sexta-feira, 6 de novembro de 2020

O DINHEIRO MANDA...

Jeddah, na Arábia Saudita, será o palco do mais novo Grande Prêmio adicionado ao calendário da F-1, em 2021.

             E a Fórmula 1 continua fazendo seus planos para o calendário de 2021, com ou sem pandemia, e entre boatos de que a temporada pode chegar a 23 corridas, tivemos o anúncio de que a categoria máxima do automobilismo irá correr na Arábia Saudita, em uma pista que será montada nas ruas de Jeddah, cidade litorânea do Mar Vermelho. Será uma prova noturna, no mesmo estilo da corrida de Singapura, o primeiro GP noturno da história da categoria. A prova, se tudo der certo, deve ser realizada no dia 28 de novembro de 2021, e deve antecipar o GP de Abu Dhabi, que costuma fechar a temporada.

            O plano dos sauditas é promover seu país, e diversificar sua economia, quase toda dependente da indústria petrolífera, uma vez que suas reservas, apesar de estarem entre as maiores do mundo, podem acabar um dia, e portanto, é necessário se preparar o quanto antes para quando isso acontecer. E, claro, a futura eletrificação da frota veicular também pode causar uma queda colossal no consumo do líquido negro, conforme avancem as mudanças no panorama da indústria automotiva mundial. E, com dinheiro para gastar a rodo, no atual momento, eles andam “comprando” o que podem a fim de passar a imagem de um país mais “moderno” e dinâmico ao resto do mundo, e com isso, atrair mais investidores dispostos a colocar seu dinheiro lá.

            Não por acaso, o esporte a motor tem sido a investida mais recente com este objetivo. A Formula-E já corre nas cercanias de Riad, a capital do país, há cerca de duas temporadas, e o rally Dakar, cuja etapa deste ano foi disputada nas areias sauditas, firmou contrato com o país para sediar o mais famoso rali do planeta por nada menos do que cinco anos, depois de abandonar a América do Sul, onde competiu na última década. E agora, vem o filé mignon, a Fórmula 1, cuja direção da categoria já confirmou o anúncio feito pelos sauditas, oficializando a realização da corrida para a próxima temporada.

            Só que a imagem da Arábia Saudita não é a de um país “dinâmico”, e muito menos “moderno” exatamente. Muito pelo contrário, possui um histórico nada agradável quando o assunto são costumes e direitos humanos. Basta lembrarmos de como as mulheres são tratadas no país, precisando de permissão para praticamente quase tudo, sendo reduzidas a meras “propriedades” dos homens. Só para se ter uma idéia, apenas agora as mulheres estão conseguindo obter o direito de dirigirem, e olhe lá. Quando se fala em opressão religiosa no mundo islâmico, muitos apontam o dedo para o Irã, que de fato tem uma ditadura teocrática desde a revolução islâmica de 1979, e tem uma série de defeitos, onde os religiosos literalmente “mandam” no país, com o aiatolá sendo a autoridade máxima do país. Mas a Arábia Saudita não fica atrás, e ainda tem um problema tão ou mais grave do que o Irã: é uma monarquia absolutista, onde o rei manda, e manda muito, e pior, defende uma visão da religião islâmica extremamente conservadora.

            Mas, então, porque tanta malhação em cima do Irã, e um tratamento digamos, menos ostensivo e tolerante com os sauditas? Basicamente, se resume ao fato de a Arábia Saudita ser aliada dos Estados Unidos, e o Irã, não. Isso faz muita diferença. E, quando acusam os iranianos de fomentarem o radicalismo islâmico no Oriente Médio e mundo afora, os sauditas não ficam atrás, muito pelo contrário. Na verdade, Irã e Arábia Saudita travam um duelo político-religioso pelo domínio da religião islâmica, defendendo vertentes diferentes dos ensinamentos dados por Maomé, o profeta sagrado. Quem já ouviu falar das rixas entre sunitas e xiitas já deve estar mais por dentro deste assunto, e nem vale a pena entrar em detalhes por aqui. Basta dizer que existem radicais de ambas as vertentes, e para eles, a única convivência pacífica é se o outro grupo for exterminado. Se o Irã se mete em assuntos de seus vizinhos, a Arábia Saudita faz o mesmo, e em tese com muito mais conivência da comunidade internacional, o que não a faz nem um pouco mais santa que seus rivais iranianos, o que é uma tremenda injustiça, pois tanto um quanto o outro deveriam ser condenados de modo igual e decidido.

            E, infelizmente, o esporte acaba sendo usado como arma política neste sentido, com os sauditas a patrocinarem várias atividades esportivas, de modo a “comprar” a passividade dos demais países. E, lamentavelmente, a F-1 vai acabar se tornando a mais nova modalidade esportiva a ser usada com esse intento, como já vem ocorrendo com a F-E e agora com o Dakar. A intenção é silenciar as críticas ao regime e costumes sauditas, usando os esportes para serem seus aliados e defensores. Mas a F-1 não deveria se surpreender com isso, uma vez que já esteve envolvida com violações de direitos humanos antes, e levou um bom tempo para se mobilizar, o que só ocorreu diante da pressão externa sobre a categoria.

Enquanto o mundo protestava contra o Apartheid, a F-1 não se furtava a competir na África do Sul, pelo menos, até 1985.

            Trata-se de quando a F-1 competiu na África do Sul, que até o início dos anos 1990 tinha uma política oficial, chamada Apartheid, de segregação e discriminação dos negros, que compunham a grande maioria de sua população, e a quem eram negados muitos direitos, que eram exclusivos da minoria branca que vivia no país. Inúmeros casos de desrespeito aos direitos humanos eram cometidos e assumidos pelo governo sul-africano, e a F-1 tinha uma etapa no país, disputada na pista de Kyalami. Choviam críticas à categoria por correr no país, o que Bernie Ecclestone, que já havia assumido a liderança comercial da F-1, relevava, ao afirmar que não se devia misturar esporte com política, e que a categoria máxima do automobilismo não tinha pelo que se envolver nas questões do país. Só que eles foram ficando isolados nessa posição, uma vez que muitas outras modalidades esportivas, em repúdio à política do Apartheid, foram deixando de participar de atividades com a África do Sul, que chegou a ser banida de certas competições, como forma de pressionar o país para rever tal atitude discriminatória e desumana para com a maioria de sua população. A pressão sobre a F-1 fez a categoria tirar a África do Sul do calendário, a partir de 1986, retornando apenas em 1992, quando esta política já estava em vias de ser extinta, graças às pressões mundiais, sendo oficialmente revogado por volta de 1994. A F-1 correu na África do Sul até 1993, quando o país sediou sua última corrida, deixando de participar por questões de custos de realização da prova.

            Muitos afirmam que a F-1 deveria usar de sua posição para cobrar mudanças de fato nos costumes da Arábia Saudita, já que eles querem tanto que a categoria corra lá. Em um ano onde a F-1 embarcou na campanha contra o racismo, com seu slogan “We Race as One”, e as atitudes iniciadas por Lewis Hamilton em prol do fim da discriminação e punição daqueles que destratam as pessoas pela cor de sua pela, teria muito a ganhar se de fato a F-1 se engajasse como fica apregoando. Só que a direção da categoria, assim como a FIA, já andam incomodadas com o ativismo de Hamilton, tendo questionado até seu uso de camisetas com mensagens a respeito, e até agora, não me parece que irá exigir melhores atitudes e compromissos do governo saudita a fim de justificar sua ida para lá, a não ser unicamente pelos petrodólares que a prova irá render para a Liberty Media. E isso é preocupante, mas não inesperado.

            Afinal, quando foi que a F-1 se preocupou de fato com algo fora de seu “circo”? Talvez só na época da chamada “Primavera Árabe”, quando diversos países da África e Oriente Médio passaram por diversas ondas de manifestação popular, que chegaram a derrubar até governos, e com isso, cancelaram a corrida do Bahrein de 2011, uma vez que o país não tinha como garantir a segurança da realização da corrida, frente aos protestos que ocorriam no pequeno país. Mas foi muito mais para se preservar do que aumentar ainda mais a tensão do que ocorria por lá, já que a categoria retornou ao país no ano seguinte, e segue realizando seus GPs por lá até hoje, inclusive com uma rodada dupla programada para daqui a algumas semanas, antes de seguirem para Abu Dhabi, que encerrará a temporada em dezembro.

A China, outro país com ficha suja no que tange ao respeito aos direitos humanos, recebe a F-1 há anos, e a categoria nem fica incomodada com isso...

            E ainda temos o lance da F-1 correr em países que não são exatamente o melhor exemplo em se tratando de direitos humanos. Se em 1986, o fato de correr na Hungria foi visto como um grande feito, que ajudaria a corroer a chamada “Cortina de ferro” conhecida por envolver a União Soviética e os países socialistas da Europa, que viviam sob o jugo de ditaduras comunistas, hoje temos a categoria correndo na China (à exceção deste ano, e por causa da pandemia da Covid-19), um país governado por uma ditadura de um partido único, e que comete também várias barbaridades, muitas das quais nem ficamos sabendo, pela censura que o país impõe, e que vem ficando cada vez mais forte nos últimos tempos. Mas alguém está defendendo o fim do GP da China por causa disso? E ainda temos algo similar no GP da Rússia, que sempre foi explorado por Vladimir Putin, candidato a novo “czar” (ainda que informal) do país, que sempre foi bajulado por Bernie Ecclestone desde que a prova estreou no calendário da F-1. Não se pode dizer que o presidente russo seja um exemplo de bom governante, muito pelo contrário. Só que também não vejo pregação de boicote à prova russa, exceto por aqueles que detestam a pista de Sochi, que raramente oferece uma boa corrida em termos de disputas e emoções. E só.

            E agora, a F-1 vai para a Arábia Saudita, e perde uma excelente oportunidade para tentar se mostrar relevante em ao menos condenar as violações de direitos humanos que ocorrem no país. Mas como fazer isso, quando a maior empresa de petróleo do país, e do mundo, a Aramco, é patrocinadora oficial da categoria, em um campeonato onde foi preciso encontrar fontes de financiamento, depois de ser abalada pela pandemia da Covid-19, que virou de cabeça para baixo o campeonato originalmente proposto? A Liberty Media nem é o problema, uma vez que Bernie Ecclestone já tinha por seu ideal ir “onde está o dinheiro”, tendo passado a cortejar governos, e não promotores que queriam sediar provas da F-1, e isso lá no final dos anos 1990. Esperava-se talvez uma gestão um pouco mais diferente quando a categoria passou a ser gerida pelo grupo dos Estados Unidos, mas ao que parece, fomos tolos ou ingênuos demais em acreditar que fariam algo nesse sentido.

Bernie Ecclestone e Vladimir Putin. O ex-mandatário da F-1 elogiava o presidente russo, a quem bajulava bastante durante os GPs da categoria em Sochi, mesmo com os ímpetos ditatoriais de Putin, que não era flor que se cheirasse...

            Não que seja algo fácil. Por mais que o projeto dos sauditas tenha alguns pontos positivos em querer modernizar de fato o país, eles não fazem o esforço necessário para mudar de fato seus comportamentos, e nem desejam fazer isso tanto assim. Os costumes religiosos estão enraizados no modo de pensar e agir deles, de modo que se sentem no mais divino direito de fazer o que fazem, e dão de ombros para quem pensa diferente, o que é o grande motivo para os radicais islâmicos terem se tornado uma dor de cabeça em escala mundial, perpetrando atentados e outros malefícios mundo afora, tentando impor sua visão estreita do que consideram islamismo. Mas, por isso mesmo, tivesse mais brios, a F-1 poderia dificultar sua ida ao país árabe, a fim de marcar posição, e demonstrar que está de fato preocupada com o bem-estar das pessoas, nem que fosse um pouco. Mas, o dinheiro manda, então...

            Quem sai perdendo é a F-1, cuja credibilidade já não anda lá essas coisas, e mesmo assim, perde a oportunidade de fazer a diferença, mesmo que pouca, em um país que ainda trata boa parte de sua população de modo retrógrado e injusto, unicamente por causa do sexo. Em tantos contos de ficção científica de antigamente, costumavam colocar o século XXI como tempo em que teríamos grandes avanços e a civilização estaria bem mais desenvolvida, mas ainda encontramo-nos diante de comportamentos pueris e aparentando estarmos retrocedendo ao invés de evoluir. Triste mundo, esse que estamos vivenciando atualmente... Triste mesmo...

            Seria pedir demais que a F-1 criasse vergonha na cara até a realização desta corrida, mas quem sabe ainda acontece algum milagre nesse sentido? Sonhar ainda é possível, por mais improvável que seja o que estamos desejando ocorrer... Quem sabe?

 

 

Na volta da Fórmula 1 à pista de Ímola, no domingo passado, até que tivemos alguns bons duelos na pista, mas a corrida em si não foi tão empolgante como se poderia imaginar. E isso por um motivo mais do que óbvio, que foi a modificação das curvas Tamburello e Villeneuve, que ganharam chicanes que “mataram” suas essências, inutilizando-as como trechos de ultrapassagens que eram até 1994. Até aquele ano, o trecho da reta dos boxes até a freada da curva Tosa oferecia um percurso longo onde os pilotos podiam tentar ultrapassagens, algo que ficou inviável em sua maior parte com as chicanes que foram colocadas na Tamburello e na Villeneuve. Obviamente que eram necessárias obras para garantir maior segurança naqueles trechos, especialmente depois dos acidentes trágicos ocorridos naquele ano, com os falecimentos de Ayrton Senna e Roland Ratzemberger. Mas, passado tanto tempo, e depois do circuito ter passado por reformas, que criaram uma renovada área dos boxes e paddock, não poderiam ter encontrado meios de contornar, ou ao menos minimizar os efeitos das duas chicanes criadas naqueles setores, a fim de permitir melhores chances de disputa nas corridas? O retorno de Ímola valeu pela nostalgia, e a pista agradou muito os pilotos, mas conforme Lewis Hamilton apontou nos treinos, é um circuito que não oferece bons pontos de ultrapassagem. Tanto que o inglês, que caiu para 3º lugar na largada, nem se deu ao trabalho de tentar discutir uma ultrapassagem com Max Verstappen e Valtteri Bottas, que estavam à sua frente. Foi muito mais efetivo, e inteligente, ficar mais tempo na pista, depois que ambos foram aos boxes, e pisar fundo com a pista livre à frente, para assumir a liderança após sua parada de box. Claro que sua tarefa acabou facilitada depois pelo safety car virtual quando Esteban Ocón parou seu carro à beira da pista, mas o inglês já havia conseguido abrir vantagem suficiente para voltar na liderança da corrida, firme para vencer pela 93ª vez na F-1, e pronto para fechar matematicamente a conquista do seu sétimo título na próxima corrida, na semana que vem, no retorno de outra pista já utilizada pela categoria, a da Turquia, um dos raros autódromos projetados por Hermann Tilke que agradaram aos pilotos que lá correram...

 

 

A MotoGP disputa nesse domingo sua primeira corrida na rodada dupla que fará no ricuito Ricardo Tormo, em Valência, com o nome de GP da Europa. Valentino Rossi fez um novo teste de Covid-19, e enfim teve resultado negativo, mas precisaria passar por novo teste hoje cedo na pista espanhola, e se der novamente negativo, poderá participar da corrida. O “Doutor” esteve ausente da rodada dupla realizada em Aragón por ter sido diagnosticado com o coronavírus.

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