Depois de dois anos de ausência, eis que a Fórmula 1 está de volta ao Japão, e no circuito de Suzuka, uma das pistas mais espetaculares do calendário da categoria, com um traçado técnico e seletivo que desafia equipes e pilotos. Felizmente, a pandemia da Covid-19 começa a ceder de forma mais firme, embora alguns países ainda enfrentem um número de casos que inspire cuidados. Mas, graças à vacinação, a vida está voltando ao normal, e podemos sonhar com dias melhores, e o retorno da rotina pré-pandemia. Para o Japão, contudo, as normas de acesso ao país continuaram sendo extremamente rígidas, e só recentemente o país se reabriu para o turismo, ainda que de forma muito tímida, e que só a partir da semana que vem, de acordo com os anúncios feitos pelo governo nipônico, as restrições de entrada deverão ser mais flexibilizadas, de modo a permitir a entrada de turistas com muito menos regras sanitárias.
Tal fechamento, contudo, teve consequências sérias na economia japonesa, em especial o setor hoteleiro, que perdeu 10% de sua capacidade, devido ao fechamento quase completo do país à entrada de estrangeiros devido à pandemia do coronavírus. Todo o setor de turismo japonês tenta agora esperar por dias melhores para se recuperar com a volta do público estrangeiro, que em 2019, antes da pandemia, fez com que o país recebesse quase 32 milhões de visitantes. O fim das restrições também permitiu a volta dos eventos esportivos internacionais, como a MotoGP, que retornou a Motegi na semana passada, e agora temos a volta da F-1 ao palco icônico de Suzuka, ao lado de Nagoya, uma das mais vibrantes metrópoles do arquipélago japonês, e que está comemorando 60 anos de existência.
Projetado pelo holandês John Hans Hugenholtz, que também fez o desenho original da pista de Zandvoort, a pista de Suzuka foi inaugurada em 1962, e tinha uma extensão de 6,004 Km. Mesmo com a participação da Honda na F-1 nos anos 1960, apenas na década seguinte a categoria máxima do automobilismo aportaria nas terras do Sol Nascente, e ainda assim, não fez isso na pista da região de Aichi, mas em Fuji, outro circuito, mais próximo de Tóquio, e ao lado da montanha-símbolo do país, o Monte Fuji. Foram apenas duas provas, em 1976, e 1977, sendo que a prova de 76 decidiu o título da temporada, a favor de James Hunt, da McLaren, contra Niki Lauda, da Ferrari. O Japão só voltaria ao calendário praticamente uma década depois, agora sim na pista de Suzuka, devido ao grande sucesso da Honda naquela década, obtendo vitórias com os carros da Williams, e naquele ano, também com a Lotus.
Circuito de propriedade da própria Honda, a marca japonesa teve bons motivos para comemorar na estréia de sua pista no mundial, com a conquista do título de pilotos por parte do brasileiro Nélson Piquet, então defendendo o time de Frank Williams, um momento histórico para os torcedores brasileiros, por terem um piloto que entrava para a seleta galeria dos tricampeões mundiais da F-1, já que Nélson já era bicampeão. Foi o seu último título na categoria, mas se iniciava ali a lenda de Ayrton Senna, que com a McLaren, conquistaria nos anos seguintes, e sempre em Suzuka, também três títulos mundiais, passando a ser um ídolo para os fãs japoneses da velocidade, e um piloto muito admirado e respeitado pela Honda. Foram cinco títulos consecutivos obtidos pelos japoneses em Suzuka, entre 1987 e 1991. Piquet faturou o de 1987, com Senna vencendo os campeonatos de 1988, 1990, e 1991. Alain Prost fechou a conquista de 1989 nesta pista, também pela McLaren. Um momento de grande orgulho para a Honda, e para o torcedor japonês. Foi também neste circuito que, em 1990, pela primeira vez um piloto japonês subiu ao pódio em uma prova da F-1, façanha que coube a Aguri Suzuki, então piloto da equipe Larrousse. Naquele ano, aliás, tivemos a última dobradinha 1-2 de pilotos brasileiros na F-1, com Nélson Piquet vencendo a corrida, com Roberto Moreno terminando a corrida em 2º lugar. Um resultado que nunca mais se repetiu, e que dificilmente será visto, uma vez que já há algumas temporadas, o Brasil nem mais tem um piloto competindo na categoria máxima do automobilismo.
Este será o 36º Grande Prêmio do Japão, sendo que até hoje a pista de Suzuka sediou, com a prova deste domingo, 32 edições da corrida, sendo outras quatro provas realizadas na pista de Fuji, que além das etapas de 1976 e 1977, sediou também as corridas de 2007 e 2008. Além destas corridas, em 1994 e 1995, o Japão também sediou mais duas corridas de F-1, o intitulado Grande Prêmio do Pacífico, no circuito de Ainda, em Okayama, totalizando 38 provas da categoria máxima do automobilismo em solo japonês, incluída a corrida deste domingo. Em fins dos anos 1990, a Honda inauguraria o Twin Ring Motegi, um complexo automobilístico situado ao norte de Tóquio, e se especulou na época que a prova de F-1 poderia ser transferida para lá, o que felizmente nunca aconteceu. O complexo de Motegi tem um circuito misto que poderia receber a categoria máxima do automobilismo, mas a pista de Suzuka é muito melhor em todos os aspectos, de modo que Motegi até hoje limitou-se a receber as provas da antiga F-Indy na pista oval, uma da Indy Racing League no circuito misto, e tem como grande destaque atual a MotoGP, que corre em seu traçado misto.
Os dados da pista de Suzuka (acima). Yuki Tsunoda (abaixo) corre pela primeira vez em seu país na F-1, e é o destaque do fim de semana para a torcida nipônica.
No início dos anos 1990, aliás, a F-1 tinha virado uma verdadeira febre no Japão, devido ao grande sucesso da Honda na categoria, e ao sucesso de Ayrton Senna. A ponto de os ingressos para o GP em Suzuka serem sorteados entre os compradores, já que nada menos do que um milhão de pessoas se candidatavam para ir ver o GP. Esse sucesso também motivou a entrada de muitas outras empresas japonesas na F-1. Entre elas, tivemos a Yamaha, tradicional rival da Honda no mercado de motos, mas que não teve o mesmo sucesso na categoria máxima do automobilismo. Empresas como Leyton House e Footwork, por exemplo, além de patrocinadoras, se tornaram até proprietárias de times já estabelecidos na categoria na época, no caso, as equipes March e Arrows, respectivamente. Claro que nem tudo na área deu certo na área. Houve o projeto de um megautódromo do grupo Autopolis, que chegou até a patrocinar a Benetton, mas que faliu sem conseguir sequer iniciar a empreitada. Reveses financeiros também levaram a Leyton House à falência, e a Footwork também se retirou da categoria, para nunca mais voltar até hoje. Aliás, alguns anos atrás, cruzei com um caminhão da empresa Footwork quando estava no Japão, quando já nem lembrava mais do nome da empresa, que existe até hoje, e atua no setor de logística no país nipônico.
Hoje, os tempos são outros, e apesar da imensa procura, já não se precisa de sorteio para se conseguir os ingressos, com a capacidade atual do autódromo sendo de cerca de 155 mil pessoas. O número de empresas nipônicas que apostam na F-1 também se reduziu drasticamente, e até mesmo a Honda, em que pese ser a patrocinadora oficial da prova, ela não teve como comemorar em casa a conquista do título do ano passado por Max Verstappen, que deu à marca nipônica seu primeiro título desde a conquista de Ayrton Senna em 1991, ou seja, 30 anos depois da última conquista, por causa das restrições da pandemia da Covid-19. Mas pretende tirar o atraso na dição deste ano, uma vez que o atual campeão mundial tem boas chances de conquistar aqui o bicampeonato mundial, dada a sua grande vantagem na classificação. Apesar da Honda ter deixado oficialmente a F-1 no fim do ano passado, a marca japonesa continua presente na categoria, com suas unidades de potência sendo atualmente desenvolvidas pela Red Bull Powertrains, empresa montada pela equipe austríaca para cuidar dos propulsores, que ainda são produzidos pela Honda no Japão.
Nélson Piquet (acima) e Ayrton Senna (abaixo) foram campeões com a Honda na pista de Suzuka, nas temporadas de 1987, 1988, 1990, e 1991.
Aliás, o atual sucesso da Red Bull, em conquistar novamente o título da categoria, já faz a Honda se mexer para voltar oficialmente à categoria, onde até a corrida de Singapura tudo o que se tinha era o logotipo HRC (Honda Racing Corporation) nos carros da Red Bull, indicando a participação na produção das unidades de potência. Tanto que, já a partir dos treinos de hoje, a Honda volta a ostentar seu logo nos carros na Red Bull e da Aphatauri, não apenas na etapa do Japão, mas também nas etapas restantes do calendário. E a cúpula da Red Bull esteve na sede da Honda esta semana, para tratar da parceria entre ambas, não apenas em relação ao presente momento da F-1, mas também em relação a partir da temporada de 2026, quando estrearão a novas regras técnicas de motores da competição. Vale lembrar que a Honda já manteve-se presente na F-1 de forma semi-oficial, em épocas passadas, mesmo não participando oficialmente da categoria, através da Mugen, uma empresa subsidiária da marca, que forneceu os propulsores a diversos times na década de 1990.
O traçado de Suzuka atualmente conta com uma extensão de 5,807 Km. Algumas curvas tiveram ligeiras modificações, além da introdução de uma chicane na aproximação da reta dos boxes, procurando aumentar a segurança da pista, que tem alguns trechos bem velozes, com áreas de escape pequenas para a velocidade com que os carros passam. Há quem critique o traçado justamente pelas áreas de escape serem pequenas, alegando falta de segurança no circuito, o que é um exagero. A pista apenas impõe respeito, e erros geralmente de pilotos que saem do traçado custam caro. Atualmente, as áreas de brita possuem uma camada que impede que os carros atolem facilmente, embora por outro lado também sejam menos eficazes na redução de velocidade de quem escapa do traçado, que tem vários pontos com asfalto circundante, que ajuda os pilotos no controle do carro quando perdem o rumo. A pista de Suzuka possui um traçado extremamente seletivo, com várias curvas que exigem um bom acerto no primeiro setor do traçado, onde o equilíbrio é essencial, sem comprometer o segundo setor, bem mais veloz, onde os carros atingem altas velocidades. E onde o braço do piloto no trecho sinuoso também conta muito. O treino de classificação é importante, porque ultrapassar não é tão fácil em Suzuka, já que as melhores chances se concentram no trecho de alta velocidade após a curva Spoon, até chegar na 130R, a curva mais veloz da pista. E Suzuka é a única pista do campeonato que passa por cima dela mesma, em seu formato que lembra um “S”, e nem é preciso mencionar que os pilotos adoram esta pista, justamente por seu estilo “old age”, com várias curvas de alta, e não trechos travados de acelera-e-freia que empesteiam outros circuitos mais novos mundo afora. O desafio para se achar o melhor ajuste, e acertar a pilotagem do carro, motivam os pilotos, além é claro, do apoio da torcida japonesa, que manifesta seus preferências pelos pilotos na pista, com destaque, na edição deste ano, para Yuki Tsunoda, o piloto “da casa”, que corre pela primeira vez em Suzuka na F-1, e tem seu momento de grande estrela, sendo reconhecido pelos fãs da velocidade onde quer que vá, desde que chegou aqui no início da semana, vindo de Singapura.
A chuva deu o ar da graça nesta sexta-feira em Suzuka (acima), e Mick Schumacher conseguiu dar mais prejuízo para seu time, a Haas, ao bater forte novamente com seu carro (abaixo).
E o fim de semana começou complicado. Os treinos de hoje foram debaixo de chuva, e pelo menos, o pessoal foi para a pista, experimentando os acertos de pista molhada e os dois tipos de pneus, intermediários e de chuva pesada. Para o sábado, a previsão é de tempo seco, mas no domingo, existe a chance de voltar a chover. Por isso mesmo, os tempos obtidos hoje na pista não são muito representativos, com Fernando Alonso marcando o melhor tempo no primeiro treino, com a Alpine, e George Russell tendo a melhor marca do segundo treino. A menção negativa do treino ficou com Mick Schumacher, que conseguiu a façanha de bater com o carro, depois do encerramento do primeiro treino livre, quando deveria voltar para os boxes em velocidade reduzida, e perdeu o controle de seu bólido, batendo até forte, a ponto de a Haas não ter tido como reparar o carro a tempo do segundo treino livre, podendo ter comprometido a integridade do chassi, e nem preciso mencionar que, a esta altura do campeonato, a situação de Mick no time é cada vez mais débil, dando claros sinais de que seu tempo no time, e talvez na própria F-1, está se esgotando. Como desgraça pouca é bobagem, as outras batidas do filho de Michael Schumacher, em Jeddah, e em Mônaco, este ano, foram tremendamente custosas para as finanças da escuderia de Gene Haas, resultando em perdas totais dos carros, em um ano onde o time está com o orçamento contado, depois de ficar sem o patrocínio da empresa russa do pai de Nikita Mazepin, diante da guerra desvairada promovida por Vladimir Putin contra a Ucrânia.
E será que Max Verstappen comemora enfim o bicampeonato? As chances são grandes, e depende unicamente da Ferrari tentar impedir isso. O holandês teve uma corrida complicada em Marina Bay, e o time de Maranello, em que pese ter ido ao pódio com seus dois pilotos, não capitalizou tudo o que podia com o azar do adversário. Será que terá melhor sorte em Suzuka? Vamos ver a partir deste sábado se Charles LeClerc e Carlos Sainz Jr. poderão dizer algo a respeito...
Três pilotos brasileiros venceram o Grande Prêmio do Japão na história da corrida. E todos os triunfos foram na pista de Suzuka. Ayrton Senna venceu a prova nas temporadas de 1988 e 1993, com a McLaren. Nélson Piquet venceu a corrida na edição de 1990, pela Benetton. E Rubens Barrichello, com a Ferrari, venceu em 2003. O maior vencedor da corrida é o alemão Michael Schumacher, que venceu aqui em 1995, 1997, 2000, 2001, 2002, e 2004. Dentre os pilotos atuais, Sebastian Vettel tem 4 vitórias, empatado com Lewis Hamilton, pelo menos em Suzuka, sendo que o heptacampeão venceu a etapa de 2007, mas na pista de Fuji. Fernando Alonso tem duas vitórias, mas apenas uma em Suzuka, sendo a outra em Fuji, em 2008. Valtteri Bottas foi o último vencedor deste GP, em 2019, quando defendia a Mercedes.
Há dez anos atrás, os japoneses ficaram eufóricos em Suzuka, quando Kamui Kobayashi, então na Sauber (atual Alfa Romeo) terminou a corrida em um excelente 3º lugar, subindo ao pódio no GP de casa, repetindo o feito de Aguri Suzuki na prova de 1990. Sebastian Vettel venceu a corrida, com Felipe Massa em 2º lugar. Apesar do resultado, Kamui não conseguiu manter seu lugar na escuderia, e nem na F-1, para a temporada seguinte, indo competir em outras categorias, como o Mundial de Endurance. Foi também o último pódio de um piloto japonês na categoria máxima do automobilismo, sendo que de 2013 a 2020 o Japão não teve nenhum piloto no grid, até a entrada de Yuki Tsunoda no ano passado pela Alphatauri, cujo melhor resultado até agora foi um 4º lugar em Abu Dhabi, prova que encerrou a temporada do ano passado.
A última vez que Suzuka viu uma decisão de título foi em 2011. Sebastian Vettel, que disputa neste final de semana seu último GP do Japão, já que vai se aposentar da competição, então defendendo a Red Bull, chegou ao bicampeonato, conquistado matematicamente na pista japonesa com um 3º lugar, numa corrida que foi vencida por Jenson Button, com a McLaren, e que teve Fernando Alonso, da Ferrari, em 2º lugar. O campeão de 2009 terminaria o ano como vice-campeão. Assim como neste ano, a F-1 ainda disputaria mais 4 provas naquele ano, Coréia do Sul, Índia, Abu Dhabi, e Brasil. Hoje, depois do Japão, a F-1 ainda vai correr nos Estados Unidos, México, e também Brasil e Abu Dhabi.
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