quarta-feira, 17 de abril de 2024

CARROS DA HISTÓRIA DA FÓRMULA 1 – ESTRÉIA

            Tentando variar um pouco alguns materiais que trago neste blog, inicio hoje uma série de matérias que ocasionalmente focará em alguns modelos de carros que fazem parte da história da Fórmula 1. Durante seus mais de 70 anos de existência, a F-1 viu diversos projetos competirem, ou tentarem competir, nos mais diversos GPs. Alguns projetos foram extremamente vitoriosos, outros, fracassos monumentais, e outros, apenas convencionais, produzindo alguns frutos, ou simplesmente dando dores de cabeça para seus times. E a história mostra que sempre houve mais fracassos do que sucessos na história do automobilismo, ainda que não possamos classificar de fracasso certos projetos, que só tiveram azar de competir com outros ainda melhores, enquanto alguns eram apenas ruins mesmo, ou medianos, dependendo da concorrência que enfrentavam.

            Por isso, na primeira matéria desta série, nada de um fracasso monumental, ou de um grande sucesso entre os projetos que já disputaram o campeonato da categoria máxima do automobilismo. Vamos ver um destes projetos “do meio”, que nasceu cercado de expectativas, mas não deu certo, embora não tenha dado tão errado como poderia, também, diante das circunstâncias: o modelo 101T produzido pela antiga Lotus, para a temporada de 1989. Uma boa leitura, e espero que apreciem o texto...

LOTUS 101T


 

Ficha Técnica

 

Equipe: Lotus

Modelo: 101T

Ano: 1989

Projetista: Frank Dernie

Desenhista: Mike Coughlan

Engenheiro-chefe: Tim Feast

Motor: Judd V-8 CV 90° 3,5 litros

Potência: 620 HPs

Peso: 500 Kg

 

A equipe Lotus era uma das mais tradicionais escuderias da história da Fórmula 1 até o final dos anos 1980, mas o time teve um comportamento instável durante aquela década. A equipe até ensaiou um retorno às lutas pelo título entre 1986 e 1987, com o brasileiro Ayrton Senna, mas não durou muito. E o modelo Lotus 101T foi o carro com o qual a equipe competiu na temporada de 1989. Era movido por um motor Judd V-8, e naquela temporada a escuderia fundada por Colin Chapman teve como pilotos o primeiro tricampeão mundial brasileiro na F-1, Nelson Piquet, e o japonês Satoru Nakajima, em sua terceira temporada com a equipe inglesa, por onde estreara em 1987, por influência da Honda, que passara a fornecer os motores do time.

A temporada de 1988 foi abaixo da crítica, devido aos vários problemas apresentados pelo modelo 100T, que culminou na demissão de seu projetista, Gerard Ducarouge, e a contratação de Frank Dernie, chefe de aerodinâmica da Williams, que já tinha trabalhado com Nélson Piquet na escuderia de Didicot, quando Nélson sagrou-se tricampeão. Como Dernie chegou à Lotus apenas por volta de novembro de 1988, ocupando a partir dali o cargo de Diretor Técnico e Projetista-chefe, boa parte do projeto do modelo 101T já estava sendo desenvolvido por chefe de desenho Mike Coughlan, de modo que coube a Dernie finalizar o projeto, dentro das possibilidades. E elas não pareciam muito otimistas.

A Lotus apostava que o modelo 101T seria leve e ágil para encarar seus rivais, mas os resultados ficaram aquém do esperado.


A Lotus havia perdido o motor Honda para 1989. Embora o plano dos japoneses já fosse de trabalhar apenas com a McLaren na nova era aspirada, teoricamente eles poderiam ter continuado com a Lotus, até porque o time tinha Piquet, que havia sido o primeiro campeão com motor Honda, e o brasileiro era valorizado pelos japoneses por essa conquista. Mas a fraca campanha de 1988 pôs tudo a perder, e para o ano seguinte, que inauguraria a nova era dos motores aspirados, a Lotus acabou virando cliente de John Judd, que era um dos novos fornecedores de motores da categoria máxima do automobilismo.

Só que a Lotus não pôde contar com os melhores motores produzidos pela Judd, os modelos EV V-8 76º, que seriam exclusivos da March naquele ano. A opção foi correr com os CV V-8 90º, que no ano anterior tinham equipado a Williams, e mostrado uma grande falta de fiabilidade e potência. Eram um equipamento satisfatório para times médios e pequenos, mas não para um time que visava vitórias e o título, mas não havia muito o que fazer. O motor possuía 8 cilindros em V, em ângulo de 90º, e potência estimada em cerca de 620 HPs, com cabeçotes de 4 válvulas por cilindro. Uma das novidades estéticas do bólido era sua tomada de ar para o motor, central, situada acima da cabeça do piloto, com um design bem arrojado, com o propósito de servir como um maximizador da condução do ar para o motor, tentando simular um “turbo natural”. Este tipo de entrada de ar já tinha sido visto no ano anterior, no modelo FW12 da Williams, mas o modelo da Lotus era mais alto e estreito, colaborando para o visual estreito do carro, que em tese, deveria sofrer menos resistência aerodinâmica em alta velocidade, produzindo menos arrasto.

O motor Judd V-8 modelo CV: falta de potência e de fiabilidade ajudaram a comprometer as expectativas para a temporada de 1989.

 

O uso do motor Judd permitiu que Frank Dernie e Mike Coughlan projetassem um carro menor e bem mais leve que seu antecessor, que em tese deveria ser bem ágil. Na verdade, o carro chegou a ser tão estreito que foi necessário construir um volante especial para permitir que os pilotos pudessem acomodar melhor as mãos dentro do cockpit. E, pensando em como poderiam obter algum tipo de vantagem, a escuderia firmou um acordo com a Tickford para desenvolvimento de um cabeçote especial de 5 válvulas por cilindro, que em teoria poderia proporcionar um incremento de até 50 HPs ao motor Judd CV, o que lhes permitiria voltar a brigar pelas primeiras posições por vitórias, e quem sabe, até o título, apesar da supremacia da McLaren/Honda na competição. Além disso, para agilizar o projeto do novo carro, que já estava atrasado, vários sistemas e componentes do modelo 100T foram aproveitados no novo 101T, na base de estudos de viabilidade, cujo maior qualidade era que, se não quebrava, era algo confiável, desde que não tivesse culpa no desempenho sofrível que o carro antigo teve na temporada de 1988, cujas falhas haviam sido bem identificadas àquela altura. E as lições que foram aprendidas deveriam servir de base para se evitar repetir os mesmos erros no novo carro para 1989. Na teoria, tudo parecia caminhar racionalmente bem.

Pela experiência que tivera quando trabalharam juntos na Williams, Piquet definiu que o 101T seria praticamente um “Fórmula Piquet”, já que confiava na capacidade de Dernie na área técnica. Porém, os recursos disponíveis na Lotus não eram os mesmos que Dernie podia dispor na Williams, e ele não conseguiu projetar o carro inteiramente como gostaria, tendo que se contentar em apenas finalizar o que a equipe já tinha começado a desenvolver junto a Mika Coughlan, e torcer para que o otimismo em relação ao novo projeto não fosse demasiado. Por isso, não foi exatamente surpresa que o otimismo inicial e a recepção favorável por parte da administração e do piloto logo evaporaram após os primeiros testes no início de 1989, pois o 101T provou não ser bom como eles esperavam. Não apenas os motores Judd versão cliente foram avaliados como muito fracos, debitando cerca de 620 HPs, numa expectativa de um déficit de cerca de 80 HPs para o motor Honda V-10 dominante usado pela McLaren, para não mencionar que os pneus Goodyear que a equipe estava usando tinham sido projetados principalmente para uso pelas equipes McLaren e Ferrari, que além de possuírem motores mais pesados e potentes (o que permitia um aquecimento mais rápido dos pneus), tinham mais recursos para poderem testar e ajustar seus chassis para interagirem ainda melhor com os compostos.

Na Austrália, debaixo de uma chuva torrencial, o melhor desempenho da carreira de Satoru Nakajima na F-1, com um 4º lugar e a volta mais rápida da corrida, na despedida da Lotus.

 

O novo modelo 101T era de fato bem mais rápido que o fracassado 100T. Só para comparação, Nélson Piquet havia largado no GP Brasil de 1988 na 5ª posição com o tempo de 1min30s087, e com o novo carro, em 1989, ele largou com o tempo de 1min27s437, só que na 9ª posição. Mas, Ayrton Senna, que marcou a pole nas duas provas, em 1988 e 1989, com McLaren/Honda, tinha feito o tempo de min28s096, e 1min25s302, respectivamente. Portanto, apesar de ser um chassi bem mais desenvolvido e evoluído que o fracassado modelo 100T de 1988, ainda assim o novo modelo 101T não conseguiu propiciar uma recuperação da Lotus entre as forças do grid, que melhoraram igualmente, e até se saindo melhor que o time inglês em vários momentos. E ficava difícil conseguir obter resultados significativos à medida que a temporada avançava.

A velocidade não era boa, devido à falta de potência do motor Judd frente aos propulsores mais fortes, como o Honda, Ferrari, e Renault, e até mesmo alguns Fords, dependendo do carro, e para piorar, a confiabilidade do carro também não era das melhores, com vários problemas mecânicos surgindo aqui e ali, ajudando a complicar uma situação já difícil, e os propulsores CV de John Judd também continuavam a perpetuar sua má fama de falta de confiabilidade, além da falta de potência já mencionada. A falta de potência do motor condenava o carro da Lotus em velocidade de reta, sendo muito mais lento que vários carros mais potentes, uma obviedade, mas por vezes chegando a serem superados por carros com outros motores V-8, o que não ajudava nas tentativas de ultrapassagem. Como desgraça pouca é bobagem, o projeto do cabeçote de 5 válvulas concebido pela Tickford para uso nos propulsores Judd revelou-se completamente infrutífero, pelo que o time voltou a usar a configuração tradicional dos motores V-8, mas tendo até ali perdido tempo e recursos que poderiam ter proporcionado melhores desenvolvimentos no chassi. Com vários azares em corridas, aliado à performance deficiente do carro, e problemas mecânicos aos montes, Nélson Piquet só foi conseguir seus primeiros pontos no GP do Canadá daquele ano, a sexta etapa da temporada, e ainda assim graças a vários abandonos na prova disputada debaixo de chuva em Montreal. Aos poucos, o carro ganhava confiabilidade, ainda que performance e velocidade fossem outros quinhentos. Ainda assim, o time começava a ganhar melhor desempenho frente aos concorrentes do segundo pelotão do grid.

No GP do Canadá, enfim os primeiros pontos da temporada com o novo carro, com um 4º lugar de Nélson Piquet.
 

A título de comparação, a melhor equipe com motores Judd, a March, que inclusive dispunha do melhor propulsor da fábrica, o modelo EV, bem mais potente, e mais estreito, graças à arquitetura de 76º nas bancadas de cilindros, foi ficando ainda mais para trás, mesmo em relação à Lotus, por enfrentar tantos ou até mais problemas que o time fundado por Colin Chapman. Visualmente, o modelo 101T só não era o bólido mais estreito do grid porque o modelo CG891 da March era ainda mais estreito, um projeto por demais arrojado de uma nova estrela das pranchetas da categoria chamado Adrian Newey, que padecia ainda mais de confiabilidade do que o carro da Lotus, que era pelo menos bem mais bonito, se é que isso servia de consolo.

Em Silverstone, Piquet fez sua melhor exibição na temporada, graças a uma corrida onde não parou para trocar pneus, mas justamente por isso, perdeu um pódio quando acabou superado a oito voltas do final por Alessandro Naninni, da Benetton/Ford, que tinha trocado de compostos e era bem mais veloz que o brasileiro àquela altura da prova. Piquet ainda regressaria aos pontos nas etapas da Alemanha e da Hungria, e aos poucos, ia colhendo seus pontos, começando a ter uma perspectiva um pouco mais otimista, ou talvez um pouco menos pessimista, para a segunda metade da temporada, embora muito longe ainda do que todos imaginavam estar no começo do ano. Mas a performance continuava capenga, e num fim de semana onde os azares se acumularam, a Lotus teve o desprazer de não se classificar por completo pela primeira vez na sua história, quando nem Piquet e Nakajima conseguiram tempo para alinhar no grid do GP da Bélgica de 1989, apesar dos esforços de ambos os pilotos.

Foi o fim da picada para os pilotos do time, que começaram a procurar alternativas para 1990. A Lotus só teria um breve refresco justamente nas duas provas finais da temporada, com Piquet a conseguir um bom 4º lugar no GP do Japão, e Satoru Nakajima fazendo a corrida de sua vida na F-1 ao repetir o mesmo 4º lugar no GP da Austrália, debaixo de uma chuva torrencial, onde caiu para último lugar, e veio se recuperando, evitando cometer erros no piso tremendamente molhado da pista urbana de Adelaide. Aliás, nesta corrida o piloto japonês também fez a volta mais rápida da prova, ajudando a Lotus a terminar o ano com algum otimismo para o ano seguinte. Foram 15 pontos obtidos pela escuderia naquele ano, e diante das adversidades enfrentadas, pode-se até dizer que não foi tão ruim. E certamente, muitas lições aprendidas que seriam úteis para tentar reerguer a escuderia em 1990.

Apesar de não contar mais com o motor Honda, a marca japonesa continuou apoiando Nakajima na Lotus em 1989.

        Esta pontuação fez a Lotus terminar a temporada de 1989 na 6ª colocação, e só faltou 1 ponto para igualar a 5ª colocada, a Tyrrel, que havia marcado 16 pontos, e tivera sorte de conseguir um quase improvável pódio naquele ano, mostrando que poderia ter ficado atrás da Lotus se tivesse um pouco mais de azar. Não foi exatamente um resultado ruim, se considerarmos que as quatro primeiras colocadas foram McLaren, Ferrari, Williams, e Benetton, todas equipes de fábrica, e com propulsores de primeira linha. Mas também não tão bom, se levarmos em conta a temporada anterior, onde mesmo com o problemático modelo 100T, ficaram em 4º lugar, com 23 pontos. Apesar dos avanços técnicos, diante de trabalhar com um equipamento inferior, o time andou para trás, no cômputo geral. As lições tiradas de 1989 serviriam para a Lotus ter melhor sorte no ano seguinte? Era o que todos tinham em mente na escuderia...

Mas a temporada de 1990 seria um ano muito diferente para o tradicional time inglês. Apesar da expectativa quanto ao uso do motor Lamborghini V-12, visto como uma opção mais competitiva que o Judd CV V-8, o time tinha perdido sua dupla de pilotos. Nélson Piquet se mudaria para a Benetton, onde tentaria recuperar seu prestígio na F-1, enquanto Nakajima iria se aventurar na Tyrrell. Caberia então à nova dupla de pilotos, Derek Warwick e Martin Donelly a tarefa de tentarem levantar a Lotus no grid, com um novo modelo, o 102T, mas isso é história para outra ocasião. E houve problemas financeiros, com vários patrocinadores a debandarem do time, ainda que tivessem mantido a Camel na escuderia, o que evitou uma perda ainda maior de recursos necessários para tentar recuperar a competitividade da equipe.

A temporada de 1989 foi o segundo prego no caixão que levaria a Lotus a encerrar suas atividades na competição alguns anos depois.

No GP da Alemanha, Nélson Piquet salvou alguns pontos, apesar da falta de potência do seu motor Judd nas longas retas de Hockenhein.

Problemas de fiabilidade e vários azares diversos comprometeram as chances de melhores resultados para a Lotus com seu modelo 101T na temporada de 1989.

O modelo 101T exposto junto a outros carros da história da Lotus.

No Japão, outro bom 4º lugar de Piquet, em seus últimos pontos pela Lotus na carreira.

 
A entrada de ar era elegante e tinha um design arrojado.

Em Silverstone, Piquet teve sua melhor performance na temporada, quase conseguindo levar o modelo 101T ao pódio, perdido para a Benetton de Alessandro Nanini nas voltas finais da prova, onde andou boa parte em 3º lugar.

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