Neste momento de fim de ano, nada
como trazer outro de meus antigos textos, e coincidentemente, esta coluna que
trago hoje foi a última do ano de 1999, e seu assunto foi um dos temas mais
discutidos naquele ano na temporada da F-1, que foi a estréia da mais nova
escuderia da categoria máxima do automobilismo, a BAR, sigla para British
American Racing, uma escuderia formada em fins de 1998, e que havia assumido a
posição da Tyrrel, tradicional escuderia que dava seus últimos suspiros na F-1.
O time havia prometido mundos e fundos, mas no final, não entregou nem uma
coisa nem outra, tendo terminado o ano em último lugar, sendo o maior fracasso
da temporada, até mais do que a atuação de Alessandro Zanardi naquele ano. De
fato, entrar na F-1 já não era coisa fácil, mas querer ter sucesso logo de
cara, foi pedir milagre. O sucesso nunca veio, pelo menos não ao que havia sido
prometido, e aos poucos, todos os nomes presentes da temporada inicial da escuderia
foram sendo escorraçados um a um.
Curiosamente, o time só foi alcançar
sucesso quando mudou de dono. A Honda adquiriu o time, e apesar de duas
temporadas horríveis em 2007 e 2008, obteve em 2006 uma vitória com Jenson
Button. Com a saída da Honda, a escuderia foi repassada a Ross Brawn, que fez
uma temporada de sonho em 2009, alcançando o título com Jenson Button. Logo a
seguir, o time foi vendido para a Mercedes, que a partir de 2014, iniciou o
período de maior domínio de uma escuderia na história da F-1, encerrado apenas
neste ano. Engraçado como algumas escuderias tem trajetórias curiosas. O time
que hoje é a Mercedes começou como Tyrrel, virou BAR, e depois Honda, passando
por Brawn, e finalmente Mercedes, que apesar do nome, não é a mesma equipe Mercedes
que havia participado da F-1 nos anos 1950. Confiram a coluna, e boa leitura a
todos...
LATE, MAS NÃO MORDE
Nesta
última coluna do ano, faço uma pequena dissertação sobre aquele que pode ser
considerado, ao lado da péssima temporada do italiano Alessandro Zanardi, como
a grande decepção do campeonato de Fórmula 1 de 1999: a estréia da nova equipe
BAR (British American Racing).
Criada
ainda em 1998, com a aquisição do time de Ken Tyrrel, o novo time manteve o
nome da antiga escuderia, marcando apenas presença no certame do ano passado, e
prometendo vôos altos para esta temporada, quando faria sua estréia na
categoria, e em grande e alto estilo, bradava aos 4 ventos. Motivos não
faltavam: com a participação da empresa British American Tobacco, uma das
maiores empresas do ramo de cigarros, dinheiro não faltaria. No campo técnico,
teriam os motores Renault, via Supertec, que apesar de não serem mais os
melhores propulsores disponíveis, ainda eram unidades respeitáveis, e que
teriam desenvolvimento pago pelo time, que contaria também com toda a estrutura
da Reynard, uma das mais conceituadas e famosas fabricantes de carros de
competição monopostos do mundo. E, no campo dos pilotos, a escuderia contaria
com Jacques Villeneuve, campeão mundial de 1997, e com o talento reconhecido de
Ricardo Zonta, que chegaria à F-1 em um time que teria, na teoria, condições de
mostrar todo o seu potencial.
Craig
Pollock, um dos principais criadores do projeto, falava pelos cotovelos sobre
os planos da escuderia. A empolgação até era justificável, pois realmente
tinha, no papel, todos os elementos necessários para fazer uma estréia decente
na categoria máxima do automobilismo, que todos sabem ser mais complicada do
que se imagina. Basta lembrar das estréias da Jordan e da Stewart, em 1991 e
1997, que apesar de bem planejadas, e com orçamentos razoáveis, até fizeram
bonito, mas tiveram ao mesmo tempo inúmeras dificuldades. Esperava-se, na
prática, que a nova equipe BAR também tivesse sua cota de problemas a serem
vencidos.
Qualquer
time estreante teria um pouco mais de bom senso na hora de prometer mundos e
fundos na estréia na F-1. Não foi o que se viu com o novo time. Para começar,
uma idéia até boa, a de querer pintar seus carros com marcas de patrocinadores
diferentes, logo bateu de frente com os estatutos conservadores da categoria
máxima do automobilismo, que logo de cara proibiram a idéia do novo time, que é
usada sem cerimônia na F-CART, que não faz restrições quanto a um mesmo time
correr com carros utilizando pinturas diferentes para cada piloto. Por pior que
sejam os motivos de bastidores que motivaram a proibição, além do artigo do
regulamento que veta tal iniciativa, a reação de Pollock & Cia., de querer
contestar e apresentar recurso contra a FIA, já pegou mal. A entidade não gosta
quando os times bancam os rebeldes, e já cansamos de ver situações parecidas
nos últimos anos. Se a FIA nunca se deixou intimidar por apelações de times já
estabelecidos e até campeões na categoria, imagine a “audácia” apresentado por
um time estreante.
No
fim, a BAR teve de ceder, sob a ameaça de não ter sua inscrição regularizada
pela entidade que comanda o automobilismo mundial. Achou-se uma solução
razoável para mostrar as duas marcas nos carros ao mesmo tempo, e não se falou
mais no assunto. Agora, era apenas esperar o campeonato começar, e ver do que o
novo time, que aliás não conseguia empolgar muito nos testes da pré-temporada,
poderia mostrar. Testes são testes, e existe sempre aqueles que tentam esconder
um pouco do que são capazes, preferindo guardar seus segredos. Poderia ser uma
estratégia plausível, mostrar um desempenho apenas mediano, para depois meter
tempo na concorrência, enquanto outros times, precisando de grana, fazem
exatamente o oposto: brilham nos testes, tentando chamar patrocinadores
potenciais, e depois, quando o campeonato começa, despencam nos grids e nas
corridas, sem conseguir mostrar o mesmo ritmo.
Não
foi o caso da nova escuderia. Ainda nas apresentações, todos falavam em
vitórias, e por que não, até disputar o título? Todo mundo queria que isso
acontecesse, afinal, os duelos ficarem restritos a Ferrari e McLaren não ajudam
muito na empolgação do campeonato, e quanto mais gente brigando na frente,
melhor. Mas nem conseguir disputar os pontos o novo time mostrou ser capaz. As
posições de largada nunca foram boas, com raras exceções, e mesmo nestes casos,
a fiabilidade dos carros se mostrou horrorosa. Jacques Villeneuve, que
conseguiu as melhores posições de largada do time, um 5º lugar em San Marino, e um 6º em
Barcelona, só foi conseguir terminar finalmente uma corrida na Bélgica, após
abandonar as 11 primeiras corridas do ano. Na Itália, o canadense conseguiu sua
melhor classificação nas poucas provas que conseguiu terminar, ficando em um
modesto 8º lugar.
Para
Ricardo Zonta, a situação foi ainda mais complicada. Sem conseguir alcançar o
mesmo desempenho de seu companheiro de equipe, o brasileiro ainda teve um forte
acidente em Interlagos, que lhe ocasionou um ferimento no pé que o deixou fora
de 4 corridas, Brasil incluída. Nas 3 provas seguintes, foi substituído pelo
finlandês Mika Salo, que não conseguiu mostrar grande coisa com o carro, embora
tenha conseguido, em Ímola, o melhor resultado de chegada do time em todo o
ano, ao cruzar a linha de chegada em 7º lugar. Quando Zonta retornou, os
resultados não melhoraram, e o brasileiro teve apenas um 10º lugar no grid como
melhor qualificação, e um 8º lugar em Nurburgring como resultado de chegada.
Tal qual Villeneuve, Ricardo passou a maior parte das corridas voltando a pé
para os boxes do que guiando o carro, vítima também da falta de fiabilidade.
De
positivo, a se constar a resistência do chassi, que foi posto à prova na
Bélgica, onde tanto Zonta quanto Villeneuve sofreram fortes acidentes, e
escaparam ilesos e ainda disputaram a corrida, embora sem conseguir, como de
hábito, ter uma prova satisfatória. Com o objetivo de melhorar e obter
resultados a qualquer custo, todo o esforço de desenvolvimento e primazia foram
focados em Jacques
Villeneuve, o principal piloto do time, o que foi deixando
Zonta meio que largado à própria sorte. Mas a situação no time era tão
estapafúrdica, que mesmo este esforço concentrado não produziu resultados, e o
time terminou o ano na última posição do campeonato de construtores, perdendo
até mesmo para a Minardi, que conseguiu marcar um ponto com um 6º lugar obtido
no GP da Europa, em Nurburgring.
Ao
fim do ano, todo mundo saiu com a reputação arranhada pelo péssimo ano de
estréia. Algo que seria considerado até normal, não fosse a prepotência
exacerbada da direção do time, e os fartos recursos que dispunha para iniciar a
competição, que eram de dar inveja à grande maioria dos times da categoria.
Ficou claro que o principal problema foi gerenciar e coordenar o uso dos
recursos à disposição. Se é verdade que sem dinheiro não se consegue obter
sucesso na F-1, o exemplo da BAR mostrou, acima de tudo, que apenas dinheiro e
recursos também não são garantia de sucesso. Faltou à escuderia elementos-chave
que conseguissem unir os esforços e apontar a direção certa a seguir.
Villeneuve poderia ter sido este líder, e na pista, até que foi, mas no
gerenciamento extra-pista, não havia o que o canadense pudesse fazer.
Na
ânsia de mostrar do que era capaz, o novo time andou caçando profissionais em
todas as escuderias já estabelecidas, oferecendo salários mais altos e, por
dizer, “melhores condições de trabalho e reconhecimento”. A julgar pelos
resultados, se a idéia era atrair os melhores talentos disponíveis, o tiro saiu
pela culatra, pois ninguém conseguiu dar um rumo coerente às atividades não
apenas gerenciais, mas também aos setores técnicos da equipe. Nem Adrian
Reynard, cuja reputação de construção de carros de competição era excelente,
escapou ileso, ainda mais quando sua fábrica, teoricamente à parte da área
técnica da escuderia, poderia ter colaborado de forma mais efetiva para a
evolução técnica dos carros, além de melhorar a fiabilidade, que foi um
problema crônico durante todo o ano.
Não
fosse a BAT ser proprietária do time, o projeto da escuderia para o próximo ano
estaria seriamente comprometido em termos de batalha por patrocinadores, depois
dos resultados abaixo do esperado no primeiro ano de competição na F-1. O time,
graças aos recursos abundantes, já conseguiu dar o primeiro passo para melhorar
sua apresentação em 2000: terá os motores da Honda, que são melhores do que os
Renault Supertec. Com a reorganização da área de engenharia, e também na área
administrativa, e se souberem aprender com os muitos erros cometidos este ano,
a BAR tem chance de enfim fazer uma participação decente na categoria. A pompa
e os exageros já não existem mais, sinal de que a direção do time caiu na real,
e procura andar com os pés mais no chão, vendo que as dificuldades de competir
a fundo na F-1 são mais complexas e difíceis do que se esperava. Basicamente,
eles lateram muito, mas não morderam, parafraseando o ditado popular com o qual
dei o título desta coluna.
Jacques
Villeneuve e Ricardo Zonta com certeza terão um ano muito melhor para mostrar
do que são capazes no próximo ano. Os dois pilotos, aliás, foram quem menos
culpa tiveram pelo mau desempenho da escuderia em seu ano de estréia, tendo
lutado como podiam para superar a falta de competitividade do modelo BAR 001,
que poucas vezes ofereceu a seus pilotos um andamento decente, ficando as
melhores performances obtidas unicamente aos esforços do talentoso Villeneuve,
e que mesmo assim apenas em raras ocasiões conseguiu andar de maneira razoável
em algumas provas.
Se,
ao contrário das expectativas, a BAR continuar andando do meio do pelotão para
trás, além da decepção de todos que acreditaram no seu projeto, poderá
adicionar-se também a indignação e desprezo pelo fato de que, para estrear na
F-1, tenha sido necessário sacrificar um time com história e carisma na
categoria, a Tyrrel, que embora já andasse longe de seus melhores dias, tinha
todo o direito de continuar existindo e ainda competindo na F-1.
A
ridícula regra inventada pela FIA de restringir o número de participantes do
campeonato de F-1 já fez sua primeira vítima, com o fim da Tyrrel. Ou a BAR
mostra a que veio, ou irá passar para a história da categoria máxima como uma
nota de rodapé descartável dos anais do automobilismo...