A F-1 enfim terá o seu mais longo calendário da história, com 23 corridas em 2022.
E a Fórmula 1 divulgou
o seu calendário de 2022, e com o número de 23 corridas a serem disputadas,
como era previsto para este ano, e acabou ficando com “apenas” 22. E, se a
temporada deste ano ainda acabou remendada em parte por conta da pandemia da
Covid-19, a expectativa é que o mundo esteja mais “normal” em 2022, e tudo
possa ocorrer conforme o previsto, sem remendos para tapar buracos. Compartilho
da esperança de que o mundo esteja de fato de volta à normalidade, com a
imunização mostrando seus efeitos, e que o maior número de pessoas possa de
fato recuperar o seu dia-a-dia de antes da pandemia. Já com relação ao elevado
número de corridas, fico um pouco receoso da meta estipulada.
Uma meta que, diga-se de passagem, pode aumentar ainda mais, pois ouço comentários de que o calendário pode ir para 25 provas, enquanto alguns, mais radicais, ou “otimistas em demasia”, falam em até 30 corridas por ano. E quem critica tantos GPs com direito a receber a resposta atravessada de que “se não está bom, que caia fora”. Não é que não está bom, mas é preciso haver bom senso.
Não sou contra corridas, muito pelo contrário. Sou um entusiasta do automobilismo, e acompanho vários campeonatos, e como não tenho como escrever sobre todos eles, mantenho meu foco na F-1, com destaque para a Indycar, MotoGP, Formula-E, e um pouco do endurance. Impossível acompanhar tudo e conseguir dissertar sobre todos os certames. E se algumas categorias possuem corridas de menos, algumas podem acabar tendo corridas demais.
A própria F-1 parece se dividir sobre o tema. A maioria acha que o calendário inchado será prejudicial ao certame, enquanto alguns poucos estão achando bom o aumento do número de corridas. Muitos “fãs” falam que pode vir mais GPs, que piloto só trabalha mesmo em fim de semana de GP, e coisas assim. Não é por aí que as coisas vão. Ou eles acham que os pilotos não fazem nada fora dos GPs? E os demais integrantes das escuderias, que providenciam aos pilotos os meios para eles competirem? Muitos “entendidos” também chegam a dizer que eles só trabalham nos GPs. Nada mais falso.
A rotina de uma escuderia de F-1 é intensa. O que vemos em um fim de semana de GP é apenas a ponta do enorme iceberg de serviço que todos os integrantes cumprem para que o time possa dar o máximo e o melhor de si nos três dias de atividades de pista de um fim de semana de grande Prêmio. Muitos esquecem que os integrantes costumam chegar no local do GP já na segunda-feira, quando é uma corrida fora da Europa (ou até antes, dependendo da necessidade), ou no máximo na terça-feira, em GPs no Velho Continente (quando muito, na quarta-feira, e olhe lá). É preciso montar os boxes, desempacotar os equipamentos, checar conexões de informações, etc, além claro, de montar os carros.
Muitos insistem em mencionar que a Nascar tem um calendário ainda maior de corridas, mas esquecem sempre da enorme diferença que a stock car dos Estados Unidos tem em comparação com a F-1. A primeira diferença é que eles correm apenas em um país, e no máximo, disputam alguma corrida no México ou no Canadá, que são países vizinhos. São distâncias que a F-1 só iguala quando corre na Europa, enquanto para as demais corridas é necessário efetuar um enorme deslocamento via aérea de todos os funcionários, e do equipamento, que é muito maior e complexo do que o utilizado pela Nascar, cujos carros de competição são muito mais simples do que os da F-1. A estrutura de competição é enorme, e gerenciar toda essa gama de equipamentos é muitíssimo mais complicado. Se os times da F-1 contam por vezes com cerca de 60 integrantes viajando para um fim de semana de GP, isso por vezes é o total de uma equipe inteira da Nascar.
A China (acima) não estará presente na F-1 em 2022, que assistirá à estréia do GP de Miami (abaixo) no calendário.
Para piorar, parte do calendário está mal formulado. Temos as duas primeiras corridas da temporada, Bahrein e Arábia Saudita, bem encadeadas, com o pessoal fazendo praticamente uma viagem só ao Oriente Médio, para duas corridas em fins de semana consecutivos. Mas, depois, é seguir para a Austrália, dali a duas semanas, e duas semanas depois, retornar à Europa, com a etapa em Ímola. Só que, novamente, depois tem de ir para o outro lado do Oceano Atlântico, para o novo GP de Miami, que estreará no calendário. E toca todo mundo de volta para o Velho Continente, para pelo menos três corridas por lá. Mas, novamente, em um toque de “gênio”, apenas uma semana separa a prova do Azerbaijão da corrida do Canadá, de novo na América, numa correria que só não é pior porque a corrida seguinte, de volta à Europa, em Silverstone, é duas semanas depois do GP em Montreal.
Julho tem um pouco de “calmaria”, mas não tanto: afinal, serão 4 corridas no mês, deixando o pessoal cansado, e necessitando mais do que nunca das férias de verão em agosto, com o retorno ocorrendo apenas na Bélgica, no dia 28 de agosto. Mas aí, o ritmo volta a ser frenético, seguindo-se as provas da Holanda, Itália e Rússia, antes da F-1 viajar novamente ao Extremo Oriente, para as corridas de Singapura e do Japão, que ao menos agrega a viagem em um turno só. Depois, vamos novamente para a América do Norte, com as provas dos Estados Unidos (Austin) e do México. Um pulo aqui na América do Sul, para o GP de São Paulo (ou Brasil, se preferirem). E depois, voltam todos para o Oriente Médio, para o encerramento em Abu Dhabi. Uma rotina pra lá de estressante no que tange a viagens. Quem nunca encarou uma viagem de avião de mais de 10 horas não sabe como algumas pessoas podem ser sensíveis ao jet lag decorrente da diferença de fusos horários, o que isso acarreta no corpo. Há aqueles que não sentem praticamente nada, e entram logo no ritmo do serviço nos locais de GP, mas tem alguns que demoram um pouco mais para se ajustar, ou o fazem quebrando o galho do jeito que podem. E serviço não falta.
Engana-se quem pensa que na Europa as coisas são mais fáceis, pelo fato de os times estarem próximos de suas fábricas, e contarem com seus motor homes. Muito pelo contrário. Se antigamente os motor homes eram apenas ônibus adaptados para as necessidades de cada escuderia, hoje estes veículos só servem para transporte mesmo. Os motor homes hoje em nada lembram os de antigamente. São estruturas até colossais, dependendo da escuderia, e necessitam ser montados e desmontados a cada GP. E o fato da corrida seguinte ser já no próximo final de semana torna tudo ainda mais corrido: é preciso desmontar tudo em tempo recorde, e remontar tudo no paddock do próximo circuito. Se os times contam com pessoas “extras” para esse serviço, não quer dizer que mecânicos e engenheiros fiquem menos atarefados. Se nada ocorreu de anormal no GP, mesmo assim cada carro é revisado e checado, para analisar sua condição, com detalhismo extremo. Agora, se aconteceu algo anormal, como uma batida, ou quebra de componente, o trabalho é dobrado, ou até triplicado ou quadruplicado. A Red Bull, por exemplo, teve um grande trabalho no carro acidentado de Max Verstappen em Silverstone, a ponto de sua unidade de potência precisar ser revisada pela Honda para verificar se ela ainda estava apta a ser utilizada. E o restante do bólido não escapou de passar por uma conferência e análise completa, para ver quais componentes ficaram ilesos ao violento impacto, e os que precisaram ser consertados ou totalmente substituídos.
Nas fábricas, o ritmo sempre é intenso, e em fim de semana de GP, fica ainda mais carregado. Quando vocês veem aquelas imagens de vários integrantes olhando para seus computadores dentro do box, eles estão conectados diretamente com os setores de engenharia da fábrica, em tempo real, com todos os dados oriundos dos carros sendo apresentados e analisados em tempo real. A cada saída de pista, todos os dados são reunidos e quem está na sede da escuderia tem todas as informações em tempo real dos carros no circuito, estudando com afinco cada detalhe que é coletado pelos sensores dos monopostos. Um trabalho que pode ser muito estressante, especialmente mentalmente, pela pressão da competição envolvida, onde cada detalhe conta, e cada minuto idem.
A etapa do México vem a reboque da etapa dos Estados Unidos em Austin, o que facilita o deslocamento do circo da F-1 para ambas as corridas.
Uma maneira de se
penalizar um pouco menos seria racionalizar melhor o calendário, de eliminar
algumas incongruências. Um exemplo seria transferir o GP da Austrália para o
segundo semestre, para junto das provas de Singapura e do Japão, de modo que a
F-1 faria uma única viagem ao extremo oriente, deslocando-se pelos três países
em uma única turnê por aquele lado do mundo. Igualmente falando, o GP do Canadá
poderia ser também realocado, de forma a ser realizado junto às provas dos
Estados Unidos e do México, agregando também a nova corrida de Miami. Aliás,
antigamente, a prova canadense era disputada junto às etapas do México e dos
EUA, quando estas últimas também eram realizadas em junho. E, claro, as etapas
do Bahrein e da Arábia Saudita poderiam ser feitas próximas à corrida de Abu
Dhabi. Isso ao menos deixaria as viagens de longa distância mais racionais, o
que diminuiria o desgaste de todo o pessoal envolvido nos deslocamentos para os
GPs.
Mas, obviamente, tal solução, apesar de óbvia, e muito mais prática, tem lá seus problemas para ser viabilizada. Datas de provas não dependem apenas da vontade da FIA e da F-1, mas dos muitos interesses dos promotores, e até dos países onde cada evento é realizado. E aí a coisa empaca mais do que mula teimosa. Abu Dhabi, por exemplo, paga uma taxa extra para fechar o campeonato, e não abre mão de ser a última corrida. E a Liberty Media não vai querer perder essa renda extra. Datas disponíveis também podem ser complicadas, pois alguns autódromos tem seu cronograma de atividades, e já se programam de acordo, enquanto em outros GPs, os governos que bancam as provas têm suas preferências de datas e outros detalhes. Lógico que com negociação se poderia ajeitar isso, e superar as adversidades, deixando corridas próximas localizadas junto com as outras. Mas aí, pode rolar também outro problema: corridas muito perto e muito próximas, o que poderia reduzir o interesse pelos GPs.
E aí que podemos ter o que se chama de “banalização” da F-1. O que deveria ser um grande momento do esporte, por ser aguardado por muitos para sua realização, vira algo comum, que pode ter o seu interesse diminuído, e todas as corridas perderem o seu atrativo. É um risco maior de ocorrer em países onde o automobilismo não tem muita tradição, ou a condição econômica de boa parte do povo não permite gastar com os custos altos de entradas para uma corrida. Imaginemos que juntando perto as provas do Bahrein, Arábia Saudita e Abu Dhabi, e por estarem muito próximas, o público potencial resolve escolher apenas uma corrida para assistir, já que terão 3 corridas perto uma da outra? Separadas, as provas podem se revelar mais atrativas, já que outra corrida pelos arredores vai demorar mais a acontecer. É algo em que o risco é menor na Europa, que tem uma cultura de automobilismo muito mais forte, e os GPs geralmente estão sempre cheios, com raras exceções. Mas, em um contexto geral de campeonato, mais provas também podem levar a menos interesse individual pelos GPs.
Façamos uma comparação: como ficaria a Copa do Mundo de futebol, se fosse realizada todos os anos? O interesse da competição poderia minguar? Na minha opinião, perderia o seu brilho, pois viraria mais um campeonato de futebol dentre tantos outros por aí, e olhe que já andam cogitando fazer a copa ser disputada de dois em dois anos. Mas isso pode virar um tiro no pé, pelo excesso de realizações do torneio, que carrega o título de ser a maior competição de futebol do mundo, entre nações. A avidez por lucros cada vez maiores pode saturar a competição, e os atletas têm seus limites. O esforço despendido em uma partida necessita de um repouso, que se não for feito adequadamente, pode comprometer a saúde do atleta, e por tabela, o seu rendimento. E até mesmo o futebol, conhecido por ser o esporte mais popular do planeta, enfrenta queda de interesse quando há um grande número de partidas nos campeonatos, raciocínio que também pode afetar a F-1, que já teve problemas, e ainda tem, em cativar um novo público.
As corridas no extremo oriente estão de volta em 2022, como Japão e Singapura (acima), depois de dois anos de ausência por causa da pandemia da Covid-19.
Grandes Prêmios em
demasia poderia fazer com que perdessem o status de “Grande Prêmio”, sendo
tratadas como provas mais comuns. Como chamar atenção para algo que se denomina
ser um evento especial, se está acontecendo um a toda hora? E ainda temos as
implicações técnicas, com os limites de equipamentos impostos a ferro e fogo
pela FIA, com limites esdrúxulos de componentes (sim, nada mais exemplar do que
ter apenas 3 unidades de potência para usar em um campeonato tão longo assim)
que só servem para prejudicar a competição, se não forem um pouco
flexibilizados. E, com o teto orçamentário que todos os times devem obedecer a
partir deste ano, reposição de peças e desgaste dos equipamentos vão pesar mais
do que nunca, com os mesmos tendo que durar mais para evitar maiores gastos.
Mais corridas implicam em mais gastos. Equipamentos, transporte, hospedagem,
tudo isso entra na conta.
A temporada 2022 vai ser uma verdadeira maratona. Quais as consequências que isso irá trazer para todos os competidores, e os profissionais que cobrem a competição, só veremos no próximo ano. Melhor todo mundo caprichar na preparação física e mental, porque em alguns momentos vai ser mesmo pesado, menos para quem assiste pela TV ou no streaming da categoria, que pode achar o máximo ter tantas corridas, sem ligar para o esforço dispendido por quem tem que fazer o show acontecer, dentro e fora das pistas...
O Grande Prêmio de Miami, planejado há alguns anos, finalmente vai fazer sua estréia no Mundial de F-1 em 2022, e com isso, os Estados Unidos serão, ao lado da Itália, os únicos países com dois GPs disputados em seu território. A Itália também terá duas corridas, com o GP tradicional, em Monza, e o GP da Emilia-Romagna, na pista de Ímola. Para os portugueses e turcos, a infelicidade de saber que suas corridas não retornam no calendário de 2022, depois de fazerem parte da competição em 2020 e 2021. O Qatar, que estréia este ano na F-1, já tem sua volta agendada ao calendário em 2023, indicando um possível aumento para 24 provas naquele ano, ou a perda de um GP para dar lugar à prova em Losail. E a China, ausente dos dois últimos campeonatos devido à pandemia da Covid-19, está realmente fora da temporada de 2022. E não é de se admirar, afinal China e Estados Unidos andam se estranhando ultimamente, devido às posições ditatoriais tomadas pelo governo de Pequim, e como a F-1 é gerenciada por um grupo dos Estados Unidos, o Liberty Media, é bem provável que o GP em Shanghai tão cedo não retorne à categoria máxima do automobilismo...
Depois da MotoGP, agora é a F-1 que viaja para o outro lado do Atlântico para as corridas no continente americano, começando pelo GP dos Estados Unidos neste final de semana no Circuito das Américas, em Austin. Depois temos México, no dia 7 de novembro, e uma semana depois, aqui no Brasil. Hora de comemorar, mas ainda com precaução, pois a pandemia ainda não acabou.
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