quarta-feira, 24 de junho de 2020

A TRAJETÓRIA DOS CIRCUITOS DA F-1 – DALLAS


            Hora de mais um texto sobre pistas que a Fórmula 1 já visitou em seus 70 anos de história. E hoje falarei de Dallas, cidade que já teve o privilégio de sediar um Grande Prêmio, nos anos 1980. Foi uma corrida cheia de emoções, mas só para o público, uma vez que para os pilotos, a situação não foi assim tão agradável. Confiram mais detalhes no texto abaixo, e boa leitura a todos...

 



DALLAS

            Quem vê a Fórmula 1 hoje toda cheia de frescuras e exigências para correr em determinadas pistas, muitas vezes justificando a necessidade de segurança, não imagina por onde a categoria já correu em determinadas ocasiões. Se é verdade que não se pode renegar as melhores condições de segurança, para se evitar acidentes, ou pelo menos minimizar suas consequências, não é menos verdade que, por causa disso, muitas pistas que ofereciam desafio aos pilotos acabaram expurgadas do calendário, em que peses muitas vezes os motivos terem sido muito mais econômicos do que de segurança propriamente dita, uma vez que as taxas de realização de um GP cresceram a níveis astronômicos, ficando muito difícil de se bancar a brincadeira por simples desejo.
            Por outro lado, por força do dinheiro, não foram poucas vezes onde a categoria máxima do automobilismo se aventurou em alguns lugares onde os pilotos nunca sentiram saudades de repetir a dose. E Dallas, certamente, foi um destes lugares. Tanto, que foi uma corrida única, que esteve presente no calendário de 1984, tendo sido realizada no dia 8 de julho daquele ano. Curioso que, em um país como os Estados Unidos, que possuí diversos circuitos permanentes, a F-1 tenha insistido tanto em algumas pistas de rua que, à exceção de Long Beach, nunca deixaram os pilotos muito entusiasmados em disputar um GP neste tipo de circuito. E Dallas, certamente, ganha com louvor o posto de pior pista citadina que a F-1 já visitou em terras do Tio Sam.
            Os organizadores queriam mostrar a força da cidade de Dallas, como um centro econômico mundial, e com o aval de Bernie Ecclestone, conseguiram o seu Grande Prêmio de Fórmula 1 para a temporada de 1984. O local escolhido para abrigar a pista seria o Fair Park, um complexo destinado, como o nome diz, a feiras, além de outros eventos recreativos e educacionais localizado ao leste do centro da metrópole texana. A pista usaria as ruas do local, o que resultou em um traçado de 3,9 Km de extensão, e 23 curvas, a ser percorrido no sentido anti-horário. Além das tradicionais curvas em cotovelo, típicas de circuitos de rua, havia algumas curvas mais rápidas e não tão travadas, além de alguns trechos razoáveis de retas, que em tese dariam pontos satisfatórios de ultrapassagens. Não parecia tão ruim, mas não era nenhuma maravilha. Como a corrida tinha sido organizada com a ajuda de Chris Pook, que era o criador da etapa oeste do GP dos Estados Unidos, na ensolarada Long Beach, o pessoal dava um voto de confiança para esta nova prova, que seria a 9ª etapa da competição em 1984, logo após as provas do Canadá, e a de Detroit, outra pista de rua que não era nem um pouco apreciada pelos pilotos. Claro que, na teoria, tudo parecia bem razoável, com a perspectiva de um traçado que era bem mais interessante do que o da capital do automóvel, mas na prática, o que se viu foi outra coisa.
            Quando chegou o fim de semana da corrida, Dallas estava um inferno, literalmente, com a temperatura chegando fácil aos 38º C. Os muros de concreto que circundavam a pista montada praticamente tornavam todas as curvas em raio cego para o nível da altura dos pilotos. E o pior era o piso, cuja condição era horrorosa, e como se desgraça pouca fosse bobagem, se deteriorava a olhos vistos. Geralmente, o que acontece é que, com o uso dos carros, um traçado vai ficando mais emborrachado, e ganhando mais aderência, ficando melhor para a condução dos pilotos. Mas no Dallas Fair Park, acontecia o contrário, com o asfalto a se desintegrar quanto mais os carros andavam. E com a pista mais estreita do que os pilotos imaginavam, e um trilho bem instável no piso, a pista de Dallas, segundo alguns, parecia mais um traçado de rali do que de monopostos, com as condições traiçoeiras prontas para vitimar quem não se precavesse.
            Nélson Piquet teria perguntado o que iria quebrar primeiro naquele calor infernal: a pista, os pilotos, ou os carros. Na prática, sobrou para todo mundo. Na verdade, nos treinos mesmo, dois pilotos já ficaram fora de combate: o francês Phillipe Alliot, da equipe Ram/Hart, terminou seu fim de semana logo no primeiro treino livre, ao bater seu carro nos muros da pista. Como sua escuderia não tinha carro reserva, o piloto nem conseguiu participar da corrida. Já o inglês Martin Brundle, da Tyrrel/Ford, bateu forte no início do primeiro treino de classificação, fraturando o pé direito e o tornozelo do pé esquerdo.
O traçado da pista de Dallas no Fair Park (acima). Boa parte das ruas ainda existe ainda hoje no local, como se pode ver em uma visão aérea, com o traçado de onde a pista foi montada (abaixo).

            A dupla da McLaren, Alain Prost e Niki Lauda, tentaram organizar os pilotos para fazer um boicote à corrida, devido ao estado calamitoso do pisto, mas não conseguiram ser bem-sucedidos. E acabou que a prova foi disputada, e apesar dos pesares, por incrível que pareça, foi uma das mais emocionantes da temporada, e teve alguns lances bem interessantes. A começar pela primeira pole-position de Nigel Mansell, com a Lotus/Renault, tendo ao seu lado seu companheiro de equipe Elio de Angelis, com uma primeira fila toda da equipe fundada por Colin Chapman. Entre os brasileiros, Ayrton Senna largava numa ótima sexta posição com sua Toleman/Hart, em sua temporada de estréia na F-1, enquanto Nélson Piquet era apenas o 12º no grid. A bandeira verde da corrida era dada por Larry Hagman, ator que fazia o personagem mais famoso da série “Dallas”, o infame J.R. Ewing, produção que estava entre os grandes sucessos da TV não apenas nos Estados Unidos, mas em diversos outros países do mundo onde era exibida.
            E foi uma corrida bem disputada, com vários lances emocionantes, e muitos pilotos infelizmente perdendo para o circuito citadino. Nigel Mansell liderou metade da corrida, antes de ser superado pelos concorrentes, que já vinham acossando o inglês há muitas voltas. Keke Rosberg, com a Williams/Honda, foi quem se deu melhor nesta prova, com uma pilotagem inspirada, garantindo a primeira vitória para a Honda no seu retorno à F-1 ocorrido no ano anterior. A prova, programada para 77 voltas, foi encerrada com 67, por ter atingido o tempo limite de uma corrida de F-1. René Arnoux, com a Ferrari, foi o 2º colocado, enquanto Elio de Angelis garantia um pódio para a Lotus com o 3º lugar. No finalzinho da corrida, Nigel Mansell, com o carro já meio judiado depois de alguns toques nos muros, parou na pista, e o inglês tentou empurrar o seu carro até a linha de chegada, acabando por desmaiar e cair ao lado de seu carro, devido ao fortíssimo calor reinante, acabando por se classificar em 6º lugar.
            Para os brasileiros, foi uma corrida para se esquecer. Nélson Piquet teve um acelerador preso, e acabou atingindo o muro. Já Ayrton Senna também acabou acertando o muro, após uma manobra, e por incrível que pareça, sentiu que alguma coisa estava errada. Pat Symonds, que na época era engenheiro da Toleman, foi ver depois da corrida, e viu que o muro de fato estava numa posição ligeiramente diferente, coisa de no máximo um centímetro, algo que havia acontecido devido a um acidente ocorrido no mesmo local momentos antes. Esse detalhe deixou Symonds impressionado com a capacidade de Senna medir a distância com que fazia as curvas em uma pista e passar rente aos muros com incrível precisão. Ayrton julgava estar fazendo a curva no limite, quando acabou acertando o muro, que estava aproximadamente um centímetro mais para dentro da pista.
            Apenas oito carros foram classificados, e apenas os dois primeiros terminaram na mesma volta. Felizmente, o bom senso mostrou que a pista do Dallas Fair Park, apesar de um traçado interessante até, não era adequada para a Fórmula 1, que nunca mais voltou àquela cidade, sendo este circuito um daqueles vários GPs que tiveram a honra de sediar apenas um Grande Prêmio, e que na opinião de muitos que correram naquele dia, já foi até demais. Tanto que o local, que ainda hoje é um parque onde ocorrem feiras na cidade de Dallas, apesar de ainda possuir a maioria das ruas que formaram o circuito usado para a F-1, nunca chegou a ser usado para sediar corridas de outras categorias, mesmo as dos Estados Unidos, como as categorias Indy, que já correram em muitos locais similares até. Na prova da F-1, a pole-position de Nigel Mansell foi obtida com o tempo de 1min37s041, à velocidade média de 261,367 Km/h. Já a melhor volta na prova foi de Niki Lauda, com McLaren/TAG-Porsche, com o tempo de 1min45s353.
Keke Rosberg (acima) marcou a primeira vitória da Honda na sua parceria com a equipe Williams. Já Nigel Mansell (abaixo), caiu desmaiado devido ao forte calor ao tentar empurrar sua Lotus até a linha de chegada, depois de largar pela primeira vez na pole na F-1.


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