 2009. E foi vice-campeão naquele ano, e bicampeão nos anos seguintes. E quem quiser ser considerado que siga o seu exemplo. Eis o bastante para Marko praticamente queimar quase todos os pilotos que a Red Bull tem sob contrato.
            Primeiro, um novo Vettel não surge assim tão fácil. Nada contra garimpar talentos como o do jovem alemão. Mas eles precisam compreender, ou pelo menos demonstrar saber, que isso é exceção, e não a regra. Ao exigirem de seus contratados algo que eles não têm condições de cumprir, estarão simplesmente jogando-os na fogueira sem direito às condições necessárias para sobreviverem. O carro da Toro Rosso em 2008 tinha desempenho melhor do que o da Red Bull, e em Monza, ele rendeu extraordinariamente bem, tanto que Sebastian Bourdais, o outro piloto do time, largou em 4° no grid, enquanto Vettel foi pole. Lógico, teve o talento de Vettel naquele show, mas seu carro lhe deu condições de efetuar este brilho. Por mais talentoso que seja um piloto, há alguns limites que sua máquina impõe, impedindo-o de conseguir resultados além de certo ponto, exceto quando ocorre algo inesperado. Não foi o ocorrido naquele GP da Itália, onde as condições de chuva foram iguais para todos, e não houve nada incomum na prova. O modelo STR03 já havia dado mostras de ser um excelente carro, tanto que Vettel conseguiu ir várias vezes ao Q3 nas qualificações. De lá para cá, contudo, o desempenho dos novos modelos da escuderia não conseguiu ter a mesma performance. E isso vale para o que se viu no ano passado, quando era extremamente difícil superar o trio principal da F-1 – leia-se Red Bull, McLaren e Ferrari, e ainda tendo a Mercedes, Renault e Force Índia como competidores mais fortes. E nem falei da Sauber.
            Se tivessem dito que tanto Buemi quanto Alguerssuari tinham obrigação de tentar bater os pilotos de Renault e Force Índia, e tentar incomodar os da Mercedes, seria algo mais plausível. Desafiar os ponteiros, impossível. Mesmo Vettel poderia não ter feito muito melhor do que ambos demonstraram em 2011, guiando a Toro Rosso. E olhe que Jaime e Sebastian fizeram boas corridas no ano passado. Só que, como o espanhol falou, mesmo fazendo algo bom, não se era elogiado, muito pelo contrário. E que não importava quantos pontos fizesse: só uma vitória seria considerada.
            Não é de hoje que Helmut Marko parece se achar mais importante do que de fato é. Sendo uma pessoa de confiança de Diretrich Mateschitz, proprietário da Red Bull, ele se sente no direito de fazer e desfazer com os pilotos, e já entrou em bate-boca com Mark Webber em 2010. Na ocasião, acabou levando um pequeno “puxão” de orelhas de Mateschitz, mas de lá para cá, isso parece não ter mais se repetido, de modo que as maiores críticas de Alguerssuari recaem sobre o consultor da organização rubro-taurina. A quase idolatria por Vettel parece deixar Marko cego de sua única vista, que para alguns já não é das melhores. E não seria surpresa Tost endossar a opinião defendida pelo consultor, afinal ele é um empregado da Red Bull, comandando a Toro Rosso, logo, tem de cantar conforme seu chefe manda, no caso, Marko.
            Apoiar vários pilotos em suas carreiras é algo louvável. Claro que sempre o objetivo é capitalizar com os dividendos que porventura se possa obter com tais pilotos. A seleção de talentos sempre procurará eliminar os mais lentos em favor dos mais rápidos. Essa é a regra. Saber que poderão deixar de contar com o apoio da marca em suas carreiras é algo que deve ser esperado normalmente, pois o funil seguirá cada vez mais estreito, conforme avançam de nível. Mas, pelo visto das declarações de Alguerssuari, os pilotos que tratem de esperar o inesperado ainda mais do que se praxe, pois pelo que deu a entender, todos eles são praticamente descartáveis, podendo ser rifados sem nenhuma condescendência ou aviso prévio. Sem conversas francas e pelo menos, honestas, do tipo “desculpe, mas você não está rendendo o que esperávamos, então...”, algo que só será esclarecido depois que o piloto sofrer um solene chute nos fundilhos, por melhor que tenha se esforçado e dado o melhor de si.
            A Red Bull poderia ter mostrado que podia fazer sucesso sem se entregar a este nível baixo de canibalismo ético e humano em seu projeto de F-1. Poderia trazer um frescor à uma F-1 onde tudo parece falso nas relações hoje em dia, com exceção de sentimentos negativos com inveja, e desconfiança. Ao lavar a roupa suja em sua declaração, Alguerssuari mostra que a Red Bull infelizmente perdeu esta luta, se é que algum dia ela existiu. O pior de tudo é que isso possivelmente não fará diferença nenhuma para a imagem da marca. Quem gosta não vai ligar, e com isso, a organização não verá necessidade nenhuma de mudar seus hábitos. E o mundo parece caminhar de mal a pior...

Nenhum comentário: