E aconteceu, enfim. Lewis Hamilton conquistou domingo passado, na Turquia, o seu sétimo título mundial, tornando-se o maior piloto da história da Fórmula 1, em termos estatísticos, pois embora tenha apenas “equiparado” os sete títulos outrora conquistados por Michael Schumacher, o piloto inglês já deixou o alemão para trás no número de vitórias na categoria máxima do automobilismo. E, se forem mantidas a atual relação de forças para 2021, apesar dos times utilizarem os mesmos carros com os quais competiram este ano, mesmo com algumas atualizações permitidas, Hamilton já é candidato disparado para conquistar o oitavo título, deixando Schumacher definitivamente para trás. Um feito e tanto, e que não deve ser desprezado, como muitos tem feito questão de fazer, em relação às conquistas do inglês da equipe Mercedes, especialmente pelo fato de ter à sua disposição o melhor carro da competição.
E nada melhor para contrariar essa turma toda que acha que Lewis não é o fenômeno que é, do que ver como ele conquistou seu sétimo título, em uma corrida onde, desde o início, tudo indicava que a Mercedes poderia ser mera figurante pela primeira vez na temporada atual. O recapeamento do circuito de Istambul Park, feito apenas duas semanas antes, pegou não apenas as escuderias, como a própria fornecedora de pneus, a Pirelli, de surpresa, ao encontrarem um piso extremamente liso e sem aderência, consequência da falta de tempo para a massa asfáltica “curar” adequadamente. Pilotos e equipes passaram os treinos livres de sexta tentando encontrar um meio de lidar com o asfalto com pouquíssima aderência, com melhor sorte para alguns do que para outros. E quem parecia perdida era a Mercedes, incapaz de exibir sua tradicional força tentando se manter firme na pista lisa do autódromo turco, enquanto Max Verstappen e a Red Bull davam toda a pinta de que teriam uma grande chance nas mãos de vencer a corrida.
Quem apostava que, com mais borracha a pista melhorasse, levou um banho de água fria no sábado, literalmente, com a chuva que desabou sobre o circuito, e deixou tudo mais complicado do que já estava. Não deu para a Mercedes, e a Red Bull só não comemorou na classificação porque acabaram surpreendidos por Lance Stroll e a Racing Point, que conquistaram a pole no asfalto ainda mais escorregadio do que antes. Com as Mercedes largando apenas em 6º e 9º, Verstappen tinha tudo para rir à toa, apesar de perder a pole. E nem teríamos como duvidar, dado o histórico do holandês, em comparação com o canadense. Mas, como diz o ditado, “ri melhor quem ri por último”, e definitivamente, não foi a Red Bull e muito menos Max quem daria o ar da graça no domingo, onde mais uma vez São Pedro se fez presente, embaralhando as expectativas que já estavam para lá de complicadas.
E as coisas começaram a dar errado para Verstappen logo na largada, quando acabou superado por Sergio Pérez, e ainda levou um passão de Sebastian Vettel pouco depois, com Lance Stroll comandando a corrida com autoridade, e indo-se embora, aproveitando as melhores condições de visibilidade. O canadense chegou a ter mais de 11s de vantagem na liderança, e parecia que só um erro, ou um problema, tiraria de Lance a vitória. Enquanto isso, lá atrás, Valtteri Bottas se enrolava sozinho, e dava suas primeiras rodadas na pista, comprometendo sua corrida de forma irreversível, e Hamilton avançada paulatinamente para as primeiras posições, até ficar “preso” atrás de Vettel, que fazia uma prova para redimir sua péssima temporada de despedida na Ferrari. O piso traiçoeiro exigia atenção redobrada dos pilotos, e o belo traçado do Istambul Park deixava o desafio de manter o carro no trilho certo mais elevado. E foi aí que diferentes visões de corrida, acertos dos carros, e sensibilidade e capacidade de condução começaram a separar os homens dos meninos.
Max Verstappen, depois de um duro danado para se recuperar, foi à caça de Sergio Pérez, mas ele foi com muita sede ao pote, e o mexicano, se defendendo bem, manteve a posição, enquanto o holandês rodava, e precisava de uma parada extra no box. Com a pista ficando mais seca, alguns pilotos resolveram apelar para pneus intermediários novos, a fim de garantir melhor performance em um pisto ainda muito escorregadio. Mas os resultados não foram iguais para todos. Se por um lado a dupla da Ferrari parece ter se beneficiado da decisão de uma nova troca, Lance Stroll, que perdeu performance por não conseguir conservar melhor seus pneus, perdeu a liderança em sua segunda parada e muito mais no restante da corrida. Os novos pneus não conseguiam atingir a temperatura ideal, dependendo do carro, e o desempenho, ao invés de melhorar, piorava depois de poucas voltas. Enquanto alguns pilotos e engenheiros batiam cabeça, quem já estava colado em Pérez, pronto para assumir a liderança da corrida? Lewis Hamilton. O inglês tratou de conservar seus pneus na primeira metade da corrida, adotando uma postura prudente no piso traiçoeiro, que conforme foi secando, criou-se um trilho, favorável à melhoria do desempenho, mas que também poderia consumir mais rápido os pneus intermediários que todos usavam. E foi o que se viu: enquanto alguns precisaram ir ao box, por terem consumido demais seus compostos, ou adotando a estratégia equivocada de trocar pneus, Hamilton decidiu permanecer na pista, e fez questão de comunicar isso ao box.
O inglês partiu decidido para cima de Pérez, que também estava conservando muito bem seus pneus, mas não conseguiu resistir ao ataque do piloto da Mercedes, que de um instante para o outro, de figurante voltava a ser protagonista da luta pela vitória, e abrindo vantagem de forma contundente, como ninguém esperava, sumindo na liderança da prova onde ninguém esperava ver uma reação da Mercedes, depois do que tínhamos visto nos treinos livres e classificação. E enquanto isso, Bottas sofria para manter o carro na pista, e por mais que um toque com Esteban Ocon logo na primeira curva da primeira volta possa ter tido consequências que culminaram nesta performance abaixo do esperado, é verdade que o finlandês não conseguiu se entender com os pneus no pisto escorregadio do circuito turco, o que o levou a rodar várias vezes, e pasmem, tomar uma volta de Hamilton na corrida. Com Bottas fora da zona de pontuação, Hamilton nem precisava fazer força para liquidar matematicamente a conquista do título na Turquia, mas o inglês decidiu partir para o ataque, e com grande precisão, soube conservar carro e pneus na primeira metade da prova, sem arriscar ultrapassagens sobre os rivais. Mas quanto teve pista livre à sua frente, tinha as condições, e a sensibilidade, para acelerar fundo sem comprometer seu equipamento, e com isso, alcançar a liderança.
Uma liderança que, mesmo absoluta, estava no fio da navalha, com o piso seco comprometendo cada vez mais os pneus intermediários. Hamilton chegou a 31s de vantagem, e tudo indicava que um pit stop extra poderia ser uma opção. Mas, faltando poucas voltas para a prova, uma parada no box poderia ser um risco a mais na corrida, como que lembrando como jogou sua primeira chance de título fora, quando ficou atolado na brita da entrada de box da pista de Shanghai, em 2007, vítima de sua inexperiência e afobação. Adjetivos que hoje, definitivamente, não frequentam o dicionário de Lewis, que se tornou um piloto extremamente completo e com excelente visão de prova, além de uma grande sensibilidade do carro. Ele seguiu firme, para vencer pela 94ª vez na F-1, e carimbar sua conquista do heptacampeonato com todos os méritos. Se não foi uma vitória espetacular, chegou perto, diante da maestria como soube se manter firme na pista, mesmo com um erro ou outro, felizmente pequeno, enquanto os rivais faziam apostas que se revelaram equivocadas, ou não demonstravam a firmeza necessária para não perderem o controle de seus carros em um piso que exigia atenção a cada pisada no acelerador.
E uma prova de como a vitória de Hamilton estava em risco foi o estado de seus pneus, após parar no pit lane, depois da corrida. Seus compostos intermediários estavam praticamente carecas no meio, quase como pneus slicks. Mas levando em conta que aquilo era borracha desgastada, quão próximo o inglês esteve perto de ter um pneu estourado no final da prova, como acontecera na etapa da Inglaterra, em Silverstone, e ver tudo se perder? Sergio Pérez, que conseguiu conservar seus compostos até o final, também enfrentou um desgaste tremendo, cruzando a linha de chegada por pouco em 2º lugar, e admitiu que seus compostos poderiam estourar a qualquer momento. E o mexicano, que também possui uma capacidade diferenciada de conservar seu equipamento, também rodou quase tantas voltas quando Lewis com os mesmos pneus.
Lance Stroll (acima) largou na pole em Istambul e fez uma boa largada na pista molhada (abaixo), mas terminou em um melancólico 9º lugar.
Os maiores derrotados da corrida turca acabaram sendo Max Verstappen e a Red Bull, além de Valtteri Bottas, claro. O finlandês ainda tinha alguma esperança de tentar adiar a conquista, já vista como inevitável, de Hamilton com o sétimo título, mas acabou sucumbindo ao piso escorregadio, e não conseguindo driblar as adversidades que surgiram. E agora ele ainda tem que se defender da ameaça de Max Verstappen, que pode ameaçar o vice-campeonato de Valtteri. O holandês, por outro lado, admitiu que perdeu uma excelente chance de vencer em Istambul. E a Red Bull também acabou errando, junto com Max, ficando longe de terminar sequer no pódio. E ainda tivemos uma cena extremamente rara em tempos recentes na F-1, mas que significou um gesto gigante em termos de respeito e reconhecimento, quando Sebastian Vettel foi o primeiro a cumprimentar Hamilton, ainda dentro do carro, pela conquista do título, e declarando que o inglês é o melhor de todos neste momento. Um cumprimento que diz muito, por mostrar a condição de pessoa que é Vettel, que há algum tempo atrás, era visto como aquele que poderia alcançar os recordes de Michael Schumacher, mas que infelizmente não conseguiu demonstrar a performance esperada, nem teve os melhores meios, em alguns anos, de lutar adequadamente por isso.
Em um ano complicado, devido à pandemia da Covid-19, a disputa do campeonato acabou não sendo o que muitos esperavam, mas a necessidade de encontrar provas substitutas para a composição do campeonato acabou nos brindando com belas corridas em circuitos que mereciam chance de figurar no calendário ou deviam voltar, como foi o caso da pista da Turquia, onde já previa que poderíamos ter uma boa corrida, pelo belo circuito que Istambul Park é, mas que trouxe um tempero adicional de última hora que potencializou as possibilidades de disputa, e serviu para mostrar a classe de alguns pilotos, em detrimento de outros, assim como o desempenho dos times. Um cenário que ficou de bom tamanho para a conquista do heptacampeonato de Lewis Hamilton. Uma prova cheia de alternativas, com uma performance exuberante do maior gênio da velocidade da categoria máxima do automobilismo no presente.
Um gênio que ainda terá muito o que mostrar nos anos à frente, em busca dos novos recordes que marcarão a história da F-1, mesmo que para muitos ele não esteja sendo considerado à altura de grandes nomes do passado, como Juan Manuel Fangio, Ayrton Senna, e até mesmo Michael Schumacher. Mas não dá para ser unanimidade perante todos. Mas Lewis Hamilton sem dúvida inscreveu seu nome nos anais do esporte, pelo que fez dentro da pista, e crescendo ainda mais pelo que poderá fazer fora delas, usando de sua posição como maior astro da maior categoria automobilística do planeta para defender causas que se mostram importantes, como o racismo que ainda impregna diversas sociedades, em maior ou menor grau, e defendendo além de direitos humanos as causas ambientais. Que ele possa fazer com que sua voz seja cada mais ouvida, no bom sentido, como o grande esportista que é...
Parabéns pelo hepta, Hamilton. E que possamos ver um possível octa ainda pela frente...
Sebastian Vettel fez uma corrida para lavar a alma na Turquia, diante do calvário em que se transformou sua última temporada na Ferrari. Desprestigiado pela direção da escuderia, que resolveu apostar todas as suas fichas em Charles LeClerc, não foram poucas as vozes que declararam que o tetracampeão já não tinha mais o que fazer na F-1, e que poderia até fazer um favor a si mesmo, encerrando sua participação no time italiano antes do fim da temporada. Mas Vettel deu um show de competência no piso traiçoeiro de Istambul, e mesmo quando foi superado por LeClerc na prova, se manteve muito próximo do monegasco, que acabou errando quando tentou ganhar o 2º lugar de Sergio Pérez, errou na freada da curva seguinte, e levou o troco do mexicano, abrindo espaço para o alemão também superá-lo, e com isso, garantindo Sebastian o 3º lugar na prova, onde andou por várias voltas. Curiosamente, Mattia Binotto, chefe da Ferrari, e atualmente um desafeto implícito do piloto alemão no time, não esteve presente na Turquia, algo que foi tratado até de forma irônica por Vettel, sem nos esquecermos que foi o melhor resultado conjunto da Ferrari no ano até agora, com um 3º e 4º lugares, colocando o time no rumo da recuperação no campeonato. Faltando três corridas para fechar a temporada, bem que Binotto poderia deixar de ir também às próximas corridas, meio que confirmando uma crítica feita por Gerhard Berger, de que o problema que “impede a Ferrari de vencer são os próprios italianos”...
Sebastian Vettel voltou ao pódio, depois de uma corrida combativa e sem erros no piso escorregadio da prova turca, amenizando um ano de muitas decepções e poucas satisfações.
Lance Stroll parecia a caminho de apagar seus maus momentos recentes na temporada 2020 da F-1 quando conquistou sua primeira pole-position na carreira, e comandava a corrida com desenvoltura. Mas bastou a pista ficar mais seca para o canadense ver seus compostos se degradarem, a ponto de o time achar mais prudente efetuar uma segunda troca de pneus. Só que o carro não se achou com o novo jogo de pneus, e Lance foi ficando cada vez mais para trás, terminando a prova em 9º lugar, uma tremenda desilusão para quem estava na expectativa firme de até vencer a corrida. E ele ainda viu Sergio Pérez, que está desempregado para 2021, fazer outra excelente prova, e subir ao pódio em 2º lugar, ajudando muitos a confirmarem cada vez mais a opinião de que a Racing Point está dispensando o piloto errado para a próxima temporada...
A MotoGP inicia hoje os treinos para a última etapa da temporada 2020, no belo circuito de Portimão, mais uma corrida agendada para prover um número decente de corridas para este ano conturbado devido à Covid-19. Com o título garantido por Joan Mir em Valência, nada menos do que seis pilotos brigam pelo vice-campeonato na pista portuguesa, em um fim de temporada que tem tudo para ser emocionante. A conferir no domingo, a partir das 11 da manhã, com transmissão ao vivo no canal pago FoxSports.
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