sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

A VEZ DA PORSCHE?

Pascal Wehrlein venceu as duas provas na Arábia Saudita e pulou para a liderança do campeonato, mas Jake Dennis esteve bem ali ao seu lado, mostrando que vai incomodar...

            A temporada da Formula-E começou com muitas dúvidas e até certa insegurança, diante dos desafios impostos pelo novo carro Gen3, adotado pela categoria, e que os testes da pré-temporada não tinham sido suficientes para todas as equipes e pilotos conseguirem desvendar seus segredos a contento. Tanto que, na primeira prova, na Cidade do México, todo mundo teve uma postura conservadora, tentando mais chegar inteiro ao fim da corrida do que batalhando por um bom resultado, o que fez com que a corrida de estréia da temporada 2023 fosse sem maiores atrativos, com poucas disputas. A expectativa era que, com um pouco mais de quilometragem, todo mundo arriscasse mais, e as disputas retomassem a tônica das corridas da categoria.

            Dito e feito. Em Diriyah, na Arábia Saudita, em uma rodada dupla, eis que todo mundo começou a se sentir mais à vontade, e se a primeira prova no circuito montado nos subúrbios de Riad ainda foi meio sem sal, já na segunda corrida vimos o pessoal ir mais para o ataque, com o aumento do número de disputas e ultrapassagens em uma pista que, apesar das dificuldades, já oferecia melhores condições de todos se sentirem mais à vontade para batalhar na corrida. Os pilotos também tentaram variar mais suas estratégias de uso do Modo Ataque, procurando otimizar o seu uso de forma a ganhar posições na prova. E apesar de um ou outro percalço, todo mundo brigou com mais intensidade até o fim, com algumas posições sendo definidas somente na bandeirada. Se mantiver essa toada nas próximas etapas, a F-E deve conseguir se redimir completamente da estréia morna que apresentou na Cidade do México. Mas as disputas podem ficar ainda mais emocionantes, conforme os times e pilotos se adaptem melhor às particularidades do novo equipamento, cujo desenvolvimento está apenas em seu início.

            Se é verdade que a temporada da F-E ainda suscita algumas dúvidas, ao menos uma delas parece já ter sido esclarecida: a dos favoritos à luta pelo título da competição. E o que vimos até aqui é que a Porsche está vindo com tudo, pois os alemães venceram tudo até aqui neste início de temporada. A bem da verdade, foram duas vitórias da equipe oficial da marca alemã, mas precisamos lembrar que a vitória na primeira corrida, obtida pela Andretti, também foi um triunfo da Porsche, pois o time passou a usar o trem de força da marca alemã a partir deste ano, em substituição ao equipamento fornecido pela também alemã BMW, que se retirou da competição. Porém, o domínio da Porsche até agora se confirmou apenas com um piloto de cada um de seus times na competição.

            No México, Jake Dennis comandou a corrida com autoridade assim que assumiu a liderança. O piloto inglês da Anfdretti abriu uma grande vantagem, que se manteve firme mesmo depois que Pascal Wehrlein subiu para 2º e tentou chegar mais perto. No ano anterior, a Porsche já havia feito a dobradinha no circuito Hermanos Rodriguez, e agora apenas repetiu a dose, ainda que com dois times diferentes em 1º e 2º. Um bom início de temporada. Mas, com todo mundo disputando em um modo ainda “conservador”, para evitar quebras e conseguir terminar a corrida, ficava a dúvida se o mesmo panorama se manteria para as próximas corridas.

Não importando a posição de largada, Wehrlein veio passando todo mundo na pista, e levando a Porsche a monopolizar a rodada dupla de Diriyah.

            Em Diriyah, já com mais quilometragem e os dados da prova do México, o início dos treinos até pareceu indicar que teríamos outras expectativas para a corrida. Sébastien Buemi ficou com a pole, a McLaren mostrou força com Jake Hiughes, e a Jaguar pareceu ter acordado. Wehrlein foi apenas o 9º, e Dennis, o 12º. Mas, eis que na corrida, ambos vieram voando para cima dos primeiros colocados, até que Pascal assumiu a liderança da prova, e pouco depois, Dennis chegava ao 2º lugar. E vimos o piloto da Andretti pressionar o rival da Porsche, por pouco não conseguindo tomar a liderança, chegando praticamente colado na traseira de Wehrlein na bandeirada. Mesmo resultado do México, em posições trocadas. E nova “dobradinha” dos propulsores da Porsche. Coincidência, ou a marca alemã vinha para ficar mesmo? Com a segunda corrida, o pessoal se entusiasmou de vez, e a prova foi bem mais disputada. Dessa vez, a dupla de vencedores do ano largava na terceira fila, e o que vimos foi um repeteco, ainda que em menor dimensão, da escalada de ambos até novamente assumirem as primeiras colocações, com Wehrlein novamente em 1º, e Dennis em 2º, e assim foi até a bandeirada, com a diferença de que, nesta segunda prova, Pascal abriu alguma vantagem sobre Jake, tendo uma vitória um pouco mais calma, mas nem tanto, já que sua vantagem foi de apenas 1s252 na bandeirada, contra 0s531 da primeira corrida. Um domínio total dos propulsores da Porsche neste início de temporada.

            E Pascal e Jake simplesmente dispararam no campeonato. Wehrlein lidera com 68 pontos, enquanto Dennis vem atrás com 62 pontos. Para dar uma idéia da distância, o 3º colocado é Sébastien Buemi, da Envision, com “apenas” 31 pontos na classificação. Já na disputa de equipes, a situação está mais parelha, com a Andretti liderando com 76 pontos, com a Porsche logo atrás, com 74 pontos. Em 3º lugar vem a estreante McLaren, com 53 pontos. Pode ser prematuro julgar, com apenas 3 provas, que a Porsche parece estar vindo com tudo este ano, aproveitando a nova era dos carros Gen3 para finalmente mostrar a que veio na F-E, onde já era cogitada até a sua saída, antes que o time obtivesse sua primeira vitória, no ano passado. O sucesso, e o favoritismo, pelo menos neste princípio de temporada, para lutar pelo título, devem renovar e fortalecer os laços da marca com a Formula-E.

Jake Dennis levou sua Andretti/Porsche ao pódio em todas as corridas até agora.

            O domínio da Porsche só não é maior porque os outros pilotos de seus times ainda não conseguiram mostrar os mesmos resultados que Wehrlein e Dennis. André Lotterer, estreando pela Andretti, fez uma boa corrida no México, terminando em 4º lugar, enquanto Antonio Félix da Costa, pela Porsche, foi o 7º colocado. Mas na Arábia Saudita, Lotterer só teve um 9º lugar na primeira corrida, terminando a 2º em 12º lugar. Já da Costa ficou totalmente zerado em Diriyah, tendo muitos azares, e vendo de longe o sucesso do companheiro de equipe faturar todo o fim de semana. Ambos também largaram atrás de seus companheiros de equipe, mas não conseguiram empreender a mesma performance na corrida. Mas, a hora que se acertarem, terão condições de vir para cima, e tentar engrossar a disputa, para azar dos concorrentes.

            Neste momento, quem melhor surge como opção para desafiar os carros impulsionados pela Porsche é a Jaguar. Tanto o time de fábrica quanto seu time cliente, a Envision, andaram forte na Arábia Saudita. Buemi fez a pole na primeira corrida, e após um duelo com Sam Bird, quase foi ao pódio. Nick Cassidy foi 6º. Na segunda prova, Buemi manteve o ritmo, com um 6º lugar. A Jaguar, por outro lado, foi ao pódio com Bird na primeira prova, que terminou em 4º na segunda. Mith Evans foi 10º e 7º, respectivamente. E a estreante McLaren conseguiu sua primeira pole com Jake Hughes, e seu primeiro pódio, com René Rast, mostrando um bom início em sua estréia na F-E, conquistando boas posições nos pontos, e ocupando a 3º colocação no mundial de equipes.

            Situação oposta à da Maserati, que até aqui ainda não conseguiu mostrar a que veio, depois de impressionar nos testes de Valência. O time ficou zerado na Cidade do México, e também não conseguiu mostrar nada na primeira corrida, onde ficou até com um carro a menos, devido ao acidente de Maxximilian Gunther na classificação. Na prova de sábado, Edoardo Mortara conseguiu os primeiros pontos da equipe, com um 9º lugar, ainda muito aquém do que o time esperava. E a reformulada DS Penske também vê que terá muito trabalho pela frente, mesmo contando com uma dupla de campeões ao volante. Jean-Éric Vergne até conseguiu um distinto 7º lugar na prova saudita da sexta, mas não passou disso, enquanto Stoffel Vandoorne, o atual campeão, ficou zerado em Diriyah, contando com um 10º lugar no México. A Nissan, por sua vez, vem sendo eclipsada por seu time cliente, a McLaren, e tenta reagir.

            Enquanto alguns estão deitando e rolando, aproveitando seu trabalho bem feito até aqui, outros terão de ralar muito para compensar as deficiências apresentadas. E de 16 corridas, já foram 3, restando 13. Cada prova disputada reduz o tempo, e as chances de uma reação por parte dos rivais, que não podem perder tempo, e precisam tentar virar o jogo, se não quiserem passar a temporada à sombra dos favoritos até aqui. E podem apostar que muita água vai rolar debaixo da ponte até a corrida final. Se conseguirão reverter a situação, é outra história, e todos estamos na expectativa para ver o que irá acontecer.

            Algo que os novos carros ainda não mostraram foi o incremento de performance proporcionado pela maior potência disponível nas baterias. Tomando o ePrix de Diriyah, os carros Gen3 foram mais lentos na corrida deste ano que os modelos Gen2 na prova do ano passado. Na primeira corrida, em 2022, a pole foi marcada por Stoffel Vandoorne, da Mercedes, com o tempo de 1min08s626, enquanto este ano, Sébastien Buemi, da Envision, conquistou a pole com o tempo de 1min09s435. Para a segunda corrida, em 2022, Nicky De Vries, também da Mercedes, largou em primeiro com a marca de 1min07s154; este ano, Jake Hughes marcou sua primeira pole, e da McLaren, na segunda prova, com o tempo de 1min08s693.

Sébastien Buemi, com a Envision (acima) é o 3º colocado no campeonato, que começa a ficar mais animado na pista na segunda prova de Diriyah (abaixo), onde pudemos ver algumas boas disputas, enfim.


            Em ritmo de corrida, a volta mais rápida do ePrix1 de Diriyah em 2022, foi de Nick Cassidy, da Envision, com 1min09s207; neste ano, a primeira prova viu René Rast, da McLaren, virar em 1min10s117. Já na segunda prova, no ano passado, Sam Bird, com a Jaguar, foi o mais rápido, com o tempo de 1min08s723, enquanto este ano, o piloto inglês voltou a ser o mais veloz, também com a Jaguar, mas com o tempo de 1min09s010.

            Isso indica que os times ainda não conseguiram entender a fundo seus novos carros, de modo que a evolução da performance dos novos carros Gen3 ainda pode demorar um pouco para surgir. Não só a aerodinâmica dos novos carros é diferente, mas é preciso levar em conta também os novos pneus utilizados pela categoria, da marca Hankook, diferentes dos Michelin usados até 2022. Os novos pneus têm uma aderência e grau de dureza distintos, e durante toda a corrida, dava para ouvir um nítido ruído de pneus “cantando”, como se todo mundo estivesse derrapando, mesmo com uma pilotagem normal, durante toda a corrida. Com maior quilometragem, equipes e pilotos irão encontrando os novos limites de seus bólidos, certamente. Ainda há muita margem para trabalhar e compreender melhor os novos carros da competição.

            Com relação aos pilotos brasileiros, a temporada vai se mostrando mesmo bem mais complicada do que se previa. Para Lucas Di Grassi, que havia dito que o resultado observado no Autódromo Hermanos Rodriguez não correspondia à realidade, quando fez a pole-position, e terminou no pódio, apesar das dificuldades de gerenciamento de energia, talvez nem ele mesmo imaginasse quão fundo seria o buraco que enfrentaria na Arábia Saudita, onde a Mahindra esteve longe até de disputar posições na primeira metade do grid. Apesar de Lucas ter feito um bom treino inicial, e de ter disputado novamente a classificação no mata-mata, na primeira corrida, o seu desempenho foi minguando conforme a prova se desenvolvia, com Lucas terminando fora da zona de pontuação, em um modesto 13º lugar, sem chances de alcançar a zona de pontos. Situação que foi ainda pior na segunda corrida, onde o brasileiro largou entre os últimos, e quase que ficou por lá durante toda a prova, terminando apenas em 16º, sem demonstrar a mínima condição de lutar por posições mais à frente. E olhe que o brasileiro ainda é o melhor piloto da Mahindra: seu companheiro Oliver Rowland foi apenas o 19º na primeira prova saudita, enquanto na segunda prova ele ficou pelo meio do caminho, abandonando a corrida por problemas no carro, quando faltavam 10 voltas.

            Uma situação indica que o problema não é apenas no desenvolvimento do acerto do carro, mas também no trem de força, já que a ABT, equipe que retornou à categoria, e usa o trem de força indiano, também teve uma performance pífia em Diriyah: Nico Muller abandonou as duas provas, enquanto Kelvin van der Linde foi 16º na primeira corrida, e 19º na segunda. Muller havia sido 14º no México, enquanto Robin Frijns abandonou na primeira volta após ter sido atingido por Norman Nato. A ABT ficou de fora da temporada passada, após o desfazimento da parceria com a Audi, com a qual competiu por sete temporadas na F-E, e com a introdução do modelo Gen3, igual para todos, o time não é exatamente novato, e em tese também partiu do zero para a compreensão do novo carro. Contudo, as posições de largada da escuderia mostram um cenário preocupante. Uma das razões de otimismo para a união técnica entre a Mahindra e a ABT era conjugar esforços para o desenvolvimento do trem de força da marca indiana, e pelo que se viu até aqui, parece que vai ser necessário muito mais esforço para conseguir disputar com os outros times, já que Diriyah deu a impressão de o equipamento do time indiano é praticamente o mais fraco do grid.

            Em relação à NIO, o time parece ter potencial, mas embora tenha obtido boas posições de largada, perde desempenho com a evolução da corrida. Dan Ticktun conseguiu marcar o primeiro ponto do time na última corrida, mas Sérgio Sette Câmara vem dando azar nas corridas, e na última prova, um ajuste errado no seu carro, visando tentar encontrar um acerto melhor, acabou provocando o contrário, privando o brasileiro de chances mínimas de sequer acompanhar o ritmo do companheiro de equipe. O próprio Sérgio já admitiu que ainda precisa achar o seu estilo de pilotagem com o novo carro, mas em alguns treinos, ele mostra que consegue tirar boa velocidade do carro chinês. Resta conseguir melhor constância no ritmo de corrida e, claro um pouco mais de sorte. Mas segue tendo um ano promissor, mas de nenhum resultado até aqui.

            E a Formula-E segue acelerando, e no próximo final de semana, prepara-se para estrear na Índia, onde teremos o ePrix de Hiderabad, um circuito que será novidade para todos, em corrida única, e que pode nos proporcionar novas surpresas na competição da temporada, ou confirmar uma vez mais o favoritismo demonstrado até aqui pela Porsche e pela Andretti. O time dos Estados Unidos já teve um momento de favoritismo algum tempo atrás, quando era equipado com os propulsores da BMW, mas não conseguiu manter o ritmo. Será que agora vai? E a Porsche, conseguirá fazer o mesmo? A conferir já no próximo capítulo, no próximo final de semana...

 

 

Esta semana, faleceu Jean-Pierre Jabouille, ninguém menos que o primeiro piloto a vencer uma corrida de F-1 com a Renault. A marca francesa se notabilizou por apresentar, em 1977, o primeiro motor turbo da história da categoria máxima do automobilismo, que revolucionaria a tecnologia dos propulsores na década seguinte. O triunfo aconteceu justamente na França, em 1979, na pista de Dijon-Prenois. Foi uma vitória 100% francesa, em uma corrida francesa, com um piloto francês, por um time francês, e com pneus franceses (Michelin). A carreira de Jabouille, contudo, foi curta na F-1, tendo obtido uma segunda vitória, no GP da Áustria de 1980, e disputado apenas 49 GPs em 55 tentativas de participação, e dos quais abandonou praticamente 39 deles, por problemas variados. Jabouille tinha 80 anos, e a causa da morte não foi divulgada.

Nenhum comentário: