quarta-feira, 19 de abril de 2023

A TRAJETÓRIA DOS CIRCUITOS DA FÓRMULA 1 – LONG BEACH

            Depois de uma longa ausência, é hora de voltar a falar um pouco dos circuitos que já receberam a Fórmula 1 durante estes mais de 70 anos de disputas. E, aproveitando o momento, a pista escolhida para este retorno deste tipo de matéria é o mais carismático palco que a categoria máxima do automobilismo já teve em se tratando de pistas de rua nos Estados Unidos: Long Beach! Curtam a matéria, e boa leitura a todos...

LONG BEACH


 

             Voltando com a série de matérias a respeito dos circuitos que já receberam corridas da Fórmula 1 ao longo de sua história, vamos hoje dar uma olhada naquele que é o circuito de rua mais famoso e popular dos Estados Unidos: Long Beach.

             Long Beach é uma cidade da zona metropolitana de Los Angeles, na Califórnia, distando cerca de 40 Km da capital do mais rico Estado dos Estados Unidos, e hoje é um destino turístico dos mais falados da Grande Los Angeles, sendo que uma das atrações é o navio Queen Mary, que há décadas está atracado no porto da cidade, tendo sido convertido em hotel e cassino, recebendo grande número de visitantes todos os anos. Mas Long Beach nem sempre foi tão badalada assim como é atualmente.

             Na verdade, em meados dos anos 1970, a cidade vivia um ar estagnado e decadente de região industrial que não ia para a frente, e logicamente, não tinha atrativos turísticos que a ajudassem a enfrentar o problema. Isso, até Chris Pook, um ex-agente de viagens, e apaixonado pelo automobilismo, ter a inspiração de criar, nos Estados Unidos, uma prova de rua inspirada no charme e glamour ostentado pelo Grande Prêmio de Mônaco de Fórmula 1. E o local escolhido para tentar essa empreitada foi justamente Long Beach. O local escolhido para montar um circuito urbano era próximo à marina da cidade, área na época pouco explorada, e que não seria difícil convencer a aceitar a proposta, com vistas ao sucesso de um potencial evento que colocasse Long Beach no mapa.

             Assim, em 1975, o circuito de rua foi apresentado, tendo como principal destaque o trecho em reta da Shoreline Drive, com um trecho de costas na Seaside Way, circundando o Centro de Convenções da cidade. O layout original, utilizado para o primeiro grande prêmio realizado na cidade, media cerca de 2,02 milhas e apresentava dois ganchos, um em cada extremidade da grande reta da Shoreline Drive. De destacar que, em seus primeiros anos (1975-1977), a linha de partida e linha de chegada estavam localizadas em um ponto diferente do circuito, na Ocean Boulevard. Entre 1978 e 1982, a linha de partida mudou para a Shoreline Drivelados diferentes do percurso. E a primeira corrida foi uma prova da Fórmula 5000 norte-americana, no dia 28 de setembro de 1975, corrida que foi vencida por Brian Redman, com um carro Lola/Chevrolet da equipe de Carl Hass. O evento atraiu um público de cerca de 30 mil pessoas, e se mostrou uma aposta certeira de Pook, que tratou logo de atrair nada menos do que a própria Fórmula 1 para correr na cidade, o que aconteceria no ano seguinte, de forma que a F-5000 disputou até hoje somente aquela corrida no circuito citadino do balneário californiano.

O traçado original de Long Beach em seus primeiros anos.

             No evento de 1976, agora chamado de Grande Prêmio Oeste dos Estados Unidos de F-1, que passaria a ser disputado no mês de abril nos anos vindouros, o público foi ainda maior, de mais de 45 mil pessoas, que viram o suíço Clay Regazzoni, com a Ferrari, se tornar o primeiro vencedor da corrida na F-1. Em 1977, foi a vez de Mario Andretti, ídolo nos Estados Unidos, vencer a prova, com a mítica Lotus, deixando a torcida enlouquecida.

             A versão original da pista urbana de Long Beach tinha diferenças em relação ao traçado atual. O percurso, por exemplo, era de 3,251 Km de extensão, com 13 curvas. Mas havia outra diferença crucial em relação aos dias atuais: o grid de largada, bem como a linha de chegada, eram localizados no trecho da avenida Ocean Boulevard, onde também ficavam os boxes originais da pista, um trecho que não é mais utilizado atualmente. Essas posições de partida e largada duraram de 1975 a 1977. Em 1978, o grid de largada passou a ser feito na Shoreline Drive, a avenida que faz a grande reta do circuito, posição que é mantida até hoje, mas a linha de chegada continuava a ser na Ocean Boulevard. O trecho da Shoreline Drive, aliás, era mais extenso que a configuração atual, já que a curva em hairpin no seu início era bem mais comprida nos seu laço interno, com os carros seguindo até um cruzamento da avenida, onde então entravam nela. Essa configuração durou de 1975 até 1981. Na F-1, Clay Regazzoni foi o primeiro pole-position, com o tempo de 1min23s099, com Ferrari 312T, e o primeiro vencedor da corrida. “Regga” também marcaria a volta mais rápida da prova, com o tempo de 1min23s076.

             Nessa configuração original, Nélson Piquet tem o recorde da pole-position, obtido em 1980, com Brabham BT49 Ford, com o tempo de 1min17s694, sendo que o brasileiro venceu a corrida e também fez a volta mais rápida, recorde da pista, com o tempo de 1min19s830. Para 1982, a pista foi modificada, ganhando mais extensão com a adição de alguns trechos e a eliminação de outros, passando a ter 15 curvas, com uma extensão total de 3,428 Km. Imediatamente antes da posição de largada foi criada uma grande curva na Shoreline Drive, quebrando a alta velocidade com que os carros desciam pela avenida. A linha de chegada e os boxes continuavam situados na Ocean Boulevard, do outro lado do circuito, mais dentro da cidade. A F-1 disputou apenas uma prova nesta configuração, com Andrea de Cesaris, da Alfa Romeo, conquistando a pole-position com a marca de 1min27s316. A vitória ficaria com Niki Lauda, da McLaren/Ford, que havia largado em 2º lugar, e ainda fez a volta mais rápida da prova, com 1min30s831.

Em 1978, a largada passou para a posição em que se encontra até hoje (acima). Em 1982, a pista ganhou uma curva imediatamente antes da posição do grid (abaixo).


             Em 1983, Long Beach teria mudanças novamente na sua pista. O trecho da Ocean Boulevard foi retirado, com a Seaside Way passando a ser a nova reta oposta do circuito. Os boxes passaram então para a área interna da Shoreline Drive, junto à posição de largada, que passou a ser também a posição de chegada da corrida. O novo traçado ficou com uma extensão de 3,275 Km. Na classificação, a Ferrari dominou, com Patrick Tambay levando a pole-position da nova configuração de pista, com o tempo de 1min26s117. Seria o último ano em que Long Beach veria os carros da F-1 correrem em seu circuito. O inglês John Watson, da McLaren/Ford, foi o último vencedor da prova, em uma atuação magistral, tendo saído da 22ª posição para vencer a corrida, em uma dobradinha do time inglês, que teve Niki Lauda terminando em 2º lugar, após largar em 23º. Lauda, aliás, marcou a volta mais rápida, com o tempo de min28s330.

A última configuração utilizada pela F-1 já trazia os boxes na posição em que se encontram até hoje.

            Mas os custos da prova, e as taxas de promoção da corrida de F-1, estavam crescendo cada vez mais. Bernie Ecclestone, já à frente da FOCA, e gestor da área comercial da categoria máxima do automobilismo, queria valores maiores para que Long Beach continuasse recebendo a F-1, e na época, a a logística de transporte para a cidade da Califórnia já a colocava em desvantagem, de modo que o futuro do GP ficou em risco. Apesar do sucesso das corridas realizadas até então, os lucros sempre foram pequenos, em comparação com o retorno publicitário e de fama para a cidade, e as contas precisavam fechar, de modo que ter um evento deficitário estava fora de cogitação, mas ao mesmo tempo, não dava para simplesmente acabar com o evento, que à época já era um dos grandes atrativos de Long Beach, e que estava ajudando na recuperação da cidade, tanto economicamente quanto em termos de imagem. Mas, se não dava para manter a F-1, eis que a CART, que gerenciava o campeonato da Fórmula Indy, surgiu como uma excelente opção de substituição para a manutenção da corrida. Pook fechou negócio com a categoria de monopostos norte-americana, muito mais acessível e barata do que a F-1, mas capaz de entregar o mesmo show da rival europeia, se não até melhor. E os carros da categoria máxima do automobilismo nunca mais voltariam ao balneário californiano.

             A opção pela F-Indy provou-se mais do que acertada. Manteve-se a corrida, com custos muito menores para a organização da prova, e para a cidade de Long Beach, que cada vez mais foi capitalizando com a fama adquirida pela corrida, que dentro do que se propôs, tornou-se realmente uma “Mônaco” dos Estados Unidos. Tanto que Long Beach se tornou a mais longeva corrida de rua dos Estados Unidos, sendo disputada ininterruptamente até hoje, com exceção unicamente de 2020, devido aos problemas da pandemia da Covid-19, que fez com que a corrida fosse cancelada. A prova retornou em 2021, encerrando a temporada da Indycar naquele ano, o que viabilizou o retorno da prova, diante das condições de segurança necessárias por causa do coronavírus.

             De cidade com a economia estagnada e sem atrativos, Long Beach se tornou um balneário extremamente popular, conhecido não apenas na Califórnia, mas em todo os Estados Unidos, e até no exterior, graças às corridas realizadas em suas ruas, primeiro com a F-1, que abriu o caminho, mas cuja fama e sucesso tornaram-se definitivos com a antiga F-Indy. Ainda nos tempos das provas de F-1, a Toyota assumiu como patrocinadora master do evento, em 1980, e manteve-se nessa posição, mesmo quando a corrida mudou para o campeonato da F-Indy, e posteriormente, a IRL/Indycar, encerrando essa relação apenas em 2019, num dos contratos de publicidade mais longevos da história do esporte.

             Com relação ao circuito urbano, ele passou novamente por mudanças já em 1984, quando recebeu a primeira corrida da F-Indy. Foi retirada a curva antes da posição de largada na Shoreline Drive, e a curva do Hairpin que dá acesso ao trecho de reta dessa avenida foi encurtada. O novo traçado passou a ter uma extensão de 2,687 Km. Essa configuração durou até 1986, e em 1987, algumas mudanças sutis foram feitas entre o trecho da Pine Avenue e a Seaside Way, mantendo a extensão da pista em 2,687 Km. Em 1992, a seção da curva Micheloob foi ligada diretamente à Seaside Way, criando um trecho maior de reta oposta, oferecendo melhor ponto de ultrapassagem na reta oposta, com o circuito passando a ter uma extensão de 2,533 Km, que foi usado até 1998.

            Em 1999, devido a novas construções na área do circuito, o conjunto de curvas da curva um foi removido e substituído pelo novo complexo de fontes. A curva um, que seguia para a direita, agora se tornou uma curva à esquerda de 90 graus, levando a uma rotatória em torno de uma fonte e uma série de três curvas de 90 graus. Com isso, a extensão da pista passou para 2,935 Km. Um ano depois, esse segmento foi revisado novamente, para criar uma reta mais longa que passou a levar diretamente à Pine Avenue, através da nova Curva Tecate. A extensão do circuito cresceu, passando a ser de 3,167 Km. Este layout do circuito permanece intacto hoje. Em 2015 e 2016, foi criada uma versão menor da pista, com cerca de 2,1 Km, que foi usada exclusivamente para as duas provas da Formula-E disputadas no local.

As mudanças que a pista de Long Beach passou após deixar o campeonato da F-1: 1984 a 1986 (acima). 1987 a 1991 (abaixo).


Traçado de 1992 a 1998 (acima), e o de 1999 (abaixo).


Traçado atual, usado desde 2000.

             Em fins da década passada, Long Beach até flertou com a possibilidade de contar novamente com a presença da F-1, uma vez que a administração da categoria agora está a cargo da Liberty Media, um grupo dos Estados Unidos, e que tem o objetivo de popularizar a categoria máxima do automobilismo nas terras do Tio Sam. Novamente, os custos maiores da F-1 fizeram com que a opção fosse manter o circuito no calendário da Indycar, onde está até hoje. Já a F-1, por outro lado, seguiu seu projeto de se expandir em território estadunidense, onde terá nada menos do que 3 GPs na atual temporada: no Circuito das Américas, em Austin (Texas); em Miami (circuito de rua); e retornando a Las Vegas (novo circuito de rua).

             Aliás, mesmo sem a F-1, Long Beach vai muito bem com sua corrida, sendo que a prova deste ano contou com cerca de 192 mil torcedores presentes no fim de semana do GP, que contou também com a realização da etapa válida pelo IMSA Weather Tech Sportscar, uma das várias categoria que disputam corridas na pista urbana da cidade californiana. Outros certames, como a Indy Lights, o Road To Indy, Super Trucks, e outras categoria menores, já disputaram provas de seus campeonatos no circuito de rua da cidade californiana ao longo das últimas décadas.

             Foi em Long Beach que Nélson Piquet conquistou, em 1980, sua primeira vitória no campeonato de F-1 e, coincidentemente, foi também na mesma corrida que Émerson Fittipaldi subiu pela última vez ao pódio na categoria máxima do automobilismo, numa passagem de bastão que se anunciava, com o bicampeão abandonando a competição ao fim daquele ano. Foi o único triunfo de um piloto brasileiro na pista na F-1. Curiosamente, alguns anos depois, Émerson voltou a competir em Long Beach, quando reiniciou sua carreira de piloto agora na F-Indy, tornando-se um dos grandes nomes da categoria de monopostos norte-americana.

             Na F-Indy, apesar do sucesso de Émerson Fittipaldi e dos pilotos brasileiros, apenas em 2001 o GP viu um piloto do Brasil no degrau mais alto do pódio, com Hélio Castro Neves, que conquistava ali a primeira e única vitória brasileira nas categorias Indy no circuito, defendendo a Penske. Novos triunfos tupiniquins em Long Beach viriam em 2009, com Gil de Ferran, pela categoria da American Le Mans Series; Nelsinho Piquet em 2015, seguido por Lucas Di Grassi em 2016, pela Formula-E; e com Pipo Derani e Felipe Nasr em 2021, pelo IMSA Weather Tech Sportscar, o campeonato de endurance dos Estados Unidos. Nas categorias de acesso, os brasileiros ainda contam triunfos em 1997, com Hélio Castro Neves; e 1998, com Cristiano da Matta, pela Indy Lights; e de Raphael Matos em 2007, pelo Road To Indy.

             Mario Andretti é o único piloto a vencer em Long Beach em provas válidas tanto pela F-1 quanto pela F-Indy. Michael, filho de Mario, tem uma curiosidade interessante em relação a Long Beach: foi naquela pista que ele obteve sua primeira vitória na F-Indy, quando venceu a edição de 1986, e foi lá também que ele obteve sua última vitória como piloto, quando venceu a corrida de 2002. O recordista de triunfos na pista californiana é Al Unser Jr., com seis triunfos.

             Nas categorias Indy, reunindo F-Indy e Indycar/IRL, a Penske é a equipe com mais vitórias em Long Beach, com 7 triunfos. Empatados, com 6 vitórias, temos a Ganassi, Newmann/Hass e a Andretti, sendo esta última a equipe vencedora da prova deste ano, com seu piloto Kyle Kirkwood. A Andretti, aliás, foi o destaque da corrida deste ano: Romain Grosjean fez dobradinha no pódio com Kirkwood, em 2º lugar, e Colton Herta fechou a prova na 4º colocação.

             Em 20 de abril 2008, Long Beach sediou a última corrida da história da F-Indy, que encerrou suas atividades, e seus membros remanescentes passaram para o campeonato da rival Indy Racing League, que no mesmo dia disputou a etapa de Motegi, no Japão. A prova foi vencida por Will Power, da equipe KV. A partir de 2009, agora integrando o campeonato da IRL (atual Indycar), a prova teve seu primeiro vencedor na nova categoria com Dario Franchiti, da Ganassi.

             Long Beach provou que não precisa da F-1 para seguir adiante, sendo a corrida de rua mais famosa e badalada de todo o continente americano, o que não é pouca coisa. Claro que seria interessante ver os carros da categoria máxima do automobilismo competirem de novo na pista, mas o foco atual da F-1 visa palcos muito mais estrelados, e mesmo o grande sucesso que Long Beach possui, de história e tradição de competições do esporte a motor, não parece seduzir a turma da FIA ou a Liberty Media. Azar o deles, e dos torcedores, também, mas não dá para se ter tudo. E, pelo menos com as categoria que lá já correm atualmente, Long Beach está mais do que bem servida em termos de competição do mundo do esporte a motor. Vida longa a Long Beach!!!

IMAGENS DE LONG BEACH:

A F-5000 estreou a pista de Long Beach em 1975 (acima), e no ano seguinte, a F-1 também estrearia no circuito californiano (abaixo).


 
Material de divulgação do GP de Long Beach: a estréia da F-Indy em 1984 (acima); e o GP de F-1 de 1977 (abaixo).


O IMSA Weather Tech Sportscar é uma das categorias que competem na pista de Long Beach (acima), que já sediou até provas da Formula-E em duas ocasiões (abaixo).


Em 1980, Nélson Piquet largou na pole (acima) e venceu a corrida, sua primeira vitória na F-1, comemorada com a presença de Émerson Fittipaldi, em seu último pódio na categoria (abaixo).

Mario Andretti venceu em Long Beach tanto pela F-1, com a Lotus (acima), quanto pela F-Indy, com a Newmann-Hass (abaixo).

A Indycar sucedeu a F-Indy original e manteve Long Beach no seu calendário, com a prova sendo realizada até hoje.

Nenhum comentário: